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Entrevista

Maria Quitéria, presidente da UPB

Por Ailma Teixeira

Maria Quitéria, presidente da UPB
Foto: Cláudia Cardozo / Bahia Notícias
Depois de quatro anos se aproxima o fim segundo do mandato de Maria Quitéria como presidente da União dos Municípios da Bahia (UPB). A eleição para definir o novo gestor da entidade acontece no próximo dia 25 de janeiro, mas até lá, a ex-prefeita de Cardeal da Silva segue no comando da instituição, onde acredita ter fomentado uma cultura de capacitação e orientação.  Ela ressalta a criação das salas de consórcios, inauguradas em 2013, e do Conselho Consultivo, que contribuiu para tornar a gestão mais participativa. “A gente fez um trabalho, colocando a política em segundo plano e mostrando que o município pode e deve ser um órgão transformador, com transparência, eficiência e com informação”, afirma. Diante de um ano que promete ainda mais cortes de investimento nos setores públicos, Quitéria é otimista ao definir que esse é o “momento dos municípios” que, enfim, conquistaram mais espaço e visibilidade para angariar recursos. “Crise não existe, o nosso país é rico. O que existe é má distribuição das receitas e investimento, muitas vezes, naquilo que não é necessário. O governo federal cria políticas públicas e o município executa, mas às vezes não é o que ele precisava”, pontua a presidente. Para Quitéria, o Brasil precisa implantar políticas adequadas à realidade de cada local e não exigir que todas as cidades se adequem a um mesmo padrão. Em entrevista ao Bahia Notícias, a gestora comentou ainda o desafio constante de se provar como mulher na política, tendo sido a primeira a presidir a UPB.

Após dois mandatos à frente da UPB, como você avalia a sua gestão?
Com ações diretas de fortalecimento da gestão publica com a finalidade de dar às prefeituras tranquilidade e informação através da entidade, uma aproximação de um órgão, que é fiscalizador como o TCM, o TCE, o TCU, o Ministério Público. A gente fez um trabalho de capacitação com os municípios, então, eu acredito que a gente fez um trabalho, colocando a política em segundo plano e mostrando que o município pode e deve ser um órgão transformador, com transparência, eficiência e com informação. Porque muitos achavam antes que o “bicho papão”, o tribunal só podia ser punidor e ele é um órgão orientador.
 
Quanto à capacitação dos municípios, foi uma inovação trazida com a sua gestão ou um processo de continuidade?
Não, inovação. Nós colocamos as salas dos consórcios, que eu inaugurei em 2013 e a gente fez a gestão se transformar em gestão participativa, aonde não se dependia do presidente nenhuma atitude tomada. A gente combinou com todos os consórcios e associações sendo agora parte do Conselho Consultivo da UPB, independente da chapa que seja eleita, do presidente. Agora, o conselho faz parte de todas as regiões porque antes tinha uma disputa pra que quem ia pra chapa fosse de uma região ou de outra e agora com esse conselho como consultor e tendo cadeira na UPB, acaba que independe do presidente. A gente vai ter um conselho fortalecido por todas as regiões.
 
