Modo debug ativado. Para desativar, remova o parâmetro nvgoDebug da URL.

Usamos cookies para personalizar e melhorar sua experiência em nosso site e aprimorar a oferta de anúncios para você. Visite nossa Política de Cookies para saber mais. Ao clicar em "aceitar" você concorda com o uso que fazemos dos cookies

Marca Bahia Notícias Municípios
Você está em:
/
/
Interior

Notícia

Em meio à desertificação, iniciativas públicas e sociais incentivam resiliência da caatinga e cerrado baianos

Por Eduarda Pinto

Em meio à desertificação, iniciativas públicas e sociais incentivam resiliência da caatinga e cerrado baianos
Foto: Divulgação / Sociedade Nacional da Agricultura

O Cerrado e a Caatinga são os dois dos principais biomas baianos e, juntos, abrigam a maior parte dos municípios da Bahia. Acontece que ambos estão entre os mais ameaçados em meio as queimadas e violações ambientais pelo estado. O reflexo desses e outros fatores só vieram a tona a partir de estudos científicos que identificaram, na Bahia, a primeira microrregião árida em todo o país. 

 

Um estudo desenvolvido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), divulgado em novembro de 2023, identificou características de clima árido na região norte da Bahia, especialmente o território de Itaparica, incluindo as cidades de Abaré, Chorrochó, Glória, Macururé, Paulo Afonso e Rodelas. 

 

Nesta reportagem, o Bahia Notícias relembra a descoberta e busca entender de que forma as iniciativas sociais e do poder público podem contribuir para a resiliência climática. Ainda em 2023, a nota técnica do Inpe e Cemaden identificou um crescimento histórico nacional das zonas semiáridas e alertou para o favorecimento de queimadas e os impactos severos nas atividades econômicas, como a agricultura e a pecuária, devido a falta de água nessas regiões.

 

Mais recentemente, ainda neste ano, a Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI) disponibilizou o Mapa de Áreas Susceptíveis à Desertificação (ASD) do estado. Utilizando o mesmo método de cálculo do índice de aridez, a metodologia de Thornthwaite (1948), o mapeamento estadual considera que quanto menor o IA [Índice de Aridez], maior a aridez e, consequentemente, a suscetibilidade à desertificação. Confira o mapa: 

 


Reprodução do mapa disponibilizado pela SEI

 

“Ao analisar o mapa, observa-se uma área na cor laranja na parte central do estado, no sentido do percurso do Rio São Francisco, e que se espalha na parte norte, onde o índice de aridez (entre 0,13 e 0,50) demonstra alta suscetibilidade à desertificação e retrata as áreas áridas e semiáridas do estado. Nas bordas, em cores mais suaves, aparecem os trechos com média susceptibilidade. Já a região litorânea e o oeste do estado, em azul no mapa, apresentam baixa (IA entre 0,66 e 1,0) ou muito baixa (IA acima de 1,0) suscetibilidade”, apontou a nota oficial da Superintendência. 

 

A AÇÃO PÚBLICA 

O Bahia Notícias conversou com o Diretor de Políticas e Planejamento Ambiental da Sema, Tiago Porto, sobre as iniciativas públicas relacionadas a estratégias de resiliência e sustentabilidade em meio a desertificação. 

 

“A gente tem boa parte da Bahia, cerca de 85% do nosso estado, inserido numa área que a gente chama de semiárido. Toda essa região semiárida do estado, ela tem condições naturalmente desafiadoras. Tem muita insolação, pouca chuva, pouca disponibilidade hídrica para usos econômicos. Toda a região do bioma Caatinga, que é o centro da Bahia, e praticamente todo o oeste do estado, que é o bioma Cerrado, fazem parte dessa área que chamamos de semiárido.”

 

“A convivência com o semiárido traz vários desafios para a vida, então a gente tem, no Estado, uma série de políticas públicas que buscam tornar a vida no semiárido mais confortável, mais digna, mais para que as pessoas possam prosperar lá.”

 

Neste caso, o gestor fala sobre a Plano Estadual de Convivência com o Semiárido, oficializado em 2020 e em vigor até 2029. O plano contextualiza todas as especifidades técnicas e sociais das regiões incluídas no semiárido baiano, além de determinar as diretrizes de atuação nessas regiões. 

