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Entrevista

Rosilvaldo Ferreira da Silva, cacique Babau

Por Francis Juliano

Rosilvaldo Ferreira da Silva, cacique Babau
Foto: Reprodução / Youtube / Causa Operária

Um dos expoentes da luta indígena na Bahia e no Brasil, Rosivaldo Ferreira da Silva, o cacique tupinambá Babau, acompanha com atenção os desdobramentos do governo Bolsonaro. No começo do ano, Babau pediu proteção ao Estado e ao Ministério Público Federal na Bahia (MPF-BA). Dizia ter sido alertado de um plano. Fazendeiros do sul baiano pretendiam matar parentes dele como forma de intimidação.

 

Em entrevista ao Bahia Notícias, o cacique afirma que até o momento “tudo está tranquilo”. No entanto, diz que ainda não é tempo de comemorar. “Estamos observando”, informou. O cacique, que lidera 218 famílias tupinambás entre Una, Ilhéus e Buerarema, comentou sobre a retirada das demarcações de terras indígenas pela Funai e considerou vitoriosa a campanha contra a municipalização da saúde indígena.

 

Babau também rebateu o argumento de que uma rejeição aos índios levou Bolsonaro a ganhar em Buerarema e afirmou que o presidente “é mal informado” quanto à atuação dos indígenas.  “Hoje, por exemplo, nós temos mais de 50 advogados indígenas, temos mais de 30 sociólogos indígenas, vários formados em administração, índios médicos, enfermeiros”, relata. Confira abaixo a entrevista na íntegra:

 

Foto: Reprodução / Youtube / Causa Operária


O senhor recentemente deu uma entrevista ao repórter João Pedro Pitombo na Folha de S. Paulo afirmando ter tido conhecimento de um plano que tramava a morte de parentes seus. Na ocasião, o senhor falou que pediu proteção do Estado e providências do Ministério Público Federal na Bahia (MPF-BA). O Estado e o MPF responderam?

Todo mundo me respondeu. Inclusive minha irmã acabou indo à ONU [Organização das Nações Unidas], em Bruxelas, na Bélgica, onde fez uma palestra. Também agora no dia 16 de abril, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com várias entidades do governo federal e governo estadual e entidades da sociedade civil, vão fazer uma visita à aldeia para debater o assunto. O programa de segurança também foi ampliado. As coisas estão funcionando.

 

A gente acompanha o conflito de terra no sul baiano. Ano passado durante as eleições o senhor declarou que caso Bolsonaro colocasse em risco o direito à terra dos indígenas vocês iriam resistir. Já ocorreu algum confronto na região?

Não teve confronto nenhum porque não teve nenhuma ação direta, a não ser as ameaças que nós falamos sobre a questão da terra. Graças a Deus está tudo bem. Tudo está tranquilo, não se alterou nada com a entrada de Bolsonaro. Nós estamos observando o andamento dos fatos para saber quais medidas iremos tomar.

 

Nesses quase quatro meses do novo governo federal já ocorreram mudanças que mexem com a vida dos índios, como o deslocamento da Funai [Fundação Nacional do Índio] para o ministério das Mulheres, Família e Direitos Humanos. Como vocês viram isso?

Olha, essa questão está sendo bem tratada pelo movimento indígena. Todos nós já entramos com ações judiciais, porque tem muita coisa inconstitucional nisso. E essas questões vão ser definidas agora no final do mês porque foram colocadas como medida provisória. Elas vão ter que serem votadas pelo Congresso. Retirar demarcação de terra da Funai e mandar para o Ministério da Agricultura é inconstitucional.

 

Foto: Reprodução / Youtube / Causa Operária

 

Dias atrás tivemos no sul baiano protestos de tribos contra a municipalização da saúde indígena. Grupos fecharam a BA-001 em protesto. Pelo que se soube, o governo  federal deu mostrar de ter recuado diante das manifestações. É isso mesmo? 

Houve um recuo do governo sim. Isso depois de um protesto nacional, inclusive com uma concentração muito grande de indígenas em Brasília discutindo o tema. O presidente recuou pelo que sabemos, voltou atrás, reconheceu e disse que não há mais municipalização da saúde indígena. 

 

Podemos dizer que foi uma vitória expressiva do povo indígena sobre o novo governo?

Eu acho que foi uma vitória momentânea, mas nós precisamos estar atentos porque outras coisas virão. Então, uma coisa a gente quer saber. Ele recuou em municipalizar, mas será que vai manter os recursos da Sesai [Secretaria Especial de Saúde Indígena], ou vai tirar e enfraquecer a Sesai por ausência de recursos? Tem uma série de coisas que precisam ser analisadas no dia seguinte, como agora.   

