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Carta aberta a Rodrigo Maia (quase isso) ou: Covid19, o mercado e a morte ou A fábrica falida de heróis

Carta aberta a Rodrigo Maia (quase isso) ou: Covid19, o mercado e a morte ou A fábrica falida de heróis
Foto: Divulgação

A aparente divergência que tem marcado as falas de alguns dos agentes centrais dos poderes políticos nacionais são, na verdade, apenas diferença de intensidade, a imensa maioria deles está a serviço do mesmo projeto: atender as reivindicações do mercado. As diferenças se operam no campo das estratégias. Um exemplo radical dessa similaridade está nas figuras de Bolsonaro e Rodrigo Maia. Enquanto o primeiro blasfema descontroladamente sobre o exagero da quarentena, defendendo que algumas milhares de mortes podem ser necessárias para evitar uma queda da economia nacional, que, diga-se de passagem, vem em franco declínio há pelo menos quatro anos; e de outro modo, o segundo, presidente da câmara, defende que a quarentena deve ser mantida, porém, investe no seguinte projeto para evitar a quebra econômica: corte dos salários dos servidores, adiantando a proposta da reforma administrativa.

 

Como podemos perceber, aquilo que parece completamente oposto: a defesa da quarentena ou seu cancelamento tem, no fundo, apenas uma diferença estratégica de combate à crise econômica intensificada pela pandemia. Todos sabem que o espalhamento da doença e o possível e provável colapso do sistema de saúde levaria, em termos econômicos, um prejuízo que não pode ainda ser mensurado, já que nenhum país arriscou esse crime. Nesse sentido, o Estado tem arcado sozinho com todo custo e gasto da pandemia, e tão logo ela passe, os grandes empresários poderão seguir de onde pararam. O que os grandes empresários veem chamando de “prejuízo” é, na verdade, a impossibilidade de manterem seus lucros sendo produzidos na velocidade habitual.

 

É nesse sentido que podemos ratificar a similaridade entre as duas propostas: enquanto Bolsonaro defende que o mercado seja protegido de forma direta, sustentado por algumas mil de mortes, Rodrigo Maia propõe dividir as despesas do Estado com o funcionalismo público, mantendo intocados os grandes empresários e, sobretudo, intactas as grandes fortunas, e ainda, silenciando completamente sobre a cobrança dos bilhões em dívidas fiscais que as grandes empresas têm com a sociedade brasileira. Tanto um quanto outro estão protegendo seus clientes diletos: os grandes empresários e as famílias bilionárias do Brasil.

 

A proposta de Rodrigo Maia, de cortar salários do servidor público, tem dois grandes erros, que julgamos impossíveis não terem sido considerados pela sua equipe (o primeiro já sinalizamos): a) você vai exigir de quem ganha um salário mediano uma contribuição econômica para a crise, enquanto os ricos e as empresas milionárias são beneficiados com uma série de medidas protetivas, e as grandes fortunas continuam guardadinhas nas caixas de ouro das famílias coloniais; b) segundo e dramático dado: o presidente da Câmara desconhece, negligencia ou faz vista grossa para o fato de que o corte do salário – desse grupo que Lima Barreto chamou “a classe média dos subúrbios” – levará a uma quebra, uma interrupção do fluxo de circulação do dinheiro nesses territórios, pois qualquer pessoa com o mínimo convívio com o povo, sabe que o funcionário público tem um papel econômico fundamental no ceio da população de baixa renda. Por exemplo: é dele o carro que o irmão roda Uber, é dele o filho que sustenta o colégio do bairro, é na casa dele que a diarista consegue o sustento da família, é em sua obra que o pedreiro ganha o sustento; é ele quem compra o material escolar do sobrinho. O servidor que ingressou no serviço público nos últimos 15 anos é também negro, periférico, e sua emergência econômica agencia uma rede de sustento na família e no bairro. Não é possível que os políticos não saibam disso. 

 

A partir desse entendimento, reduzir de forma considerável a renda dos servidores públicos, além do que já foi feito com a instrução normativa nº28/2020, para isentar os grandes empresários de participar na luta contra a Covid19, e em um momento como esse, de crise nos bairros pobres, onde as diaristas, os uber´s, os ambulantes e demais trabalhadores informais têm sua renda reduzida a quase zero, é um crime, e terá como consequência uma intensificação da precariedade econômica nesses territórios.

 

A proposta de redução direcionada a quem recebe salários astronômicos como políticos e a quem agrega grandes fortunas faz todo sentido, mas cortar de quem detém renda bruta, a partir de cinco mil reais, é intensificar a crise e cortar os circuitos de circulação do dinheiro, produzindo não sua contenção, mas sua intensificação. Logo depois, esses mesmos servidores públicos receberão centenas de ligações dos bancos milionários oferecendo empréstimos para passar a crise, e assim o lucro das grandes empresas é protegido pelo Estado brasileiro, último refúgio do neoliberalismo tacanho. Essa escolha se justifica apenas se Rodrigo Maia estiver se aproveitando de um momento transtornador como esse para implementar, à revelia, e de forma abrupta, uma das partes mais controversas da reforma administrativa, que é a abertura jurídica para o corte dos 25% do salário do servidor público.

 

Não é necessário ser nenhum expert em economia para saber que crescimento econômico corresponde a dinheiro circulando, nesse sentido, Ciro Gomes gravou, essa semana, um vídeo esclarecedor no qual aponta medidas importantes a serem tomadas no combate à crise do Covid19. Mas ele não faz parte do governo, e isso é sintomático, pois, todas as propostas importantes têm vindo de fora dos líderes de Estado, que parece estar concentrado em manter os prejuízos de morte e mercado concentrados na classe média e pobre do Brasil. Por isso, o STF se cala diante da liberação das aglomerações em igrejas, para proteger o lucro dos financiadores de campanha; por isso, o fundo partidário para 2022 se mantém intocado, guardando bilhões para os políticos se reelegerem; por isso, o congresso autoriza perdão de bilhões em dívidas fiscais nos últimos anos e mesmo agora, na crise, isenta as empresas e patrões de responsabilidade, enquanto os milhões, bilhões e trilhões do mercado são protegidos em nome da morte do povo brasileiro. Nesse contexto, o funcionário público é chamado a repartir sua renda, não com o povo como quer fazer parecer ‘vossa excelência’ Rodrigo Maia, mas com os grandes empresários do Brasil, e por conseguinte, é claro, com o grupo político que os protege.

 

*Jorge Augusto é poeta e doutorando em Literatura e Crítica da Cultura

 

* Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias