TCU decide avisar governo Lula que seguir piso da meta fiscal é arriscado, mas não ilegal
Por Idiana Tomazelli | Folhapress
O plenário do TCU (Tribunal de Contas da União) decidiu nesta quarta-feira (3) avisar ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que perseguir o piso inferior da meta de resultado primário, em vez do centro, é arriscado, mas não ilegal.
Parte dos ministros -incluindo o relator, Benjamin Zymler, e o revisor, Jorge Oliveira- reconheceu que a decisão do Congresso Nacional de mudar a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2025 fez com que o processo em discussão perdesse o objeto. No fim de outubro, o Legislativo autorizou expressamente o governo a seguir o piso da meta neste ano.
O ministro Bruno Dantas, por sua vez, defendeu a tese de que, independentemente da votação no Congresso, a lei do arcabouço fiscal considera a meta fiscal cumprida quando a previsão de resultado primário fica dentro da margem de tolerância. Na visão dele, não haveria fundamentação jurídica para fazer contenções de despesa com base no alvo central fixado pelo Executivo.
O TCU já havia dispensado o governo de fazer mudanças em sua estratégia fiscal para 2025, dada a proximidade do fim do ano e a impossibilidade prática de congelar um alto volume de despesas, mas a decisão desta quarta consolida esse entendimento e dá mais segurança ao governo na gestão das contas.
A meta fiscal deste ano é de déficit zero, mas a margem de tolerância prevista na lei do arcabouço fiscal permite um resultado negativo de até R$ 31 bilhões.
No fim de setembro, o plenário da corte de contas decidiu avisar o governo que perseguir o piso era uma irregularidade e estava em desacordo com as regras estipuladas na legislação. Esse entendimento inicial do TCU teve como fundamento a redação da LDO de 2025.
Numa tentativa de dissipar questionamentos que se acumulavam desde 2024 sobre qual valor de meta perseguir, a equipe econômica tentou emplacar no projeto de LDO de 2025 um artigo que explicitava o piso inferior da meta como referência para adotar ou não um contingenciamento de despesas. A manobra, no entanto, deu errado: o Congresso não só rejeitou o trecho como decidiu também explicitar que a referência deve ser o centro da meta.
Com base nessa redação, o TCU obteve a fundamentação legal de que precisava para decidir sobre o tema e tentar obrigar o governo a apertar o controle sobre as contas. Em 2024, ano em que a redação da LDO era bem mais vaga, a corte de contas acabou não se manifestando sobre a questão numa consulta feita pelo próprio governo.
O governo recorreu da decisão no tribunal e, em paralelo, articulou a mudança no texto da LDO deste ano. O Executivo também já se movimenta para manter, em 2026, a mesma redação que permita o piso da meta como norte das decisões de contenção de gastos. Sem essa segurança, o governo Lula poderia precisar congelar um volume maior de despesas em pleno ano eleitoral.
Apesar da posição final do tribunal, ministros argumentaram que o governo adotou práticas irregulares ao mirar o piso da meta enquanto a LDO mantinha seu texto original.
"Houve descumprimento legal com a utilização do limite inferior da meta para decidir o contingenciamento quando a LDO então vigente deixava claro que o parâmetro era o centro da meta", disse Oliveira, para quem o ato do governo foi incompatível com regime jurídico fiscal vigente.
Segundo ele, no segundo bimestre, o contingenciamento deveria ter sido de R$ 51,7 bilhões, ou R$ 31 bilhões maior do que o efetivamente implementado pelo Executivo. O contingenciamento é o instrumento usado para segurar gastos quando há frustração na arrecadação e ameaça ao cumprimento da meta.
O ministro ainda lembrou que a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) teve as contas reprovadas pelo TCU após praticar irregularidades que ele considerou semelhantes ao ocorrido na atual gestão. Naquela ocasião, o governo Dilma usou como referência metas previstas em projetos de lei, mas ainda não chanceladas pelo Congresso.
"A banda de tolerância não foi concebida para servir como meta alternativa ao longo do ano", disse Oliveira.
Zymler, por sua vez, ressaltou que a alteração na LDO passou a permitir o limite inferior da meta fiscal como parâmetro para as decisões do Executivo. "Portanto, o próprio ministro Jorge Oliveira considera que houve certa perda de objeto [do processo]", afirmou. Mas ele ressaltou que, embora do ponto de vista legal e jurídico não haja mais impasse, do ponto de vista econômico perseguir o piso da meta é negativo para a trajetória da dívida pública.
O ministro Walton Alencar citou a decisão do Congresso em tom crítico. "Me causa certo estupor. O Congresso vota, aprova o centro, o governo faz toda a força para que se adote o piso, o Congresso rejeita, o governo desobedece e atua como se fosse o piso da meta a regra, e agora o governo é premiado com a revisão [da LDO]", afirmou.
O ministro Bruno Dantas divergiu das avaliações de seus pares, embora o plenário tenha aprovado a mensagem ao governo de forma unânime.
Para ele, a lei do arcabouço fiscal permite ao governo perseguir o centro da meta, o que não pode ser alterado por uma lei ordinária como a LDO, inferior na hierarquia das leis brasileiras.
"Não se trata, portanto, de negar que o centro da meta funcione como âncora de credibilidade. Trata-se de afirmar que a limitação de empenho é mecanismo excepcional que interfere diretamente no dever constitucional de execução, e, como tal, deve operar estritamente dentro do gatilho legalmente fixado, sem criação de hipóteses adicionais de compressão do orçamento", afirmou em seu voto.
"Em matéria fiscal, a experiência institucional demonstra que a fronteira entre 'risco elevado' e 'descumprimento deve ser tratada com técnica e parcimônia, justamente para evitar que o controle produza incerteza operacional ou 'paralisia decisória' em plena execução orçamentária", afirmou.
O presidente do TCU, ministro Vital do Rêgo, disse que o tema "é preocupante" e que a corte de contas "está se posicionando claramente sobre o assunto".
