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Será que Regina Duarte se apaixonou por Bolsonaro?, pergunta Daniel Filho

Por Laura Mattos | Folhapress

Será que Regina Duarte se apaixonou por Bolsonaro?, pergunta Daniel Filho
Foto: Montagem / TV Globo / Reprodução

É com um semblante de tristeza, angústia e preocupação que o diretor Daniel Filho, 82, entra no Zoom para dar esta entrevista sobre Regina Duarte, 73. A relação dos dois soma 55 anos, e ele se mostra pasmo com a guinada bolsonarista da ex-mulher, amiga e parceira profissional.

Desde a polêmica entrevista que a atriz e secretária de Cultura de Bolsonaro deu à CNN menosprezando as mortes e a tortura na ditadura militar (relembre aqui e aqui), Filho procura artistas que também a conhecem para tentar entender o que aconteceu. Nesta conversa, direto de seu confinamento no Rio de Janeiro, falou por uma hora e meia sobre o relacionamento de mais de cinco décadas com a atriz e por muitas vezes repetiu "eu não entendo".

Suspeitou de problemas psicológicos, dupla personalidade, até a possibilidade de ela estar apaixonada, quem sabe pelo próprio presidente. Aventou as hipóteses sem ironia ou agressividade, mas em tom de perplexidade e decepção. Disse que pensou em ligar para ela, mas desistiu, acha que não a influenciaria. "Quando ela põe uma coisa na cabeça, ela põe uma coisa na cabeça."

Os dois foram casados no final da década de 1970, mas a relação profissional começou bem antes, em 1965, quando fizeram um par romântico na novela "A Grande Viagem", na Excelsior. Na Globo, ele foi um dos mentores da teledramaturgia nacional e ela, uma de suas protagonistas. Estiveram juntos desde os primeiros papéis da atriz, de mocinhas doces e ingênuas, que renderam a Regina o apelido de namoradinha do Brasil, até a guinada para a mulher feminista que a atriz interpretou no seriado "Malu Mulher", de 1979, criação de Filho, a consagração dela como Viúva Porcina em "Roque Santeiro", de 1985, e na minissérie "Chiquinha Gonzaga", de 1999, em que se mostrava identificada com a luta da protagonista contra o conservadorismo.

Filho lembra passagens curiosas dessa parceria, como a viagem para gravar cenas da novela "Carinhoso", de 1973, em Nova York. Na época, o filme pornográfico era a grande novidade e Regina pediu ajuda de Filho para driblar a resistência do primeiro marido para que pudesse ver. Outra lembrança é quando estiveram em Cuba, em 1984, a convite do governo, em razão do sucesso de "Malu Mulher" no país, e jantaram com Fidel Castro.

Nem essa ironia na biografia da atriz o fez rir. "Só dei esta entrevista para você escrever 'Daniel não está entendendo o que está acontecendo com a Regina, só sabe que ela está totalmente errada'."

MOCINHA E GALÃ
Tenho uma convivência longínqua com a Regina, talvez seja a atriz com quem eu mais trabalhei, seja como produtor, diretor ou como ator. Na segunda novela da Regina, "A Grande Viagem" [1965/1966, TV Excelsior], fiz o galã dela. Foi quando a conheci, ela era menina [18 anos]. Sempre foi de uma fantástica fotogenia, a câmera a adorava. E tinha um sorriso maravilhoso.

Quando a gente gravava o capítulo, tinha que gravar direto, até o intervalo comercial, não tinha edição. E, quando ela esquecia o texto, ficava com aquele sorriso absolutamente lindo, você ficava com aquela cara de otário, tentando lembrar o texto. A gente se divertia. A Regina era muito jovem, ia às gravações acompanhada de alguém da família.

Depois, volto a vê-la quando ela vem trabalhar na TV Globo e entra na novela, dirigida por mim, "Véu de Noiva" [1969, de Janete Clair]. Já era uma atriz excelente. Estava no início do casamento com o Marcos [Flávio Cunha Franco], que, se não me engano, estudava contabilidade e era uma pessoa muito fechada. Depois, também dirigidas por mim, ela fez as novelas "Irmão Coragem" [de Janete Clair, 1970] e "Carinhoso" [de Lauro César Muniz, 1973].

