Governo redesenha marco ferroviário e impõe novas regras para autorizações privadas
Por André Borges | Folhapress
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fechou um pacote de regras ferroviárias que compõem o novo marco regulatório do setor. Ele passará a disciplinar concessões antigas e novas, além das autorizações ferroviárias, modelo em que empresas privadas podem construir e operar essas malhas.
A reportagem teve acesso a detalhes da resolução que pretende fechar lacunas, acabar com sobreposições e eliminar incertezas que recaem sobre a lei da ferrovias, editada em 2021.
As autorizações ferroviárias ganharão um processo mais técnico para serem requeridas pelas empresas. A companhia que quiser construir uma ferrovia em determinado local será obrigada a apresentar um EVTEA (Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental) completo de seu projeto.
Esse relatório exige que a empresa possua um mínimo de dados formais sobre o traçado, o que inclui informações básicas como estudos de demanda, estimativas de custos, destinos alternativos, impacto socioeconômico e riscos ambientais.
Na prática, é uma forma de qualificar as propostas e evitar o empilhamento de ferrovias de papel na ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), como ocorreu desde que a lei foi editada.
A agência recebeu 108 pedidos de autorizações ferroviárias desde a aprovação da lei de 2021, mas a maioria das propostas ficou parada. Pouco mais de 40 projetos chegaram a receber o direito de outorga, mas nada se converteu em obra até o momento.
O novo marco regulatório define que essas autorizações terão prazos que poderão variar entre 25 e 99 anos, conforme cada caso, com a possibilidade de haver prorrogação.
Ficou decidido, também, que as autorizações não se limitarão a trechos novos requeridos por empresas. Ferrovias ociosas ou abandonadas poderão, agora, ser destinadas ao investidor privado, por meio desse regime de autorização.
A resolução passa a prever formalmente o conceito de trecho ocioso, com definição regulatória clara e efeitos práticos imediatos. Pela nova norma, um segmento da malha concedida pode ser classificado como ocioso quando houver bens reversíveis (bens da União) não explorados, ausência de operação comercial ou descumprimento prolongado de metas mínimas de desempenho.
A classificação inédita nesse nível de detalhamento cria um novo instrumento de fiscalização do uso efetivo da malha concedida e permite que a agência identifique com mais precisão as áreas subutilizadas dentro das concessões.
Uma vez declarada a ociosidade, a ANTT tem a prerrogativa de destinar esse trecho a outros operadores, por meio de autorização.
Em vez de passar por processos de relicitação mais complexos, a agência poderá realizar chamamentos públicos para investidores. Também terá a prerrogativa de fazer a autorização imediata ou, caso haja propostas concorrentes, pedir estudos adicionais, ajustes de traçado ou impor a cobrança de uma outorga —ou seja, um pagamento à União, além da reativação daquela malha.
A resolução também passa a permitir a autorregulação ferroviária. O texto autoriza que o setor organize uma entidade autorreguladora, com participação das empresas, mas sob supervisão da ANTT, que seja responsável por estabelecer padrões técnicos, operacionais e de uso da malha.
É algo que já acontece em outros mercados, como o setor elétrico, que é fiscalizado pela Aneel (Agência de Energia Elétrica), mas conta com a atuação da CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica).
Com essa mudança, o que se busca é acelerar a definição de parâmetros, como especificações de via, requisitos de segurança e padrões de manutenção, sem depender de resoluções detalhadas da ANTT para cada atualização desses assuntos.
Na área administrativa, o marco regulatório cria regras mais claras para a gestão de contratos, definindo o que pode ser ajustado de forma simplificada e o que exige análise mais profunda, com a criação de aditivos.
Pedidos de autorização já apresentados à agência não serão descartados, mas deverão ser complementados para se adequar ao novo padrão. Depois de ajustados, passam automaticamente a ser avaliados conforme a nova regulação.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, uma costura financeira realizada pelo Ministério dos Transportes no processo de renovação de concessões ferroviárias vai permitir que o atual governo viabilize a sua primeira concessão de um trecho feito do zero, sem precisar fazer um aporte público direto com recursos da União —mas sim com acordos da ordem de R$ 4,1 bilhões firmados com companhias que já atuam no setor.
A construção da nova ferrovia EF-118, malha planejada para ter 577 km de extensão e que ligará o Espírito Santo ao Rio de Janeiro, vai ser lastreada nos repasses financeiros feitos por três concessões ferroviárias que já tiveram seus contratos de concessão atuais renovados antecipadamente pelo governo: a MRS Logística, a Rumo Malha Paulista e a Vale, por meio da EFVM (Estrada de Ferro Vitória a Minas).
