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Entrevista

Jaime Barreiros Neto, analista do TRE-BA e professor da Ufba

Por Francis Juliano

Jaime Barreiros Neto, analista do TRE-BA e professor da Ufba
Fotos: Paulo Victor Nadal / Bahia Notícias

Em outubro, os baianos voltarão às urnas para escolher prefeitos e vereadores. Preocupações com o abuso do poder político econômico sempre voltam. Basta lembrar que já em 2020, uma cidade da Bahia trocou de prefeito em decorrência do crime eleitoral. Segundo o professor de Direito da Ufba Jaime Barreiros Neto, há diversas formas de abuso de poder. Uma delas pode aparecer com mais frequência neste ano. Trata-se do abuso de poder religioso. Em entrevista ao Bahia Notícias, Barreiros Neto explicou como a prática pode ser apontada. Na conversa, o também professor de direito da Ufba detalhou a principal mudança que ocorrerá nas eleições – o fim das coligações para candidaturas a vereador –, discorreu sobre o problema das fake News, debateu o financiamento de campanhas e alertou para os limites que um prefeito à reeleição deve observar.  Veja abaixo a entrevista completa:

 

Há poucos dias ocorreu a eleição suplementar em Pilão Arcado. O pleito se deu devido à cassação do então prefeito Manoel Afonso Mangueira por abuso de poder político e econômico, nas eleições de 2016. Essa prática de abuso de poder encontra ambiente favorável na Bahia?
Esse tipo de delito sempre acontece seja na Bahia seja em qualquer lugar do Brasil. Porque o uso do poder econômico, dos meios de comunicação social, é algo natural em um processo político. A grande questão que a Justiça Eleitoral se depara é sobre o verdadeiro conteúdo do abuso. O que é um ato abusivo? Porque a lei não deixa muito claro o que seria esse abuso. Quando não é abuso do poder econômico, por exemplo, seria um pouco mais fácil. A gente tem um teto de gasto de campanha, tem limite de arrecadação, tem fontes vedadas que não podem doar, e aí fica mais fácil objetivamente saber se o candidato gastou mais do que poderia. Se ele recebeu um recurso ilícito. 

 

O que é mais difícil perceber em termos de abuso de poder?
Agora, por exemplo, abuso dos meios de comunicação, é uma coisa complicada de definir. A lei 9.504, a Lei das Eleições, permite que no período pré-eleitoral, antes do dia 16 de agosto, o futuro candidato se apresente como pré-candidato, fale, dê entrevista, participe de debate, dizendo que é candidato, ele só não pode pedir voto. Se ele for parlamentar, deputado, vereador, ele pode falar sobre o mandato dele, dizendo o que fez. Mas existem situações em que um veículo de comunicação social, rádio e TV, por exemplo, comece de forma maciça a privilegiar um candidato em detrimento de outros. Pode ser que o Ministério Público interprete que esse seja um ato abusivo e a Justiça Eleitoral também entenda nesse sentido. 

 

E a lei interfere como aí?
Tem um tipo de ação chamada de Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije). Ela é para combater o abuso de poder, mas só pode ser proposta depois de 16 de agosto. No entanto, os fatos que podem embasar a ação podem ocorrer antes. Então, principalmente agora, no primeiro semestre, o MP já está de olho em relação a esse tipo de conduta. Os próprios candidatos adversários, que são potenciais fiscais, podem no momento oportuno propor ações contra candidatos que venham praticando abusos desde já. Basicamente, para que o abuso de poder aconteça é necessário que fique comprovado que o eleitorado de forma geral foi influenciado de forma desmedida, desproporcional.

 

Há outras formas de abuso de autoridade, além do político, econômico e de autoridade?
Uma das questões que a Justiça Eleitoral vem enfrentando, de forma ainda incipiente, é o abuso de poder religioso. Até que ponto o abuso de poder religioso pode levar a uma cassação de mandato? Por um lado você não pode usar a igreja como palanque eleitoral, mas por outro lado, a igreja tem seus dogmas, sua fé, sua doutrina, e está dentro da liberdade religiosa. Agora, por exemplo, uma autoridade religiosa chegar para os fiéis e dizer: “não vote em quem tenha tal postura, vote em quem defenda nossas bandeiras”, e essas bandeiras sejam identificadas com determinado candidato e não com outro. Então, até que ponto o que está sendo dito na igreja é liberdade religiosa ou é abuso de poder? Esse é um problema.