FILME PORNÔ
Fomos a Nova York gravar a abertura e cenas de "Carinhoso". O ator Herval Rossano [1935-2007] foi junto. Naquela época, estavam estourando os filmes pornográficos, havia fila na rua. E eu fui ver. Era sui generis, a gente entrava na fila, casais, senhores, e íamos ver aquele filme horroroso, mas era uma liberdade. Eu me lembro de a Regina ter pedido para mim e para o Herval ver como ela fazia para assistir, porque o Marcos [marido da atriz] não queria, mas ela estava com muita curiosidade.

AMIGOS DE ESQUERDA
A Regina teve um impacto na TV, o rosto dela, a interpretação, era excepcionalmente bela e fazia ótima representação, porque tem uma base teatral. Trabalhou com o Antunes [Filho, diretor teatral, 1929-2019], era uma menina com muita vontade de fazer bem teatro, amando a profissão de representar, apesar de viver nesse início um conflito familiar com o marido, que mantinha distância do trabalho dela.

Eu não sei se ela era de direita ou de esquerda nesse começo, porque vivíamos sob uma tremenda ditadura. Era tão complexo que me lembro de ter ido ver, nos Estados Unidos, o filme do Costa-Gravas ["Estado de Sítio", 1972] que tem a bandeira brasileira em uma cena de tortura, e de ter saído do cinema com medo de alguém ter me visto lá. E tudo isso era conversado entre nós, artistas.

Vários amigos nossos eram de esquerda. O Cláudio Marzo [1940-2015], que formou uma boa dupla com ela [fez par romântico com Regina nas três primeiras novelas da Globo] era extremamente de esquerda. Era difícil na época alguém que estivesse apoiando a ditadura [no nosso meio]. Tinha muita gente que trabalhava conosco e sofria com a ditadura. Por exemplo, o [ator Carlos] Vereza [militante do Partido Comunista], que fez com a Regina a novela "Selva de Pedra" [1972, de Janete Clair, direção de Daniel Filho].

NAMORADINHA
Senti que a Regina tinha um poder grande, e eu estava criando aquela fábrica de novelas da Globo. Também sou um dos responsáveis por dar o nome de "Minha Doce Namorada" [1971, de Vicente Sesso] à novela protagonizada pela Regina que deu a ela o apelido de namoradinha do Brasil. E ela assumiu isso.

Essas novelas eram ingênuas, não eram politizadas. Mas eram todas censuradas, todos nós conversávamos sobre isso, sobre o que estávamos sofrendo com a ditadura, de como era pesado. Não me lembro de ela não concordar com isso. Mas ela tinha uma vida obedecendo o Marcos, levada pelo casamento, não era simples para ela essa dualidade com o marido, que queria ficar em Campinas, em São Paulo. E ela ficou grávida muito cedo.

CONTRA A CENSURA
Em 1975 [ano em que se separou do primeiro marido e decidiu atuar no teatro para romper com os papéis de namoradinha], ela participou da comitiva contra a censura de "Roque Santeiro". Não estava no elenco, mas foi apoiar. Estava sempre sofrendo com a censura, apoiando [a luta pela liberdade de expressão] e lamentando quando colegas eram presos, morriam. Não era uma pessoa que tomava a frente [da oposição], mas nos apoiava com segurança, tanto que foi ao protesto contra o Geisel.

Sem dúvida nenhuma, ela foi mudando conforme foi fazendo trabalhos socializados. Quando comecei a planejar o "Malu Mulher", pensei que seria bom para a Regina e bom para o seriado que ela fizesse o papel. Ter a namoradinha do Brasil como desquitada faria com que o público aceitasse melhor a personagem. Nesse período, nos aproximamos afetivamente.

