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Entrevista

Maria Quitéria, presidente da UPB

Por Francis Juliano | Fotos: Cláudia Cardozo

Maria Quitéria, presidente da UPB
Fotos: Cláudia Cardozo / Bahia Notícias
No último ano no comando da União dos Municípios da Bahia (UPB), Maria Quitéria (PSB) tem pela frente mais um período de pautas e desafios. Além da previsão de continuidade nos cortes de verbas para os municípios, 2016 também terá eleições com proibição de doações de empresas. Para a prefeita de Cardeal da Silva, cidade no agreste do estado, o pleito pode dar início a uma era de mudanças, mas com efeitos visíveis em disputas futuras. Eu acho que a gente vai ter uma melhora, mas não agora [...] vai ter muito prefeito pedindo para ficar em segundo lugar para tentar derrubar o primeiro.”, disse em entrevista ao Bahia Notícias. Ainda na conversa com o BN, Quitéria falou também da briga que a UPB pretende engrossar, junto com entidades nacionais, sobre a repatriação de multas sobre bens declarados no exterior. A gestora ainda opinou sobre possibilidade de demissões, comentou a respeito da falta de capacitação nas prefeituras e lamentou o fato de a Bahia “não viver do turismo”. Leia abaixa a entrevista na íntegra:
 

Quais as principais pautas da UPB para 2016?
Como o ano vai ser de eleição, a gente vai focar nas questões eleitorais com o TRE [Tribunal Regional Eleitoral]. Já na parte administrativa, 2016 vai ser de desafios e superações para os prefeitos, mas a UPB acredita no potencial dos municípios. Tem cidades que estão em desenvolvimento turístico, tem cidades que fazem desenvolvimento local através do programa do micro e pequeno empreendedor [Sebrae] e isso gera alternativa para a vida das pessoas.

A senhora poderia citar algumas dessas cidades?
Municípios que ganharam prêmio de empreendedorismo no Sebrae, como Jacobina, Guanambi, Teixeira de Freitas, Serrinha. Acho que a grande questão de 2016 é transformar dificuldade em oportunidade.

A senhora vai para a Brasília agora no começo de fevereiro. A UPB vai continuar na mesma linha do questionamento da distribuição do bolo tributário para conseguir uma maior arrecadação para os municípios?  
Acho que o grande enfrentamento ainda é a distribuição desse bolo tributário. A arrecadação dos impostos pagos por nós cidadãos do Brasil ainda está concentrada na União. Por isso que a nossa meta, como prefeitos que absorveram depois da Constituição de 1988 mais de 200 programas federais, é ter uma distribuição que seja justa para poder devolver ao povo aquilo que é pago. Quem tem capacidade de arrecadar mais recebe menos da União e quem tem capacidade de arrecadar menos recebe mais.
 

 
Ano passado nós tivemos um bloqueio de verbas. Os municípios chiaram, com razão, e para 2016 esse contingenciamento pode ser maior. Qual o recado para que os prefeitos baianos segurem as contas?
Olha vai ser mais difícil. A gente tem uma missão no Congresso Nacional que é derrubar o veto da presidenta feito em 14 de janeiro em relação à repatriação das multas sobre bens [não declarados à Receita Federal mantidos no exterior]. Essas multas serão vultosas. O governo federal está apostando nisso para poder equilibrar as finanças dele. Só que os municípios também perderam e os estados também. Como a gente vai ter um declínio na economia, isso serviria para equilibrar as nossas finanças. A gente precisa derrubar esse veto para que se tenha pelo menos a mesma fonte de receita da União e também compensar o que a gente perdeu em bilhões com as desonerações do IPI [Imposto sobre Produtos Industrializados].

A senhora acredita que em 2016 teremos mais prefeitos e Câmaras de Vereadores com contas rejeitadas?
Se a Lei [de Responsabilidade Fiscal] não for modificada, sem dúvida nenhuma. Tem um projeto do [deputado federal] Roberto Brito, que já foi aprovada em uma comissão da Câmara [de Assuntos Econômicos e de Desenvolvimento Nacional], que seria tirar os programas federais do nosso cálculo do índice de pessoal. A maioria dos casos de contas rejeitadas foi por problemas no índice de pessoal. Por mais que o Tribunal [de Contas dos Municípios] seja sensível às prefeituras, a questão está na lei.  Em 2015 foram 114 contas rejeitadas.

Nesse ano, as prefeituras vão ter mais despesas como o aumento no salário mínimo e do novo piso para os professores. Vem mais gastos aí. Como gerir isso?
Com o aumento do mínimo para R$ 880, o impacto será de R$ 321,4 milhões nas despesas em nível de Bahia. Em relação à educação, quando você avalia a região Nordeste, que é populosa, a gente sabe que tem um déficit com a educação. Muitos municípios aderiram à escola em tempo integral. Temos creches a serem construídas. A gente olha que a Undime [União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação] tem lutado pelo setor, mas pelo fato de ter como presidente uma pessoa de São Paulo, eu acho que muitas questões são desconsideradas por não se conhecer a realidade do Nordeste. Por isso, eu acho que a gente ainda é discriminado. 
 