 

Ao total, mais de 100 ações foram definidas para alcançar 20 diretrizes. Entre as ações estão “efetivar a regularização fundiária dos Povos e Comunidades Tradicionais” e “implementar Banco de dados sobre inovações, conhecimento e tecnologias adaptadas à convivência com o semiárido”. O diferencial da iniciativa é a inclusão e cooperação de todas as áreas do governo estadual.

 


Foto: Marcello Casal Jr. / Agência Brasil

 

Porto destaca que o plano foi elaborado antes mesmo da descoberta científica, e por isso se aplica a toda a região. No que diz respeito às especificidades sentidas nas regiões áridas, o biólogo afirma que “as pessoas que a gente tem contato, elas não sentiram que de um dia para o outro a coisa mudou". "Aquilo [o processo de desertificação] já era uma tendência, já estávamos caminhando para uma aridização daquela região e esse caminhar foi acelerado pela forma como a gente explora os recursos naturais”. 

 

“Especialmente naquela região, a vegetação é muito sensível a mudanças. Então, quando eu tiro ali um pedaço de Caatinga para implantar, por exemplo, uma plantação de coco, a Caatinga é incapaz de retornar a sua condição original, sem muita intervenção humana. Então, a gente precisaria investir muito para resgatar aquele ambiente. É diferente da Mata Atlântica, por exemplo, a gente vê um terreno baldio, passado 2 meses volta a ter vegetação ali naquele terreno. A Mata Atlântica é um bioma que tem muito mais resiliência”, explica. 

 

“Então, o Estado já vem implementando ações, por exemplo, de implantação de sistemas de abastecimento de água, fornecimento de carro-pipa, tem uma série de ações”, ressalta. “A gente fez um esforço direcionado para essa região, o território de Itaparica, porque a gente entende que a gente não poderia agir da mesma forma que a gente age para o semiárido como um todo, para essa região. A gente precisava ter um investimento maior de recurso público, porque a região tava mais vulnerável do que as outras nesse momento.” 

 

Questionado sobre a possibilidade de atuação para “refrear”, Tiago garante que é possível, ainda que complexo. “É que a gente precisa mudar em todas as áreas. A infraestrutura, como a gente constrói, como a gente se alimenta, as profissões que a gente vai formar, como a gente se desloca. A gente precisa buscar transformações em todas as áreas, porque essa forma como a gente vive hoje, na sociedade, é muito emissora dos gases de efeito estufa”, reflete. 

 

“Esse diagnóstico a gente já elaborou que é o Inventário da Emissão de Gases de Efeito Estufa e tem uma fotografia do estado da Bahia, de quais são os principais emissores”, afirma. O Inventário de Gases de Efeito Estufa (GEE) do Estado da Bahia (2020-2022) foi oficialmente divulgado em 2024. Segundo o documento, em 2022, a Bahia foi 9º estado brasileiro em termos de emissões brutas de gases de efeito estufa (GEE), totalizando 91,37 MtCO2e dos 2.331,5 megatoneladas de CO2 equivalente emitidas por todo o Brasil.

 

Sobre o tema, Porto define que “a gente precisa buscar uma transformação dessa das atividades econômicas". "A gente sabe que isso não é de um dia para o outro, a gente precisa ir fazendo para que essa transformação aconteça e porque assim, essa é a solução mais definitiva”. Ele afirma que “é a gente mudar as nossas formas de viver nesse planeta para que a gente emita menos gases de efeito estufa, e vá arrefecendo os efeitos das mudanças climáticas”, conclui. 

 

A RESILIÊNCIA VERDE

Mas não apenas a mobilização do Poder Executivo é suficiente para garantir a manutenção dos modos de vida da população do semiárido e árido baiano. As iniciativas que surgem da sociedade civil são parte intrínseca da resiliência climática ao redor do mundo. E são essas iniciativas que a Fundação Verde – Herbert Daniel, vinculada ao Partido Verde, vem buscando incentivar por meio do “A Tenda Verde”, com seminários com a participação de lideranças comunitárias ao redor do estado. 

 

O presidente do Partido Verde na Bahia, Ivanilson Gomes, e a coordenadora do projeto da Fundação, Vânia Almeida, conversaram com o Bahia Notícias sobre a ação e revelaram que um novo projeto, totalmente voltado para os debates sobre a desertificação do semiárido baiano. 

