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Entrevista

“Não houve preocupação de dotar esses distritos de infraestrutura”, diz secretário sobre indústrias no interior baiano

Por Francis Juliano

“Não houve preocupação de dotar esses distritos de infraestrutura”, diz secretário sobre indústrias no interior baiano
Foto: Igor Barreto / Bahia Notícias

Passados quase seis meses à frente da Secretaria de Desenvolvimento Econômico da Bahia (SDE), o titular da pasta, o feirense Angelo Almeida, tem a missão de melhorar os índices de industrialização no estado. Em uma década, entre 2011 e 2021, o Brasil perdeu 12,4% da força industrial, mas a Bahia conseguiu descer mais, com baixa de 22,6%.

 

Em entrevista ao Bahia Notícias, Angelo Almeida respondeu sobre essa questão, como também sobre o dilema dos distritos industriais, sobre o potencial do hidrogênio verde, sobre a falha de não desenvolver um maquinário para o agronegócio do estado (que compra esses itens de fora), entre outros temas, como educação e o modelo de atração de empresas calçadistas para o semiárido baiano.

 

“Toda cidade gostaria de ter uma grande empresa calçadista porque ela emprega bastante. Uma empresa dessa de médio porte emprega de 1,2 mil a 2 mil. [...] Mas o estado do tamanho da Bahia tem que entender a sua vocação”, avaliou o secretário. Veja abaixo a entrevista na íntegra.

 

Foto: Igor Barreto / Bahia Notícias

 

Quais são as perspectivas de curto prazo para indústria baiana, sobretudo para este segundo semestre?
Com cinco meses à frente da pasta posso dizer, com segurança, que a Bahia está em uma posição privilegiada na neoindustrialização e de novos empreendimentos na área industrial, a exemplo da agroindústria. Eu diria que é o estado central do país na perspectiva de ser um grande polo de atração para essas empresas. Isso pela facilidade da perspectiva de baixo custo e abundância energética. As vibrações estão sendo positivas e o interior tem sido o foco das atenções desses novos impedimentos para a Bahia. Só para se ter ideia, do ponto de vista da energia eólica, a Bahia é o único território no mundo onde os ventos são imbatíveis.


Ainda sobre curto prazo, a fábrica de hidrogênio verde anunciada em Camaçari ainda pode sair neste ano, como já foi dito?
O principal equipamento para tornar realidade essa planta de hidrogênio verde na Bahia, da Unigel, que será a primeira planta em alta escala na América Latina, é a compra do eletrolisador, que já foi adquirido. As compras já foram feitas e os primeiros eletrolisadores vão chegar no segundo semestre deste ano.

 

Quais são as perspectivas de emprego para o estado como um todo com o aproveitamento desse potencial de energia limpa, colocando aí as energias eólicas, solar e, por que não, o hidrogênio verde? 
Sim. Está havendo uma estabilidade na implantação de novos negócios na Bahia com cerca de 75% deles direcionados para o interior e 25% para a Região Metropolitana de Salvador. É uma tendência, justamente por conta dessa nova matriz energética. Tanto a Solar quanto a eólica. Elas barateiam os custos de mercado e o empresário consegue ter acesso a uma energia mais limpa a um custo mais barato. Além disso, o Estado tem feito diversas ações na qualificação de mão de obra no interior com a expansão do ensino técnico e profissionalizante. E os investimentos do agronegócio nos animam bastante. 

 

Foto: Igor Barreto / Bahia Notícias


Em relação ao agronegócio, é notória a força desse setor no estado, mas o maquinário vem todo de fora, de empresas estrangeiras. Isso não seria um erro estratégico da política industrial baiana quando ela não estimula essa produção?
Existe uma tendência que as novas gerações baseadas em tecnologia e ciência vão fazer a diferença. 

 

A questão é que se fala na vinda da BYD para fabricação de carros elétricos. Por que não pensar também na fabricação de tratores e máquinas agrícolas?
É uma questão cultural. Esse setor metalúrgico de equipamentos agrícolas, ele vem ali de Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul. Essa mudança ainda não houve aqui. E agora com esses recordes que estão batendo, seguramente nós vamos também ter a capacidade de começar a fazer esse tipo de atração, sobretudo por conta da transição energética e da necessidade de ter energia barata produzindo esses equipamentos. Nós estamos atentos a isso. Ocorre que não se transforma tudo de uma vez só. Vou dar um exemplo. Hoje na Bahia, a Ferbasa, a partir da matriz energética, que é limpa para produzir a usinagem, já fornece o chamado aço verde para a Toyota. Então, os carros da Toyota fabricados hoje no mundo tem o selo produzido aqui, que é de alta qualidade. Isso gera uma tendência de mercado. 