 

Ano passado, quatro cidades entre as 417 do estado deram vitória a Bolsonaro nas eleições do segundo turno. Uma dessas foi Buerarema. Lá se atribui muito a uma rejeição à atuação dos índios, e em particular, do senhor na cidade. O que tem de verdade nisso?

Desculpa, mas isso não é verdade. Buerarema sempre votou com a direita. Nunca votou na esquerda. Isso é histórico. Sempre foram ACM Neto doentes. Sempre votaram com a equipe de ACM Neto. Se ACM Neto tivesse se candidatado, o governador teria zero voto lá. Hoje, usam a imagem do índio só para desculpa, mas na verdade sempre votaram do outro lado. É tanto que nunca o PT fez um vereador em Buerarema. Lá a Câmara é toda de direita, quase ninguém é de esquerda. 

Foto: Reprodução / Youtube / Causa Operária

 

Em Itabuna, Bolsonaro também ganhou no primeiro turno e se fala a mesma coisa, que seria resultado de rejeição da atuação dos índios.

Eu acho meio difícil. Somos 218 famílias, e para elas mudarem a temática de Ilhéus, Itabuna, Una, Buerarema, é um pouco de exagero. Primeiro, que o território da gente é minúsculo diante da realidade geral ali. Segundo, a aldeia da gente é autônoma e autossuficiente em tudo. Não depende de ninguém para nada. E não há conflito contra nós. Então, como é que pode atribuir uma coisa dessa? Eu acho difícil, a não ser o marketing que usam.

 

Cacique, muitas pessoas que são contra o senhor, chegam até a afirmar que o senhor não é índio. Como o senhor responde a elas?

Me desculpe, mas você deve partir do princípio que no Brasil existe preconceito. O pobre favelado é sempre traficante e o índio nunca é índio. 

 

O senhor diz que os conflitos com índios no país não são necessariamente pela terra e sim pela questão da raça. Como o senhor vê isso?

É aquela pergunta que diz se eu sou índio de verdade ou não. Você chega no Amazonas, aí alguém fala: "ah, esse pessoal aqui já foi índio, não é mais. Eles falam português e são tudo caboclo e fica lutando por terra". Então, para mim a questão não é de terra, é do preconceito racial que demanda sobre tudo. Nenhum brasileiro quando fala inglês deixa de ser brasileiro. Mas o indígena quando passa a falar português deixa de ser indígena. Isso se não for preconceito não sei mais o que é. Se fala: "ah, eles já têm lar, vestem roupas e ainda querem dizer que são índios". Nós somos nações, não somos doenças. Isso é preconceito. Isso é racismo e precisa ser combatido no país.

 

Foto: Reprodução / Prado Online

 

Há ainda certa ignorância em relação às atividades dos índios. Se imagina que as tribos vivem reclusas nas aldeias e em práticas bem antigas. As ocupações dos índios vão além disso, não é mesmo?

Veja bem, isso é outro preconceito. O governo cria dois métodos de medir produção. Ou é agronegócio ou é agricultura familiar. Aí, tudo o que os índios vendem entram como o quê? Agricultura familiar. Mas para você ter noção, no sul da Bahia, os maiores produtores de cacau e leite são indígenas. O maior produtor de abacaxi, banana da terra, banana da prata e farinha são indígenas. Em Pernambuco, o maior produtor de cebola e de arroz são os índios Truká, e isso não se conhece. Precisa ser divulgado.  

 

Acredito que boa pare da população não conhece essa realidade.

Por exemplo, na região amazônica, a maioria dos índios é autônoma. Eles trabalham na criação de peixes, na coleta de coco de babaçu, que preserva a floresta, e tem indústria feita por indígenas nessa área de cosméticos, de fabricação de sabonetes e outras coisas a partir do babaçu. E isso não é divulgado, e quando aparece vem em nome de terceiros. Precisa existir no Brasil, sabe, a agricultura coletiva. Porque junta os povos indígenas às comunidades quilombolas. E essa agricultura coletiva produz até mais do que a agricultura familiar. 

 

O presidente da República chegou a afirmar que os índios precisam se conectar com a internet e buscar uma vida mais integrada à sociedade. No entanto, muitos índios já estão conectados e são empreendedores de negócios. Como o senhor analisa essa visão?

Ele é mal-informado. Hoje, por exemplo, nós temos mais de 50 advogados indígenas, temos mais de 30 sociólogos indígenas, vários formados em administração, índios médicos, enfermeiros, técnicos em enfermagem, e em áreas diversas do país temos índios formados, que atuam em suas aldeias, que ajudam a alimentar a economia dessas aldeias e levam prosperidade. Mas por desconhecimento, racismo e preconceito, cabe aos governantes falar essas coisas. Que os índios ainda não sabem nada, ou que acessam internet para nada. Isso é preconceito e racismo.