O espaço ocupado por mulheres na política, apesar de crescente, ainda é muito inferior ao dos homens. Como primeira mulher a assumir esse cargo, quais os desafios que você enfrentou pra assumir e se manter?
Eu acho que a gente, mulher, tem uma coisa boa que é a pacificação. A gente luta, disputa, mas a gente não tem... A mulher tanto se acostumou em ser um auxiliar que, com esse papel de líder, os homens começaram a entender que nós tínhamos algo de diferente. Com certeza, o diferencial da mulher é ser uma administradora consciente do seu papel dentro de uma sociedade. E, com a união dos prefeitos da Bahia, eu consegui trilhar entre todos os partidos e todos os espaços, colocando a entidade hoje a nível nacional e internacional como uma entidade que colabora de verdade com os municípios. Então, eu acho que hoje, apesar de a gente ter menos mulheres nas prefeituras – no mandato passado a gente tinha 60 e esse número foi reduzido agora –, na entidade eu fui reeleita pelos meus colegas pelo mérito do trabalho. A facilidade não existe porque a mulher precisa provar que ela é competente, não basta ser. Por ser ainda considerada um sexo frágil, ela é preterida ainda em muitos lugares. Então, a gente tem que provar sempre que a gente é competente, que a gente não é apenas o sexo feminino, que a gente é mulher, profissional, mãe. A facilidade que eu tenho é que a gente consegue administrar várias coisas ao mesmo tempo. A gente consegue ser mãe, consegue ser filha, consegue ser esposa e consegue ser administradora. Então, acho que eu ajudei todas as prefeituras com o meu jeito de governar, sabendo como funciona um Cras [Centro de Referência da Assistência Social], Crea [Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Bahia], uma Secretaria de Saúde, então a gente trabalhou em todas as áreas. Apoiamos, inclusive, quando o Governo Federal queria lançar o Mais Médicos, que nasceu de uma luta nossa, aqui da Bahia, pedindo ao governo, conscientizando porque a gente tinha dificuldade de ter médicos nos municípios. Tanto que o lançamento foi na Bahia, na sede da UPB. Então, a gente conseguiu conquistar vários avanços. Em 50 anos, a gente teve a primeira mulher, a gente conseguiu também um estreitamento com a UPB, discutir combate à seca, luta que levou à conquista do 1%, usando colete preto, que eu acho que foi o marco da nossa gestão. É uma história de seis meses de campanha em Brasília, levando dados, documentos, mostrando que os municípios precisavam ampliar receita. Mesmo assim, a Confederação Nacional veio apoiar depois, mas quem iniciou a luta, a bandeira foi a Bahia. Uma luta nossa aqui da UPB.


Em 50 anos de entidade, Maria Quitéria foi a primeira mulher a presidir a UPB | Foto: Cláudia Cardozo / Bahia Notícias 

Em uma entrevista recente, concedida à Tribuna da Bahia, foi comentado o seu interesse em que a eleição pra presidência da União tivesse chapa única. Como a candidatura de Luciano Pinheiro – com apoio de mais de 100 prefeitos, semanas antes da votação – foi recebida?
Nas minhas duas eleições, eu tive disputa e essa disputa num momento desses, aonde a gente precisa de uma entidade que seja apartidária, ela se transforma num palco para disputa política interna. Então, normalmente, cada um vai buscando seus apoios, mas tira o foco importante, que é autonomia dos municípios, de cada prefeito de escolher o seu líder. Porque a gente observa, a Assembleia Legislativa tem eleição, aonde que o prefeito é chamado pra participar? A Câmara dos Vereadores escolhe o seu presidente, então a UPB tem que ter escolha. Numa eleição sempre tem o problema que um sai quando perde, não frequenta muito a entidade. Então, eu trabalhei com os vários pré-candidatos que tinham na época e tentamos fazer uma chapa única. Natural que outros se coloquem. Na minha primeira eleição, em 2009, eu me coloquei, depois eu fui compor. De 2010 pra 2011, que seria o novo mandato de Caetano, eu fui pra vice e, em 2012, eu ganhei eleição pra presidente. Então, eu já estava no meu segundo mandato, eu participei, atuei na União dos Municípios, eu tinha um conhecimento do que era a instituição. Eu acho que a gente precisava lá atrás e precisa de uma candidatura única, onde a gente socialize as ideias até porque a entidade não é mais presidencialista. Apesar de ter um presidente, tem dois vices, poderia compor uma chapa onde todos tivessem a condição de discutir, de debater, de representar, porque como todo mundo é prefeito, nem todos tem a condição de estar em vários lugares e hoje nós precisamos nos fazer representados em todos os setores porque eles afetam o município. Hoje a gente tem cadeira no conselho “Luz para todos”, que não tem ninguém da diretoria, a gente escolhe algum prefeito que tem essa vocação. Mas a UPB foi conquistando esses espaços ao longo dessas gestões. A gente não está na UPB pra defender o nosso município. Eu optei, inclusive, por não falar nenhuma vez da minha cidade porque eu sou presidente e tenho que ser ali igual um eleitor. Não posso pedir algo em benefício próprio, tenho que pedir coletivamente se não perde o foco, o sentido. Se você for olhar o Mais Médicos, ele beneficiou todas as cidades. Hoje nós temos cadeira na Sudene porque eu briguei na Confederação Nacional dos Municípios pra que a Bahia tivesse esse espaço, já que tem muitos municípios com seca. Conseguimos através da UPB que fossem feitos 30 abastecimentos de água, como conseguimos também com o Crea e a Funasa fazer um plano de saneamento básico de algumas cidades. É o sentido que eu acho, apesar de que entidade é uma força apolítica, de falar em nome de todos os prefeitos, então, quando a gente fala em eleição, a gente está pensando em partido, disputa e aí eu vou sempre defender que tenha uma unidade, que tenha um entendimento pra não sair depois vencedor e derrotado.
 