 

De que forma isso pode ser entendido, porque muitos políticos falam em Deus todo o tempo?
Falar em Deus por si só não é um problema. Agora, ameaçar o eleitor, dizendo “se você não votar em mim, vai para o inferno”, por exemplo, e aquela ameaça seja capaz de fazer com que o eleitor perca a sua liberdade de votar. 

 

Conhecendo a realidade do interior, a gente sabe que tem muito político que tem rádio. Já como pré-candidato assumido, ele pode usar o veículo até o dia 16 de agosto da mesma forma que vem usando até então?
Existem algumas regrinhas para o rádio. Se ele for radialista, ele vai ser obrigado a se afastar do programa no dia 30 de junho, mas até lá ele vai poder apresentar o programa normalmente, e mesmo depois do dia 30, a lei permite que pode ser entrevistado. A única questão é que a rádio tem que oferecer tratamento igual aos concorrentes.

 

As redes sociais tiveram papel preponderante na definição da última eleição, e as fake news também interferiram no resultado. A eleição deste ano já está mais protegida desse problema?
A lei fala, como já falava, na propaganda antecipada irregular, que pode gerar multa, se o indivíduo começa a fazer propaganda, seja a verdadeira ou a fake news, e fala também no abuso de poder nos meios de comunicação social, e a internet estaria aí. Agora, para que haja a punição, primeiro tem que haver um caso concreto, a ser analisado pela Justiça Eleitoral, denunciado no período oportuno e tem de estar demonstrado que o candidato tinha conhecimento e por isso deveria ter evitado aquela prática, e essa prática tem que ser grave. 

 

A pessoa teria que fazer um print como prova para a denúncia?
Fazer o print, procurar um cartório e conseguir uma ata notarial para mostrar que aquele print e aquela postagem existiram. Hoje é muito fácil manipular uma postagem. Então, se o indivíduo quiser denunciar um candidato adversário, ele vai no cartório, abre a internet, pede ao escrivão uma certidão, uma ata notarial, e como base nela, ele poderá ingressar com uma ação na Justiça Eleitoral, que vai analisar e julgar se aquela conduta foi grave capaz de gerar uma vantagem no processo ou não.

 

Essa última reforma eleitoral definiu algumas questões, como o limite de gastos. Um prefeito do interior que tenha muito dinheiro, ele pode gastar quanto o que ele quiser na campanha?
Ele tem limite. Esse limite é estabelecido pela lei, em regra é de até 10% da renda desse indivíduo, baseada no ano anterior na declaração do Imposto de Renda, e fica sujeito também ao teto geral de limites de gastos de campanha que todo candidato deve observar e que varia de município para município. Até o mês de julho, o TSE vai divulgar o valor máximo de gastos que cada município que poderá ter na campanha para vereador e para prefeito.

 

Para um candidato que tem muito dinheiro, esses 10% da renda pode ser muito. O senhor não acha que mesmo com esses limites, a campanha ainda possa ser desequilibrada?
Eu acho que esses limites são importantes ainda. É muito mais importante do que a proibição do financiamento empresarial. Essa é minha opinião. O financiamento empresarial deveria continuar a existir. Porque pensar que é o financiamento empresarial o motivo da corrupção é uma visão limitada do fenômeno. A corrução e o caixa dois continuam existindo independente da fonte do recurso.

 

Mas não há na prática do financiamento empresarial aquele acordo implícito de que caso o candidato apoiado vença, as empresas serão beneficiadas em contratos?
Mas eu pergunto, será que isso não termina acontecendo independente do processo eleitoral? A fraude de licitação, a troca de favores dependem necessariamente de eleição? Porque se criou uma solução para um problema, mas não foi uma solução mais adequada. Porque com isso se criou outro problema também. A campanha eleitoral precisa de dinheiro. Então, acabou a principal fonte de financiamento que vinham das empresas. O que aconteceu? O Congresso Nacional aprovou um financiamento público. E esse ano, ele vai custar quase R$ 3 bilhões, o equivalente a quatro Arenas Fonte Nova. Dinheiro público dado nas mãos dos partidos, com um agravante. 