 

“Nós temos um projeto que se chama ‘A Tenda o Verde’, que é uma tenda onde nós montamos em cada município e a gente leva pessoas que tem conhecimento sobre a questão ambiental e sobretudo de arborização. Além, claro, desse projeto que está agora sendo elaborado que é sobre a questão do semiárido baiano”, afirma Ivanilson. 

 

O líder partidário contextualiza que “que nós temos uma área territorial bastante extensa de semiárido e a gente entendeu que era importante, nesse momento, trazer um pouco essa discussão, envolvendo sobretudo as pessoas, os moradores da localidade, a sociedade, até porque parte significativa do que acontece hoje é fruto de uma ação antrópica”, aponta.

 


Foto: Divulgação 

 

Vânia Almeida, coordenadora deste projeto da Fundação e ativista ambiental, conta que o impulso dos projetos é a realizada da COP30 no Brasil, em Belém, ao final deste ano. 

 

“A fundação está desenvolvendo uma série de ações, não só na Bahia, mas no Brasil todo, com o foco de levar mensagens ‘dos verdes’ para a COP 30 e na Bahia nós entendemos que o nosso foco deveria ser justamente na Caatinga, nessa região do semiárido, sobretudo nessa nova área árida”, explica a gestora, que é cientista social de formação, com especializações em educação ambiental. 

 

“E assim, a gente percebeu pelas nossas vivências, experiências, inclusive junto da Secretaria Estadual de Meio Ambiente, que existem muitas soluções locais da comunidade, que eles estão então desenvolvendo para conviver com essa realidade das mudanças climáticas e são metodologias sociais bastante interessantes e que, na verdade, a gente precisa dar visibilidade”, ressalta Vânia. 

 

Corroborando com o pensamento de Tiago Porto, com relação à mudança dos modelos socioeconômicos frente às mudanças climáticas, Ivanilson destaca que o modelo econômico do Brasil é similar ao de outros países considerados subdesenvolvidos e surge a partir de uma divisão sociogeográfica do trabalho ao redor do mundo. 

 

“A gente não conseguiu avançar muito [no combate as mudanças climáticas] em função exatamente de todo um processo histórico onde os países subdesenvolvidos acabavam por aquecer sua economia da manufatura, ou seja, do envio de produtos agrícolas e para isso acelerar houve uma ação antrópica [humana], sem uma tecnologia adequada e sem o manejo adequado [dos biomas]”, contextualiza. 

 

O líder “dos verdes” delimita ainda que “da mesma forma, quando a gente fala da Caatinga, um bioma essencialmente brasileiro e muito importante para nossa cultura, para nossa história, já chegou um ponto de desertificação". "É um caso basicamente irreversível. O que a gente precisa e tenta fazer agora é que esse processo não avance”. 

 

E completa: “Então a gente precisa ter ações que possam despertar a sociedade de que a gente tá vai enfrentar um problema muito difícil aí na frente, se a gente não começar a ter iniciativas que possam diminuir esse tipo de efeito climático no nosso estado”. 

 

A coordenadora da Fundação ressalta ainda que, atualmente, “289 municípios que são suscetíveis à condição de desertificação". "Por isso a importância da gente ter sensibilizado e ainda, aonde ainda não chegou nesse nível, a gente tentar barrar e segurar”. Ela afirma que “a ideia é justamente chamar atenção, porque as comunidades tradicionais de quilombolas, indígenas, fundo e fecho de pasto, são justamente as mais atingidas. E quando a gente pensa em justiça climática, a gente tem que pensar em financiamento. Não pode ser só boa vontade, é preciso ter financiamento porque eles [as comunidades tradicionais] não geram [as mudanças climáticas], mas sofrem as consequências”, reforça. 

 

Por fim, a educadora ambiental destaca a importância unir a sociedade civil e os poderes Executivo e Legislativo em torno da pauta. “Questão ambiental, ela não é uma questão de uma de um único órgão, de um o único setor, é uma questão que tem que ser tratada por todos. É a sociedade civil, são as organizações, é o governo, são os partidos, todo mundo precisa estar envolvido e colaborando para que a gente possa ter sucesso, porque não é uma única ação que vai resolver o problema, mas ela contribui”, resume. 

 

A expectativa da Fundação Verde é de reunir um grupo de lideranças comunitárias, ambientais e políticas para tratar das mudanças climáticas, especialmente a desertificação, na Bahia na COP, que ocorre em novembro deste ano.