Desafio Ambiental: Vítimas de fábrica de chumbo acionam comissão de Direitos Humanos da OEA
Por Lenilde Pacheco
A poluição da água de uma forma que, até então, não havia sido vista em Hollywood, foi apresentada pelo diretor Steven Soderbergh no filme “Erin Brockovich – Uma Mulher de Talento” (2000), com Julia Roberts em uma icônica atuação que lhe valeu o Oscar de melhor atriz. Baseada em fatos reais, a obra tornou-se um clássico do Direito Ambiental.
O roteiro extraído de acontecimentos ocorridos na comunidade de Hinkley, na Califórnia, bem poderia ter saído de outro drama real semelhante e mais grave, vivido na pequena Santo Amaro da Purificação (80 Km de Salvador). Nesse caso, o impacto e a perplexidade de ver na telona a história da contaminação da água, atmosfera e solo daquele município do Recôncavo Baiano certamente levariam autoridades brasileiras a fazer valer decisões judiciais que condenaram a empresa Plumbum Mineração e Metalurgia, responsável pelo crime ambiental.
Com graves sequelas causadas pela contaminação e dificuldade de acesso a serviços médicos, as vítimas baianas não indenizadas recorreram, na semana passada, à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA) contra o Estado brasileiro. Essa ação teve o valioso empenho do Grupo de Pesquisa Historicidade do Estado, Direito e Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Foto: Divulgação
O objetivo da denúncia é garantir a responsabilização da empresa e medidas cautelares em favor das vítimas, como a construção e funcionamento pleno de um centro de referência para tratamento dos contaminados e prevenção de novo casos, pagamento de indenizações individuais e coletivas, bem como a despoluição e melhoria da qualidade da água da bacia hidrográfica do Rio Subaé.
Liderada pela Associação das Vítimas da Contaminação por Chumbo, Cádmio, Mercúrio e Outros Elementos Químicos (Avicca), a luta contra a impunidade, portanto, deve alcançar a mesma Corte que já condenou o Brasil na esfera de direitos humanos. Uma das condenações se deu no caso dos empregados de uma fábrica de fogos em Santo Antônio de Jesus (BA), que explodiu, causando a morte de 64 pessoas, em 11 de dezembro de 1998.
HISTÓRICO PROCESSUAL
A primeira sentença condenatória contra a empresa Plumbum Mineração e Metalurgia é datada de 2014. Utilizando-se de artifícios jurídicos para não cumprir a decisão, a companhia viu o seu recurso negado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em 2019. O TRT-1 negou recurso contra a decisão de 1º grau e determinou que a mineradora pague pelos danos ambientais e humanos. “Todas as condenações foram devidamente fundamentadas em vasta documentação probatória por meio de vários relatórios técnicos feitos por peritos imparciais”, registrou o MPF, ao se manifestar.
A União e a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) também foram condenadas solidariamente por falta de implantação de um centro de referência para tratamento de pacientes vítimas de contaminação por metais pesados. Perante a CIDH, o Estado brasileiro terá espaço para apresentar seus contra-argumentos.
Mas os estudos demonstram que a frouxa fiscalização permitiu que a antiga Companhia Brasileira de Chumbo (Cobrac), renomeada Plumbum Mineração e Metalurgia, descartasse lixo tóxico indevidamente durante três décadas até 1993. Dezenas de pesquisas realizadas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), entre outras instituições independentes, comprovaram o legado de contaminação e abandono.
A Cobrac produziu 490 mil toneladas de escória contaminada com metais pesados – sobretudo chumbo e cádmio. Parte desse material ficou nas instalações da empresa; outra parte foi doada para a prefeitura que utilizou o rejeito industrial tóxico na pavimentação de ruas e até na reforma de prédios escolares, o que explica os recentes casos de pessoas adoentadas. Na cidade contaminada, o saturnismo (intoxicação por chumbo), tornou-se problema de saúde pública. Os moradores sofrem com danos neurológicos, mudanças de comportamento, anemia e dores abdominais intensas, entre outros sintomas. Foram ao Judiciário, mas até hoje sem resultado. Na prática, vivem aquilo que Rui Barbosa tão bem conceituou: Justiça tardia não é justiça.