Considerando o momento político do país com cortes de investimentos nos setores de base, qual a sua perspectiva quanto ao futuro das gestões municipais no interior da Bahia?
Olha, o que hoje nós temos, porque a gente observa, nunca os municípios grandes participaram tão fortemente como hoje. A gente tem na confederação nacional municípios do Rio Grande do Sul, de São Paulo, atuando na frente municipalista e isso se deve a uma crise que está em todos os municípios. Então, hoje a gente tem a possibilidade de reverter o pacto federativo, que é totalmente invertido com os municípios. Porque se nós hoje ficamos apenas com 16% do bolo tributário – que era 15%, aumentou 1% –, a gente tem hoje a condição de melhorar porque temos a força maior do país que são mais de cinco mil municípios. Eu olho que toda a crise serve pra aprendermos, nos juntarmos e crescermos. Termos criatividade, a Parceria Público Privado, mais do que nunca, tem que estar em todo o planejamento de toda a gestão pública municipal, temos exemplos a ser seguidos. Então, hoje é a oportunidade que as prefeituras do Brasil inteiro estão tendo de, junto aos deputados e senadores, brigar por uma autonomia que nós perdemos. Após a constituição de 1988, os municípios começaram a receber demandas e não tem condição de apenas pagar folha porque as prefeituras tem que se planejar.  E qual é a receita que os municípios têm na Bahia? Nós temos 60% dos municípios de porte médio e pequeno, não tem indústria, comércio forte pra ter receita própria. Então, precisa do apoio da União. Se você olha pra outros países, os municípios que não tem condição de se manter recebem mais ajuda. A gente precisa que o nosso país tenha um olhar diferente: política grande pra um município grande, política pequena pra um município pequeno. A gente precisa rever suas situações pra que não se isole municípios ricos dos municípios pobres. A gente precisa acreditar que esse momento da crise é um momento, que os municípios estão tendo. Inclusive, crise não existe, o nosso país é rico. O que existe é má distribuição das receitas. E investimento, muitas vezes, naquilo que não é necessário. O governo federal cria políticas públicas e o município executa, mas às vezes não é o que o município precisava. O nordeste sempre sofreu a seca, no entanto só foi ter apoio do governo federal quando o sul também passou a ter. Então, acho que é um momento importante que o Brasil está vivendo, é na dor que a gente aprende a utilizar melhor os nossos recursos, é nas dificuldades que a gente aprende a gastar melhor o pouco que a gente recebe. Administrar prefeitura pobre é um desafio que todos devem ter porque só administrar com dinheiro é fácil. Os consórcios públicos são o maior exemplo disso, ele veio pra fazer compra coletiva. O que eu posso comprar na minha cidade, 10, 15 lâmpadas e uma cidade maior quer comprar cinco mil? Se junta que o preço cai.
 
A UPB foi muito ativa na luta pra derrubar o veto da ex-presidente Dilma Rousseff e garantir que os municípios recebessem uma cota da multa de repatriações. Qual a importância dessa conquista para a instituição?
É exatamente a gente não deixar as coisas passarem como vinham passando no Brasil e os municípios não atuavam. As unidades municipalistas muitas vezes não se atentavam pra questões macro que iam respingar e iam de encontro a uma realidade dos municípios. E a multa da repatriação faz parte de um bolo tributário do município. Isso era o mesmo de tirar um direito de um cidadão ter o seu recurso aplicado, ter receita devolvida ao seu município. Esse é um dos poucos impostos que o município recebe, que é o IPI e o Imposto de Renda. A luta foi em prol de um estado de inércia que a gente viveria se a gente não trabalhasse pra derrubar esse veto.
 