Qual?
É o diretório nacional do partido que recebe o dinheiro e repassa para os diretórios locais. Então, a cúpula partidária no âmbito nacional controla esse dinheiro público. Diz quem vai receber e quem não vai. Tem candidato que não vai receber dinheiro nenhum. E outra coisa, um partido político é um pessoa jurídica de direito privado, o que isso significa – embora tem que haver prestação de contas desse dinheiro – não precisa fazer licitação. Então, o sujeito, pode pegar o dinheiro do fundo eleitoral, contratar uma gráfica, contratar um carro de som, e esse contrato não precisa fazer licitação, ou seja, ele pode contratar quem ele quiser, um amigo, um irmão, então ser candidato hoje pode ser um grande negócio. 

 

Agora, o fundo público poderia ser uma forma de equilibrar as disputas, ou seja, os partidos receberiam verbas semelhantes. No entanto, pelo que ouvi de sua fala, o problema seria da gestão desses recursos. Seria isso?
A meu ver o problema não é se o fundo é público ou privado. O problema é estabelecer ou não um limite de gastos. De onde vem o dinheiro é o menos relevante. E criou-se um novo problema que é a compensação. A campanha precisa de dinheiro, a empresa não pode mais doar, vai tirar de onde? Criaram um fundo público. Então, hoje você tem dinheiro público colocado em campanha que poderia ir para outro lugar. Com esse fundo público, a lei permite que o dinheiro seja gasto em jantar, advogado, e uma novidade da reforma de 2019, os gastos com advogados e contadores não precisam nem se submeter a esse limite que a lei estabelece. 

 

Quais são os casos mais comuns de abuso de poder no interior baiano?
É muito comum o uso da máquina administrativa, como bolsas de estudo, oferta de emprego, e até ameaças mesmo. A gente pensa que o abuso de poder só ocorre através de alguma vantagem oferecida, mas também pode ocorrer com uma ameaça. O sujeito diz: “você trabalha na prefeitura, se você não votar em mim e sua família também, você vai perder o emprego”. Ameaça até de morte, embora ocorra menos, existe em algumas situações. Então o abuso de poder ocorre em várias dimensões. E hoje, novas formas de abuso de poder já vêm sendo trabalhadas, como falei, por exemplo, o abuso de poder religioso. A Justiça Eleitoral ainda vem patinando para dizer se é possível ou não, mas é plenamente viável. Já tem decisões neste sentido, bastando se verificar se aquela conduta desequilibra as eleições, se tem um potencial lesivo à liberdade do candidato. 

 

Provavelmente esse tipo de situação pode ficar mais nítidas nas próximas eleições devido ao crescimento do voto evangélico neopentescostal, que usa mais a religião na política. 
O fato de a igreja ter seu candidato, por si só não é um problema, o problema é quando o eleitor é coagido, é obrigado a votar em determinado candidato por influência de uma entidade religiosa.

 

Esse ano é o último de gestão dos prefeitos. O que se observa é que vários deles fazem gastos, como concurso, inclusive, sem orçamento compatível, o que pode acarretar problemas para o sucessor. O que pode e não pode em termos de gastos no ano de eleição?
Os prefeitos podem executar o orçamento e o planejamento administrativo que já tinham sido determinados em ano anterior. Não tem nenhum problema. Inclusive, pode fazer concurso em ano eleitoral. Pode até nomear desde que o concurso tenha sido homologado pelo menos três meses antes das eleições. Se o concurso acabou até o início de julho, pode ter nomeação em agosto sem problema. O que não pode é fazer concurso no período eleitoral. Agora, de forma geral, a legislação eleitoral veda, se não pode ser abuso de poder politico, de aumentos de gastos relativos à média dos anos anteriores, com a finalidade eleitoral, e essa matéria não fica restrita ao direito eleitoral, o direito administrativo também. Se o sujeito faz uma gestão temerária, cria dívidas que ele não podia ter criado, deixando a bomba para o sucessor, ele poderá responder já não mais na Justiça Eleitoral, mas na Justiça comum, por improbidade administrativa, podendo ficar inelegível por oito anos caso seja condenado.

 

Não há nenhum impeditivo para atuação do prefeito que é candidato à reeleição? Não há um limite? 
Ele pode tocar a gestão normalmente. A nossa legislação permite que o prefeito dispute a reeleição no cargo. Agora, ele tem que ter cuidado para não se utilizar do cargo de forma eleitoral, de forma explícita.