 
O presidente da APLB-BA, Rui Oliveira, reclamou que 92% das prefeituras baianas não pagam o piso dos professores.
Nós não queremos diminuir salário de professor. Só que tem casos de municípios, como o meu [Cardeal da Silva] onde aprovamos planos de cargos e salários. A gente deu vantagens aos professores pela inexistência do piso na época. Só que esse piso hoje cresceu muito e teve um aumento exorbitante no bojo do valor que recebemos da União. E se a União garantiu que o Brasil teria o [programa] Pátria Educadora, que teria incentivos como o Pré-Sal para a Educação, a gente esperava também mais recursos para a educação. Então, em nenhum momento eu sentei para discutir cargos e salários no meu município. A maioria dos prefeitos se sentiu já coagido porque pegaram planos aprovados. A gente teve uma eleição em 2012 que entrou 298 novos prefeitos eleitos. Muitos pegaram os municípios como os planos já aprovados, só que a receita dos municípios não cresceu. E tem lugar que está em situação de emergência por seca e que precisa de recursos para alocar em outras áreas. 

Qual é o perfil do prefeito do interior baiano hoje? Falo de um prefeito mais moderno, preocupado com as contas públicas, que não usa a prefeitura como cabide de emprego?
Hoje, nós temos prefeitos muito competentes e sérios. Eu tenho testemunhado isso.  Eles têm buscado informação, conhecimento, e cada dia mais estão se modernizando e se equipando. Mas ainda existe um problema sério de capacitação. Hoje, o mercado de trabalho exige muito que a gente tenha na prefeitura pessoas capacitadas, e aí às vezes tem de trazer alguém de outra cidade, da capital, por exemplo. 

Ainda há muita gente conservadora, atrasada?
Não digo que atrasada, mas ainda que desconhece as mudanças de leis e gestão. Agora mesmo, o TCM colocou tudo informatizado. A gente está tendo um período curto, mas pedimos prorrogação, e eles deram seis meses de adaptação para você enviar tudo em meio eletrônico. Isso é novo. Hoje, a gente tem site de transparência, as pessoas têm acesso à informação diferente de outros tempos. E nisso, você tem que fazer a contabilidade diária e isso demanda qualidade e pessoal qualificado e bem-remunerado. Que é o nosso grande problema. Você pode até capacitar, mas pagar um servidor que trabalhe sábado e domingo para atualizar sistema diariamente, com salário de R$ 800, R$ 1 mil, é muito pouco. 
 

 
A senhora prevê mais demissões em 2016?
Olha, acho que muita gente já demitiu o que tinha de demitir no ano passado. Muitas prefeituras tiveram contas rejeitadas porque não tiveram coragem de demitir para assim preservar serviços essenciais, como saúde e educação. Mas a gente não ver só demissão pela questão de ultrapassar o índice de pessoal, a gente vê pela questão financeira mesmo. Tem prefeitura que não pagou ainda o mês de dezembro, não pagou o 13° salário. Tem muitos, que como eu, deixam de pagar o fornecedor para pagar a folha de funcionário. 

A senhora precisou demitir funcionário em Cardeal da Silva?
Claro. Porque meu índice de arrecadação é de 0,6 do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). É o menor índice do FPM. Eu tive que cortar duas secretarias para poder adequar ao meu índice.
 
Esse ano tem eleição e será a primeira com a proibição de doações de empresas. A senhora acredita que teremos uma campanha mais limpa, ou os prefeitos e candidatos vão encontrar brechas na lei e repetir práticas viciadas?
A gente ainda vai precisar de um bom tempo de educação para as pessoas entenderem o que é a política de fato, quais são os interesses que o politico tem que ter. Eu acho que a gente vai ter uma melhora, mas não agora. Agora, vai ter muito prefeito pedindo para ficar em segundo lugar para tentar derrubar o primeiro. Vai ser isso nesta eleição. O segundo vai ficar torcendo para que o primeiro erre. Porque na maioria dos prefeitos que são candidatos no interior, os próprios doadores são eles mesmos. Não tem isso de empresas. Só nas cidades maiores é que tem financiamento de empresas privadas. 
 

 
A senhora está encerrando seu mandato como presidente da UPB neste ano. O que foi que a senhora não fez que pretende fazer agora?
Olha, lá na UPB minha luta sempre vai ser a bandeira do pacto federativo. Já chegou o momento de se distribuir de fato as riquezas do país para todas as regiões. Eu sonho muito também que a Bahia se torne um estado turístico. Eu queria fazer muito a Feira dos Municípios. Só que de 2009 para cá, as cidades perderam muita receita. Eu, como sou apaixonada pelo turismo e já fui secretária de turismo [na cidade de Penedo, em Alagoas], acredito que a Bahia poderia viver muito mais do turismo do que da indústria. Quanto de turismo a gente poderia ganhar com a Chapada, com a região sul, Porto Seguro, e outros locais. Ah, se fala que o Rio de Janeiro é um destino e tal. A gente tem tudo em um só estado. Eu, quando era secretária de turismo, ia atrás do pessoal da limpeza e da iluminação, e dizia que uma cidade boa de visitar é aquela boa de viver. Então, ela vai se transformar em uma cidade boa de viver quando ela se transformar em uma cidade turística. Eu acho que a Bahia precisa viver do turismo. A gente ainda não vive do turismo.