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Entrevista

Carlos Costa Gomes, coordenador do Observatório da Segurança

Por Francis Juliano / Fotos: Jamile Amine

Carlos Costa Gomes, coordenador do Observatório da Segurança
Fotos: Jamile Amine | Bahia Notícias
Não é de agora que as cidades do interior baiano se queixam de insegurança. Crimes, assassinatos, explosões de banco, entre outras ocorrências, seguem em manchetes na imprensa regional e nacional, como no ataque a um banco no Conde, agreste baiano, em que bandidos fizeram pessoas como reféns. Para falar sobre o assunto, o Bahia Notícias conversou com o coordenador do Observatório da Segurança Pública da Bahia, Carlos Alberto da Costa Gomes. De acordo com o professor, “há descaso e falta gestão adequada” na distribuição do aparato policial. Na conversa, Costa Gomes, que atribui a maioria dos problemas ao Estado e não à corporação, falou sobre o caso do policial que matou um cachorro em Teixeira de Freitas e disse, "para chocar", ser favorável à redução da maioridade penal.  “Eu sou favorável à redução da maioridade penal e muito. Não é só para os 16 anos. Isso é até para chocar para que as pessoas pensem a respeito. O criminoso, quando é preso, não é para ser reeducado. Essa é a verdade”, declarou. Leia abaixo a entrevista na íntegra.
 
 
No interior as pessoas reclamam muito da falta de policiamento e da presença do estado nas cidades. Como o senhor avalia a segurança pública no interior baiano?
Olha, falta uma política pública específica dentro dos desdobramentos dos meios policiais. O que eu quero dizer com isso. As forças policiais da Bahia são distribuídas pelo território sem uma lei que regulamente essa distribuição. O estado de São Paulo já organizou a distribuição do efetivo com base em uma portaria que atribui para cada grupo de tantos mil habitantes, um policial. Isso de maneira simples. Só que em locais, como favelas, se colocava mais um policial, e isso homogeneizou a distribuição do efetivo policial. Uma vez homogeneizado o efetivo, é possível cobrar do profissional e saber se ele está trabalhando ou não. Porque que eu falo isso? Porque metade da força policial do estado está alojada na capital. A outra metade da polícia vai para quase os 11 milhões de habitantes do interior. Então, falta polícia no interior. A gente também tem estudos científicos que dizem que quando as cidades crescem, entrando na casa dos 20 e 30 mil habitantes, ocorre um descolamento da taxa de crime com a taxa de crescimento, e os crimes acabam aumentando mais. Eu posso dizer que há descaso, falta de gestão adequada, incúria.

É uma espécie de trabalho de “enxugar gelo”, ou seja, de trabalhar sem objetivo, sem resultado?
Isso ocorre porque os gestores ficam amarrados em laços políticos, em laços de amizade, em uma administração que não é profissional. Mesmo que o assunto da entrevista seja o interior, vou dar um exemplo da capital. No bairro da Barra, tem um policial para cada 200 habitantes, enquanto em Narandiba tem um policial para cada dois mil habitantes. Alguém pode me explicar isso? Por que alguém precisa de mais policiais do que outros?

No interior, mas não só, existe uma mentalidade de que o policial bom é aquele policial tipo “Capitão Nascimento” [personagem de Wagner Moura nos filmes Tropa de Elite 1 e 2, de José Padilha], que é duro, truculento, e “resolve”. Para dar um exemplo, a Caatinga [destacamento da PM baiana], que é conhecida pela dureza das ações, é louvada em muitos lugares. Porque que essa mentalidade ainda vigora?
Isso é resultado de uma desinformação. Nossa população é mal-formada na escola e depois, ela é mal-informada sobre as reais questões da sociedade. Então, se estabelece um pano de fundo em que a pessoa acredita que o bandido bom é o bandido morto. Nós não evoluímos. Nós temos cidades do interior em que o crime se instala com uma capacidade muito grande. Não é que o crime seja organizado, é o estado que não é organizado. Quem opta pelo crime geralmente são pessoas desprovidas de inteligência. Que não encontram uma maneira de se sustentar na vida e partem para uma coisa mais fácil de executar.
 