O percentual será suficiente pra evitar que os municípios entrem em situação de emergência?
Acho que o número pode aumentar ainda. Os municípios que estão em estado de emergência, eu acredito que pode ser por uma questão de ordem momentânea também. Mas a repatriação vai ajudar e muito esse ano porque a previsão de receita do FPM [Fundo de Participação dos Municípios] não é tão alta, então, a soma da repatriação dá uma folga boa pra os municípios equilibrarem a perda que tem da receita.


Entre as conquistas, Quitéria destaca a fatia da multa de repatriações que será repassada aos municípios | Foto: Bahia Notícias 

Com a visão de quem já vivenciou todo o trabalho, qual o desafio da UPB a partir de agora?
O maior desafio da UPB tem sido a questão da RLC [Receita Corrente Líquida] porque os prefeitos têm tido problemas quanto ao índice de pessoal, então, o que eu falo é que a gente tem que aproveitar esse momento em favor dos municípios, fazendo com que eles tenham a autonomia e a maior bandeira vai ser o pacto federativo. É desumano os municípios viverem com o pacto atual, já que tem as obrigações maiores. A UPB é uma entidade que tem hoje uma força muito grande no cenário nacional e quando você está entrando com mais de 300 prefeitos novos, que é o caso da Bahia, você entra com vontade, com força. Acho que o próximo presidente vai capitanear aí uma luta permanente no congresso, atuando para a reforma tributária e o pacto federativo. Nós temos aí uma guerra também, que é o ISS. Nós temos hoje as operações de crédito e dos cartões de créditos de bancos dos municípios, essa receita vai pra Barueri, em São Paulo. Foi aprovada uma multa de 20 anos, só que não foi sancionada pelo presidente, aí a gente precisa derrubar esse veto na Câmara agora. Imagina quanto que Salvador, que Feira de Santana, Camaçari recebe de contas que pessoas fazem operação na sua cidade e esse recurso vai para São Paulo? Acho que essa é a maior bandeira inicial aí, de derrubar esse veto quando o Congresso voltar pra que os municípios já tenham essa receita que vai folgar muito mais que o FPM. Aí quando a gente pensa que está saindo, eu continuo sendo coordenadora da CNM Regional do Nordeste, então eu vou estar na luta municipalista sempre. O único ente federado que a gente sabe que é desprovido de qualquer proteção, a gente é fiscalizado por todos os órgãos e a gente tem total condição de ajudar o povo porque é quem está perto. A gente sabe que tivemos boas gestões e gestões ruins, mas a gente precisa fortalecer os municípios porque ele vai fortalecer o comércio, os munícipes, dando oportunidade de geração de emprego e renda, melhorando a saúde, educação, inclusive através desses consórcios.
 
Quais serão os seus próximos passos na política agora? Você volta pra buscar um cargo em Cardeal da Silva ou fica em Salvador?
Acho que a contribuição que eu dei nesses quatro anos como presidente, dois como vice, eu tenho um chamamento. A gente não consegue mais deixar de estar porque as pessoas lhe cobram, cobram seu compromisso com o municipalismo. Eu pretendo continuar o meu trabalho, que eu já fazia quando era secretária, acho que a gente não precisa ter cargo ou mandato pra fazer bem o que a gente acredita. No caso, o que eu acredito é que a minha maior bandeira na UPB sempre foi a capacitação porque quando a gente capacita os técnicos, os gestores, quando a gente mostra como é que faz e auxilia e orienta, a gente está dando a eles a possibilidade de fazer certo. A partir daí quem faz o errado, a gente já não pode mais ajudar, mas quem faz o certo, a gente vai fazer sempre. Eu fiz o “Capacita Municípios”, viajei com o Tribunal a Bahia toda e montei agora uma escola de gestão com o apoio de várias entidades públicas pra estar ajudando os municípios a capacitar os seus procuradores, secretários, funcionários, técnicos da prefeitura na própria unidade. Então, eu continuo minha vida pública, mas não sei ainda se vou ocupar algum cargo, não foi ainda conversado, se tem espaço. Mas meu foco sempre vão ser os municípios.