 

Ainda a respeito do interior do estado, sobretudo do semiárido que ocupa a maior parte do território baiano, quais as ações para reerguer os distritos industriais? 
Olha, existe um interesse do governo Jerônimo para requalificar nossos distritos industriais. Durante muito tempo, é preciso reconhecer, não houve preocupação de dotar esses distritos de infraestrutura. Esse é um papel que a Secretaria de Desenvolvimento, em parceria com a Seinfra [Secretaria de Infraestrutura do Estado], tem buscado fazer. 

 

Em Feira de Santana, a crítica é que o distrito industrial foi abandonado.
O Centro Industrial de Feira de Santana, tanto o Núcleo do Tomba e o do Subaé já estão adiantados, com projetos finalizados. Ali o trabalho de drenagem precisa ser melhorado porque foi feito há cerca de 60 anos. Uma drenagem muito superficial que já não compete mais para a realidade de hoje. Fazer qualquer intervenção sem mudar o sistema de drenagem é jogar dinheiro fora. Então, o custo para fazer a drenagem profunda está em torno de R$ 20 milhões. O governador vai autorizar e o projeto de Feira deve ficar em R$ 44 milhões iniciais. O edital deve sair provavelmente até agosto.

 

O centro industrial de Vitória da Conquista também é outra reivindicação. Como está lá?

A recuperação do distrito industrial de Conquista já tinha começado no governo Rui Costa. A obra já está em 15% dela, e até o final do ano a reforma deve ser concluída. Existe lá uma associação de empresários que passou por uma série de dificuldades, inclusive na questão documental para atualizar para cadastro fundiário. Mas, a secretaria está trabalhando para fazer a entrega desses documentos para que eles possam acessar crédito e avançar na constituição das empresas. 

 

Foto: Igor Barreto / Bahia Notícias

 

Além de Feira e Conquista, quais outras regiões vocês estão olhando com mais carinho para investir nesses espaços industriais?
Dos 22 distritos industriais, 17 estão sendo trabalhados pela secretaria. Trabalhando com projetos e editais que devem ser lançados ainda nesse segundo semestre.

 

O senhor poderia citar algumas cidades que vão ser contempladas?
Em Barreiras e Luís Eduardo Magalhães, o governador já está dando ordem de serviço para começar a trabalhar no mês de julho. Vamos aproveitar o festival do algodão para colocar isso em prática. Em Santo Antônio de Jesus, o edital já avançou e a empresa contratada já está com 15% das obras feitas. O de Jequié já está adiantado em obras. O CIA [Centro Industrial Aratu], o edital vai ser lançado no dia 27 de junho e vamos receber as propostas de requalificação. E a requalificação do Polo Industrial de Camaçari está prevista para ocorrer nos próximos 90 dias. Então, dos 17 distritos industriais, a metade deles já está sendo tratada.

 

O Polo de Camaçari, conhecido ainda como polo petroquímico, pode se tornar um polo de energia verde?
Seguramente. A tendência é que o polo, que está perto dos seus 50 anos, passe a receber fortes investimentos e ser um grande hub de hidrogênio verde. Não é ufanismo. O hidrogênio verde será o combustível do futuro. Não é por outro motivo que estamos acompanhando as grandes empresas internacionais que estão dialogando com a gente. O polo vai se modernizar nessa transição energética que passa também pela Bahia. 