 
Como organizar a força policial?
Vou lhe dizer como funciona o policiamento francês. Lá, você anda em algumas partes da cidade e não encontra polícia. Porque algumas pessoas que são das guardas municipais percorrem as cidades e quando retornam ao aquartelamento, antes de dar bom dia aos outros, preenchem um relatório, em que têm que registrar o que viram na rua. Esse relatório possibilita ao administrador saber se a pessoa fez o policiamento ou não. Depois, se identifica as condições criminóginas. Na França, já se estabeleceu o parâmetro que se você tiver grupos de jovens de 13, 14 anos, na rua, em determinados horários, isso indica que ali pode haver alguma confusão. Se vai ter alguma confusão, essa informação vai para o banco de dados e é repassada pela polícia nacional que coloca o policial onde pode ocorrer o crime.

Quando questionado sobre a fragilidade da segurança no interior, o governador Rui Costa sempre responde com a afirmação de que é impossível colocar um policial em cada esquina. Não é por aí então?
O que é necessário de fato é ter um excelente serviço de recebimento e análise de informação para saber onde vai ser necessário fazer o policiamento.

Será que só uma espécie de revolução na nossa polícia vai ser capaz de fazer essas mudanças? Pelo menos, para mim e muitos, a impressão é que o trabalho fica concentrado na repressão pela repressão.
A nossa polícia começa com uma falha. Ela costuma fazer o policiamento repressivo e não o preventivo. Porque na rua ocorre uma gama muito grande de situações. Tem situações de crimes e situações de assistência social. O mendigo, a criança abandonada, são questões da assistência social, mas para a polícia, somente assalto à mão armada, tráfico de drogas, é crime

Quais seriam as medidas a serem feitas em curto prazo para se sentir uma melhora na segurança no interior baiano?
Primeiro, deveria haver um melhor entrosamento dos comandos do interior para prover cada localidade com a quantidade necessária de policiais para preservação mínima de segurança. A maioria das cidades que são invadidas por esses cangaceiros, como ocorreu no Conde [agreste baiano], tem entre duas e quatro pessoas no máximo no destacamento da polícia. Mas isso vai implicar na contratação de mais gente, e vão dizer que não existe dinheiro. Eu digo o seguinte: a única função do Estado é nos manter vivo. Tem que ter dinheiro para segurança, saúde e educação. O resto, a gente dá um jeito.
 

 

Na primeira metade do mês, um policial matou de forma banal um cachorro em um atrito de moradores em um condomínio em Teixeira de Freitas. Parece que há uma mentalidade de que o policial pode tudo. Essa visão é fruto desse ambiente militar?
Isso não é ambiente militar. É ambiente de anomia, de ausência de obediência às leis, de ética. A pessoa no momento em que saca uma arma e mata um animal que mijou no jardim, é óbvio que isso não é resultado de ordenação jurídica, é esculhambação total. A pessoa faz o que bem entende. Faz isso porque sabe que não será responsabilizado. Mas a grande pergunta que faço é a seguinte: onde estão os juízes e promotores distribuídos no estado? Eles estão lá? Porque sem justiça de que adianta a polícia cumprir a sua função. Por exemplo, o policial leva uma pessoa para a delegacia e não vai haver o processo legal. Primeiro, porque não tem delegado. Segundo, porque tendo delegado, não vai ter o promotor. Terceiro, porque tendo delegado e promotor, não vai ter juiz. Sendo que o processo pode demorar anos. Então, aquelas pessoas vão acabar resolvendo pelas vias de fato, e, ele, como ser inteligente (sic), vai acabar resolvendo de uma vez.
 
Outra questão são as corregedorias, que são criticadas por não serem punitivas e rigorosas com os policiais infratores. Parece que há uma leniência, uma frouxidão no combate às más ações da polícia. Como o senhor vê esse ponto?
Olha, o grande defeito das organizações é a leniência. É preciso se impor como honesto. Então, você aceitar que a pessoa receba suborno, cometa homicídio, e não tome nenhuma iniciativa, seja por conta de proteção pessoal, ou porque deve proteger o colega por ele ser policial, isso é leniência. Nas corporações, enquanto uma maioria trabalha racionalmente, com vontade de resolver, uma minoria destrói todo esse esforço.

