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Entrevista

Guilherme Dutra, biólogo e diretor da ONG Conservação Internacional

Por Francis Juliano

Guilherme Dutra, biólogo e diretor da ONG Conservação Internacional
Foto: Divulgação / Conservação Internacional

Situado no extremo sul baiano, o Parque Nacional de Abrolhos abriga uma das maiores biodiversidades do planeta. É lá onde ficam o maior banco de águas calcárias do mundo e o maior banco de recifes corais do Atlântico Sul. As jubartes que migram da gelada Antártica para praias baianas, por exemplo, escolhem o arquipélago para se reproduzir.

 

Todo esse cenário, no entanto, pode estar ameaçado. É que a Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP) quer vender quatro lotes para exploração de petróleo na Bacia Camamu-Almada, próxima a Abrolhos. Uma primeira tentativa foi sustada no dia 10 de outubro, quando não apareceu nenhuma empresa para lançar um preço sobre os lotes. No entanto, a ANP continuará na tentativa de venda.

 

Temerosos com o risco de acidentes ambientais por possíveis derramamentos de óleo, ambientalistas ligados ao movimento Conexão Abrolhos estão em alerta. Ao Bahia Notícias, o biólogo Guilherme Dutra, diretor da ONG Conservação Internacional, criticou o governo federal que desprestigiou relatórios técnicos do próprio Ibama condenando a venda dos lotes.

 

Dutra também afirmou que a aposta no petróleo pode destruir toda a economia local, que vive da pesca e do turismo. "O petróleo é um recurso finito. Só que atividades como pesca e turismo vão ser dependentes dos recursos naturais em longuíssimo prazo”, afirma. Veja abaixo a entrevista na íntegra.

 

 

Na última quinta-feira (10), o leilão dos quatro lotes da bacia de Camamu-Almada, que serviriam para a exploração de petróleo, lá em Abrolhos, não teve êxito. Não apareceu nenhuma empresa para a compra. Como vocês avaliam esse fato? 
Essa não realização do leilão foi um ganho importante para que esses blocos não representem mais uma ameaça para aquela região.

 

O que é que pode ocorrer caso esses lotes sejam vendidos?
O principal impacto que a gente trata em relação à oferta dos blocos é sobre os riscos de vazamento de óleo, que podem ser pequenos ou de grandes proporções. Caso ocorra um acidente naquela área, apesar de ela estar distante do parque de Abrolhos, coisa de 300 quilômetros aproximadamente, estudos feitos pelo próprio setor de óleo e gás apontam uma probabilidade de 97% de chegada do óleo na área de Abrolhos em um período mínimo de 4,3 dias. Então, não fomos nós que apontamos isso. Não foi um estudo da gente. Esse impacto ambiental já foi mostrado. 

 

E os prejuízos? Dá para estimar uma situação provável?
O prejuízo econômico e ambiental não chegou a ser estimado neste estudo. Mas dá para ter uma boa noção do prejuízo com esse óleo que tem chegado na costa baiana. A mancha já chegou até em Salvador, não é? Ou seja, pode acarretar prejuízos diretos para turismo, pesca e outras atividades que dependem do meio ambiente.

 

Foto: Divulgação / Conservação Internacional

 

Para gente ter uma ideia, o que é o parque de Abrolhos e o que ele representa para o meio ambiente da região?
Abrolhos tem a maior biodiversidade marinha do Atlântico Sul. Ali estão os maiores recifes de corais do Brasil, o maior banco de águas calcárias do mundo, e a maior concentração de baleias jubartes que vem reproduzir na nossa costa.

 

Como você tem visto as ações tanto do Ibama quanto do Ministério do Meio Ambiente?
O governo se posicionou favoravelmente à oferta desses blocos. Os blocos foram oferecidos no leilão porque teve todo esse processo de permissões. Acabou que as empresas não compraram os blocos. A gente entende que foi muito por conta dos alertas que nós, enquanto sociedade civil, fizemos, como também por conta da ação civil pública que o Ministério Público Federal (MPF) moveu. A Justiça ainda não julgou o mérito, e a questão ainda está sub judice. As empresas foram comunicadas disso. Porém, o governo não considerou a possibilidade de retirar os blocos do leilão.

 

Qual o argumento que eles colocam para legitimar a venda dos lotes?
Na sequência do leilão teve uma entrevista com o ministro das Minas e Energia [Bento Albuquerque]. Ele falou essencialmente dos argumentos econômicos a partir do óleo e gás no país e o que isso representaria para nossa economia. Na nossa impressão se prioriza essa economia, a partir do petróleo, em detrimento das outras economias, que dependem dessa região no longo prazo. O petróleo é um recurso finito. Só que atividades como pesca e turismo vão ser dependentes dos recursos naturais em longuíssimo prazo. Essa economia local é diferente. Especialmente por conta da quantidade de pessoas que dependem dessas atividades. Nós estamos falando de cerca de 20 mil pessoas que dependem da pesca, 80 mil pessoas que dependem do turismo, só na região dos Abrolhos.