Sempre conversamos que Malu foi um cupido para a nossa relação. Armamos um grupo para discutir a personagem, e a Regina trouxe uma amiga, a Ruth Cardoso [1930-2008]. Tanto que a Malu é socióloga por causa da Ruth Cardoso. Aí eu e Regina vivemos uma relação de afeto e paixão. Nossa relação era muito boa, confiava muito nela como atriz, e não vi nenhuma atitude de apoiar a direita. E, no período em que estivemos juntos, ela era longe de conservadora. Tivemos uma vida bem alegre.

VIAGEM A CUBA
Nós fomos para Cuba juntos [em 1984]. Fomos convidados pelo governo cubano e, em Havana, a Regina fez um desfile em carro aberto, sob aplausos. Fizemos um show no teatro Karl Marx, ela leu poemas de Adélia Prado, poemas revolucionários, e juntos fomos apresentados como pais de "Malu Mulher".

Recebemos a informação de que o Fidel Castro estava nos esperando para jantar. A Regina estava com a família, o marido dela, na época o Del Rangel, a mãe e os filhos. Eu me lembro de eu e ela irmos andando nos corredores do prédio do Partido, emocionados porque seríamos recebidos pelo Fidel. Ele abriu a porta e nos recebeu, ficamos três horas conversando, jantando e estávamos todos quase aos prantos, emocionados. A despeito de tudo o que a gente possa discutir, Fidel Castro é uma das grandes figuras do século 20.

Foi uma viagem em que o governo convidou a Regina e depois me convidou. Colegas nossos, um deles o Chico Buarque, estavam preocupados com o que a Regina diria em Cuba, e tivemos um jantar em que me aconselharam a prestar a atenção nisso. Eles não a conheciam, estavam preocupados com aquela imagem da namoradinha do Brasil, achavam que ela não fosse politizada.

MEDO E SUSTO
O primeiro susto que tomei com a Regina foi na declaração de que ela tinha medo do Lula [campanha de José Serra à Presidência em 2002]. Mais do que a declaração, que podia ter sido "não concordo com o Lula", o que me deixou impactado foi a forma. Era uma coisa raivosa, estranha, não sei dizer se ela foi usada, se os usou.

Mais recentemente, já tinha achado estranho quando ela foi varrer a rua com o Doria [ao assumir como prefeito de São Paulo, em 2017, João Doria se vestiu de gari e varreu ruas em uma ação de marketing do programa Cidade Limpa]. Mas estou aqui falando com você porque não entendi que pessoa era aquela da entrevista da CNN. Comentei com amigos próximo para ver se alguém conseguiu entender. Dizer simplesmente "enlouqueceu", "ficou maluca", acho estranho.

A pessoa disse "tenho medo do Lula" e acho que aquilo cresceu. É absolutamente incompreensível, inclusive ela não estar realmente pensando nos colegas, na falta de trabalho que estamos tendo, nos teatros fechados, falando como se não estivesse acontecendo nada no Brasil, como se não houvesse uma pandemia no mundo, como se o Brasil não estivesse sendo realmente depredado pela devastação das nossas florestas. Os indígenas podem todos sumir. Toda a nossa cultura.

E a Regina quando assumiu [o cargo no governo], sumiu. Pensei: "Será que ela se arrependeu?". Pensei que alguém pudesse ter chamado a atenção dela. A família dela tinha pessoas de esquerda. Eu não entendo como surgiu isso, esse é meu espanto. Tenho ouvido que o André [Duarte, filho mais velho da atriz] é mais ligado ao Bolsonaro. Mas só por um filho ser ligado não quer dizer que você... Ao contrário, aconselhe o filho de que não está certo. Eu não entendo.

SAPOS E NAMORADINHO
Poderia falar longamente sobre o discurso que ela fez [quando assumiu o cargo], sobre a ausência dela, sobre o fato de ter aceitado o secretariado, em vez de Ministério da Cultura. Só aí já aceita a diminuição da categoria da cultura. Está engolindo sapos. Pessoas que ela disse que não queria estão sendo colocados na secretaria pela goela dela, e ela engole. Eu não reconheço a Regina nessa pessoa. A Regina não engolia a coisa da qual ela não gostava. Ou sou cego ou estou vendo uma coisa de dupla personalidade, que eu não conhecia e que surgiu. Aquela pessoa que falou na entrevista da CNN é assustadora para mim, parece um filme. Eu é que sou o namoradinho do Brasil. Como eu não vi isso?