A Bahia vive problemas em presídios, como nas unidades de custódia para menores infratores. Em Itabuna, ano passado, um juiz interditou a ala de jovens por afirmar que nem um animal merecia ficar no ambiente. Como o senhor tem acompanhado essa questão das unidades de menores e qual a sua opinião a respeito da maioridade penal?
Eu sou favorável à redução da maioridade penal e muito. Não é só para os 16 anos. Isso é até para chocar para que as pessoas pensem a respeito. O criminoso, quando é preso, não é para ser reeducado. Essa é a verdade. Ele é preso para ser retirado do meio da sociedade para que não faça mal às outras pessoas. Como efeito colateral, se ele se tornar uma pessoa boazinha, se aceitar Jesus, virar crente, ótimo. Mas o grande efeito é tirá-lo da sociedade. Essa é principal função da pena no mundo.  No Brasil, se inverteu isso. Se pensa que a pena é para educar a pessoa. Olha, o crime é sempre uma opção individual.
 

 
Mas as condições que o estado oferece à sociedade também não influenciam no número de crimes?
Lógico. Mas se você entrar em uma favela, você vai ver quantas pessoas passam dificuldades e todas elas acordam de madrugada, trabalham o dia inteiro para ganhar um salário mínimo, enquanto um, diz: “agora, eu vou vender droga porque a sociedade me oprime”. Ora, esse é um discurso bonito, mas na verdade, ele escolheu o crime. 

Como o seu argumento de redução da maioridade penal se diferencia do pensamento de uma ala conservadora que cobra um estado até assassino. Pessoas que acham que com a aplicação de penas duras às crianças, vão conseguir resolver o problema da violência. Me parece um posição simplista.
Olha, ninguém que defende a redução da maioridade penal pensa que vai resolver o problema da criminalidade. A não ser que seja um demagogo que queira voto. Porque a redução da maioridade penal vai tirar criminoso do convívio social. E é até para protegê-lo. Porque se ele fica solto, cometendo crime, uma hora vai ser morto. E a sociedade vai ficar também protegida. Eu me diferencio nessa discussão porque sou cientista, eu vejo lógica. Você tem de identificar de fato o problema. Quando se fala em maioridade penal, as pessoas dizem: “mas os presídio são as escolas do crime”. Calma. No site do Observatório da Segurança tem uma tabela de idade de responsabilização criminal dos países com mais de dez milhões de habitantes e considerados civilizados. Na maioria dos países a idade de responsabilização criminal é de sete anos, 12 anos. Só tem três países com idade de 18 anos. Brasil, Colômbia e Venezuela.

Agora, setores mais progressistas afirmam que só o cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) já seria efetivo na punição e proteção de crianças e adolescentes, o que evitaria a ida deles para presídios. Qual a sua opinião sobre isso?
Primeiro, se o presídio é ruim, vamos consertá-los. Em 98,7% dos crimes ocorridos, um criminoso fica solto para cometer outro delito. Aí, a pessoa fala que a penitenciária é a “escola do crime”. Escola para quem? Para 1,3%? Quando se prende uma pessoa não é para recuperar.
 

 
O senhor não acredita que as detenções também sirvam para recuperação?
Acredito, mas é outro problema. Na redução da maioridade, você prende a pessoa para ela não voltar a cometer crimes. Na França, a pessoa deve ser presa a partir dos 14 anos. Na Inglaterra, sete anos. Nos Estados Unidos, varia de 12 a 14 anos. Resolvido esse problema, que se construam fundações decentes. Porque o que estão fazendo com as crianças é colocá-las em cópias de presídios. Elas estão tendo direito a visitas sexuais, eles estão consumindo bebidas alcoólicas, fumando cigarro. O que é isso? É simplesmente um preparatório para a penitenciária.