 

Esse impacto no turismo ficaria restrito àquela área do extremo sul baiano?
Os impactos afetariam o turismo de toda a costa da Bahia. Mas a região dos Abrolhos que a gente está considerando vem de Canavieiras até o Rio Doce, no Espírito Santo, na região de Linhares.

 

Abrolhos já sofre também com o problema do rompimento da barragem de Mariana porque os rejeitos chegaram até o mar. Qual a situação hoje em decorrência da invasão da lama?
Houve uma publicação recente, mas os primeiros estudos feitos lá mostraram que a lama com rejeitos se espalhou por aquela região. No ano seguinte ao vazamento houve contaminação por alguns metais nos corais. Isso não causou nenhuma mortalidade de corais. Não chegou a ser registrado, mas existe uma contaminação que certamente está na cadeia alimentar desses organismos.

 

Foto: Divulgação / Conservação Internacional

 

Em termos de sociedade, vocês estão tendo apoio? As comunidades e populações locais têm ajudado na campanha?
A sociedade realmente se mobilizou muito nessa campanha. A gente teve 1,2 milhão de assinaturas na petição criada pela [ativista] Tâmires Alcântara. Isso certamente representa uma porção significativa da sociedade. Os pescadores da região também. Nós tivemos em Canavieiras – que seria um dos locais mais próximos e um dos primeiros a serem atingidos em caso de acidentes – e os pescadores estão bastante articulados. Eles se manifestaram em relação à questão. Estão preocupados com a exploração de óleo lá. Enfim, eu acho que houve uma manifestação considerável da sociedade, nacional e regionalmente, que deve ter contado na decisão das empresas de não fazer oferta no leilão, o que foi muito responsável.

 

Como o Ministério Público Federal atuou nesta questão?
O MPF fez vários pedidos. Os principais eram pela não oferta dos blocos daquela bacia, pela avaliação estratégica da região – que é uma obrigação legal e que não foi cumprida para aquele caso – e que em caso da oferta dos blocos fosse informado o estado do local para análise criteriosa de interessados. Então, o primeiro pedido foi o que não foi aceito. Os demais pedidos foram. 

 

O que faz vocês acreditarem que vai ser possível barrar esse leilão? Há um ambiente favorável, digo em termos políticos, já que vocês foram até o Congresso levar as assinaturas contra o leilão? Existem mesmo condições de suspender a venda desses lotes ou é preciso lutar bastante ainda?
É preciso lutar bastante, e essa luta não é nova. A gente teve tentativa de ofertas de blocos na região em 2003. Depois, teve ofertas em 2012. Esse estudo de impacto ambiental de blocos ofertados é dessa época. A gente não tinha noção do risco que os blocos, que estavam na região de Ilhéus, poderiam representar para Abrolhos. Esses estudos trouxeram essa base para nós, e agora esses blocos são ofertados novamente. A gente não tem a ilusão de que eles vão deixar de oferecer os blocos para exploração. No entanto, o nosso papel é trazer todo esse alerta e envolver a sociedade de forma mais ampla na discussão. Foi o que aconteceu agora. Isso fez com que as empresas pensassem na sua responsabilidade e no custo que teriam na imagem e reputação, além dos riscos que elas teriam com a operação de petróleo na região. O nosso papel de alertar foi feito e foi ouvido.

 

Com o Ibama, pelo visto, vocês não vão ter apoio? 
É difícil dizer isso porque os próprios técnicos do Ibama deram parecer desfavorável à oferta dos blocos. E eles sempre foram muito coerentes. Mas a decisão, no final das contas é da presidência do Ibama, que é uma decisão política. Disso aí a gente não tem como fazer nenhuma consideração. A gente está falando do problema desde 2003. 

 

Essas mudanças podem afetar a vida das pessoas da região. Porém isso também vai impactar no turismo, o que repercute para fora da Bahia. As agências de turismo e as prefeituras das cidades já se posicionaram quanto à questão ou elas estão neutras?
As prefeituras não se manifestaram. Imagino que tenham feito alguma articulação política, mas a gente desconhece. Pelo menos, nessa campanha não houve uma manifestação delas. Em relação às agências de turismo, muitas delas ajudaram na petição, divulgaram a petição, se manifestaram nesse processo de reunião de assinaturas.

 

Será que as prefeituras estão mirando em um retorno futuro por conta da exploração de petróleo como, por exemplo, na transferência de royalties [repasses através de imposto]?
Os royalties seriam cabíveis para os municípios que estão logo na frente dos blocos, ali na região de Cairu. Os municípios do sul e extremo sul, ou seja, de Ilhéus para baixo, nenhum deles teria beneficio com roylaties. Eles só ficariam com os riscos. Porque esses blocos da bacia de Camamu-Almada ficam bem na frente de Cairu. 

 

Quais são os próximos passos agora da campanha de tentar evitar a venda dos lotes?
Nós vamos seguir acompanhando. O que acontece é que a ANP informou que esses blocos vão permanecer na oferta contínua. Tem um processo novo que eles estão criando. E nós vamos evitar que isso aconteça.