 

Entre 2021 e 2022, houve uma queda acentuada na taxa de industrialização na Bahia. Dados da Superintendência de Estudos Sociais, a SEI, apontam que em uma década, o estado teve 22,6% de baixa, enquanto o Brasil caiu 12,4%. O que explica esse problema acentuado na Bahia? 
Nós perdemos competitividade com o mercado internacional. A Bahia não se manteve competitiva muito porque houve uma tendência de avanço do empreendedorismo e do agronegócio. Tivemos problemas com garantia de energia, o que impactou no custo de produção. Além disso, nossos distritos industriais estavam pouco preparados. Isso nós estamos procurado corrigir. O que justifica essa perda acima da média nacional talvez tenha sido a partir de 2015. A Bahia deixou de ter protagonismo a nível federal.  Com a passagem de Bolsonaro, poucas empresas tiveram acesso a crédito aqui para se implantar na Bahia. Agora, temos a chance de virar a chave com Lula e Gerônimo, Wagner, na liderança do governo no Senado, Rui Costa, na Casa Civil, o professor da Ufba Uallace Moreira no Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. Enfim, o ambiente é favorável.

 

Há quem diga que o modelo de industrialização no semiárido baiano, que abriga quase 90% das cidades do estado, está estagnado. Geralmente, se pensa muito na vinda de empresas de calçados. O que o senhor pensa dessa crítica?
Toda cidade gostaria de ter uma grande empresa calçadista porque ela emprega bastante. Uma empresa dessa de médio porte emprega de 1,2 mil a 2 mil. Em Santo Estêvão há uma empresa com 6 mil a 7 mil pessoas empregadas, exportando produtos para o mundo inteiro. Mas o estado do tamanho da Bahia tem que entender a sua vocação. O governo do estado tem investido na ordem de mais de R$ 3 bilhões vocacionado para a pequena indústria, na área de laticínio, benefício de fruta, entre outras. Isso está sendo plantado na Bahia e essas sementes vão começar a serem colhidas. Não é de uma hora para outra que isso vai acontecer. 

 

O que o senhor diria para os prefeitos, sobretudo do semiárido, no sentido de que eles vendam melhor suas vocações e atraiam empresas para não ficar apenas no modelo calçadista?
 O desenvolvimento do interior passa muito pela melhora da qualidade do ensino fundamental. Existe uma falha na educação que é preciso ser tratada. Os prefeitos precisam entregar alunos ao ensino médio em um nível melhor. Eu, se fosse prefeito do interior, eu colocaria toda a minha atenção e energia para melhorar a qualidade do ensino fundamental. 

 

Foto: Igor Barreto / Bahia Notícias

 

A gente sabe que a educação do estado também foi muito criticada. É preciso também rever o que o estado tem feito nesse setor, já que um bom ensino médio também vai fazer diferença nos empregos oferecidos?
Uma boa escola coloca para cima a autoestima não só dos jovens, como também dos professores. A escola que tem sido planejada para a Bahia tem sido revolucionária. Vejo que o governador Jerônimo, como professor extremamente e vocacionado, está fortalecendo esse investimento na qualidade da educação. 

 

Tem outra questão fundamental na indústria que é a dependência de infraestrutura. Nós estamos atrás do Sul e Sudeste em rodovias, como também em ferrovias. Como resolver isso?
Um problema muito sério aqui na Bahia foi a depreciação de nossa malha ferroviária. Nos anos 90 houve a concessão da nossa malha para a Vale. E não era do interesse da Vale ter a Bahia estruturada. Tanto que nós perdemos malha ferroviária nessa gestão da Vale que vai vencer agora em 2026. Nós esperamos que o governo federal retome essa concessão, através de PPP [Parceria Público Privada] ou do próprio governo, e requalifique a malha ferroviária. Nós temos muito minério. A mineração na Bahia é pouco explorada. E não existe mineração sem ferrovia e sem porto. Porto nós temos. 

 

Falando em porto, como está a situação do estaleiro de São Roque do Paraguaçu, em Maragogipe?
Algumas empresas da cadeia de produção de energia eólica e solar estão estudando a possiblidade de se instalar no entorno de Maragogipe. Aí, você tem o porto, fica perto da BR-101, com bom escoamento. Então, a produção para exportação fica facilitada, além de escoar a produção para o interior do estado.

 

Tem alguma empresa desembarcando na Bahia que o senhor poderia informar?
Tem uma empresa de eletrodoméstico de Araçatuba (SP) que escolheu Amélia Rodrigues. Tem uma empresa calçadista do Rio Grande do Sul está fechando a vinda para cá. Isso tudo é tendência pelo potencial de atração da Bahia com a energia limpa.