FRACASSO DE PÚBLICO E CRÍTICA
Fico pensando... posso estar falando bobagem, mas, para a gente, com a idade, vêm depressão, problemas, e passamos a tomar remédios. E, se não tiver um bom analista, um bom psiquiatra dando remédios corretos, pode ser que a gente se perca. Não consigo entender como a Regina não vê isso. Pediria que largasse esse cargo porque não deu certo, é uma peça que não foi bem de público e de crítica. É melhor fechar o pano para o prejuízo ser o menor possível, apesar de que já deu grande prejuízo.

POR QUE NÃO LIGUEI PARA ELA?
Cheguei a me perguntar: "Por que eu não liguei para a Regina?" Diante do que aconteceu e conhecendo tanto ela... É porque a conheço também para saber que, quando ela põe uma coisa na cabeça, ela põe uma coisa na cabeça, e não há maneira de tirar. "Não vai adiantar telefonar", pensei. E em toda a vida eu nunca liguei para ela para dar opinião em algo que ela não pediu. Ela fez várias coisas que não achei boas, mas tem idade e conhecimento para tomar suas posições. Então, apesar de termos trabalhado tantos anos juntos e de ela própria considerar que eu sou uma das pessoas mais importantes na vida dela, pelo menos artisticamente, não senti que deveria ligar. Mas não imaginei que o estrago fosse ser tão grande.

GOVERNO FASCISTA
Resolvi falar nesta entrevista para dizer que, sim, acho que a Regina arrebentou [com a sua história]. Não, não vai arrebentar sua história porque está gravada. Como vários atores franceses que apoiaram nazistas, alguns se apaixonaram [por nazistas]. Não sei se a Regina está apaixonada por alguém dessa direita absurda. Isso não é nem direita, é uma coisa fora de propósito. Não sei se tem alguma coisa a mais [acontecendo com a Regina] que eu desconheça.

E não acho que ela esteja na direita, chamar o governo Bolsonaro de direita é um elogio. Estamos diante de um nazista, de um governo fascista, que está liquidando com os pobres e velhos. É um governo totalmente absurdo. Acho que ela não está tendo ideia. Não sei o que dará de resposta, como vai continuar nessa posição desnecessária na vida dela, na medida que não há nada que possa fazer pela cultura. Será que não viu como estamos parados há dois anos na cultura?

Antes mesmo da pandemia, já estava um desacerto. A Ancine fechada, e todo mundo dessa turma dela dizendo que nós artistas estamos roubando. Como ela, que luta no teatro para fazer peças dela, que fez peças no Banco do Brasil, que faz filme, televisão, não vê os colegas morrendo? Na minha concepção, alguma coisa está acontecendo pessoalmente com ela, porque [essa atitude] não corresponde a ela.

A tirada do fone do ouvido para não ouvir o que a Maitê falava [na entrevista da CNN], não consigo entender. Só dei essa entrevista para dizer: "Daniel não consegue entender o que está acontecendo, só sabe que ela está absolutamente errada".

PAIXÃO POR BOLSONARO
Estamos vivendo em um momento em que temos que falar. Não é o momento de ficar em cima do muro. Mas não adianta eu sair jogando pedra, quero ver se consigo ser construtivo. Quando assinei o manifesto [de repúdio às declarações da Regina], entendi que não deveria ficar calado. Fiz muitos anos de análise, mas não consigo entender o que está acontecendo com ela.

Eu a considero a namoradinha do Bolsonaro hoje. Será que ela se apaixonou pelo Bolsonaro? Estamos todos preocupados e lamentando o que a Regina está fazendo. Será que ela realmente acha que o Brasil vai melhorar com o Bolsonaro? Essa pandemia, então, arrebenta tudo, e ela se une a um assassino. Que é tão perigoso quanto foi a ditadura.