 

Isso é complicado, não? O sujeito está com a máquina de gestão a todo tempo a favor dele.
Complicado. Porque, claro, a propaganda da gestão dele, ele vai terminar fazendo durante a campanha eleitoral, mas a legislação proíbe que o prefeito, ou qualquer outro candidato, participe de inaugurações públicas nos três meses anteriores à eleição. Então, nada impede que a prefeitura faça a inauguração, mas o prefeito não pode estar presente, isso de julho em diante. Gastos com shows artísticos também não podem nesse período porque podem estar vinculados ao prefeito. Agora, hoje se questiona se é uma vantagem realmente concorrer no cargo. A gente sempre achou que era, mas curiosamente, há quatro anos, em 2016,48% dos prefeitos que disputaram a reeleição ganharam, e 52% perderam. Então, pela primeira vez, houve mais derrotas do que vitórias. A crise econômica também influenciou.  

 

Nessa eleição vai ser proibido que os vereadores entrem em coligações. Eles só podem ser eleitos pelo coeficiente eleitoral do próprio partido. Isso favorece qual tipo de candidato?
Teoricamente, isso favorece a identidade partidária. O partido vai ter que se apresentar com suas ideias. Às vezes um partido pequeno se escondia em um partido grande, elegia candidatos, mas não tinha identidade. E a grande questão é que às vezes, o eleitor votava em um candidato de um partido e elegia o de outro. Porque na eleição para vereador nem sempre o mais votado ganha. O que acontece? Você tem dez cadeiras em disputa, se um partido A ou coligação A tinha 10% dos votos conseguia uma cadeira. O candidato mais votado daquela coligação estava eleito. Como a coligação tinha candidatos de vários partidos, você podia votar no candidato do partido A, mas o mais votado da coligação ser um candidato do partido B. Isso vai acabar porque não vai ter mais coligação, você vai poder continuar votando em uma pessoa e eleger outra, só que essa outra pessoa se eleita será do próprio partido. Isso fortalece de certa forma o partido. 

 

Mesmo os partidos pequenos?
No entanto, partidos pequenos que não conseguiram atingir um número mínimo de votos para eleger um candidato, mas que elegia pessoas porque se coligavam com partidos grandes, esses vão ter mais dificuldade para eleger alguém. No interior, na maioria dos municípios só tem nove vereadores. Nesses municípios para que um partido eleja um candidato, ele vai ter que ter 11% dos votos válidos. É muito voto. É interessante que aí o colega de partido é o maior aliado e o maior adversário de todo candidato. Porque ele precisa dos votos do colega para que o partido tenha muito voto e consiga a cadeira, e precisa ter mais voto que o colega para assumir a vaga. Um fenômeno que vai acontecer no interior, principalmente nas grandes cidades e em Salvador, é que vai haver um maior número de candidatos a prefeito. Por quê? Porque não deixa de ser uma vitrine. Um partido que tem um candidato a prefeito, ele tem uma maior visibilidade. Então, muitos partidos vão lançar candidatos a prefeito, mesmo sabendo que não vão ter chances de ganhar, mas vão entrar na disputa para servir de palanque aos candidatos a vereador do mesmo partido.

 

Esse tipo de mudança favorece a melhor escolha?
Acho que sim. Claro que prejudicará de um lado a representação das minorias, porque os partidos menores vão ter mais dificuldades de eleger candidatos. Vão ter que fazer uma propaganda maior do partido para conquista a vaga. Vai ter que ter um número de quatro ou cinco candidatos viáveis para pelo menos eleger um ou dois. Nesse aspecto não é tão bom, mas no aspecto da identidade do eleitor com o partido é positivo. Porque às vezes você votava em um candidato do partido A e elegia o cara do B, e depois A e B brigavam e o seu representante, ele está defendendo ideias completamente diferentes daqueles que você defendia.  

 

No interior ocorre muito a identidade de grupo e não de partidos. Como eles vão resolver esse dilema? Falando no número do candidato, por exemplo?
No interior tem muito de grupo A e grupo B. Agora na eleição de vereador dentro do grupo A, por exemplo, vai ter o A1, o A2, o A3, o A4. Vai ter vários pequenos grupos que vão concorrer um com o outro na vaga para vereador.