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Notícia

Crianças expostas a corpos: massacre no Rio traz "dano psicológico profundo"

Por Manuela Rached Pereira | Folhapress

Crianças expostas a corpos: massacre no Rio traz "dano psicológico profundo"
Foto: Tomaz Silva / Agência Brasil

A megaoperação policial nos complexos da Penha e do Alemão, na zona norte do Rio, que deixou ao menos 121 mortos e se tornou a mais letal do país, expôs o que os especialistas descrevem como "um retrato brutal do colapso do Estado", que terão "impacto inimaginável" em moradores e, especialmente, crianças das comunidades.
 

O QUE ACONTECEU
 

Sem presença policial, perícia ou isolamento da área, moradores recolheram cerca de 70 corpos encontrados na Mata da Vacaria, entre a Penha e o Alemão, após a operação. Por volta das 3h da manhã do dia seguinte à operação, os cadáveres começaram a ser alinhados na Praça São Lucas, na Penha. Somente às 10h, o Bope chegou ao local e um rabecão dos Bombeiros iniciou a remoção oficial. A Polícia do Rio alega que não retirou os corpos da mata porque, inicialmente, "não sabia da existência" deles.
 

Crianças estiveram em veículo que resgatou parte dos corpos. Em imagens registradas pelo UOL, elas aparecem com luvas cirúrgicas em cima de uma caminhonete usada para transportar os mortos até a praça.
 

"É muito choro, muito grito. Acabei de ver uma mãe identificando o seu filho, filhos identificando seus pais. Tá muito sinistro, o cheiro podre de pessoas mortas, o grito, o choro (...)".disse.Raul Santiago, comunicador que esteve no local.
 

Ouvidora diz que impacto na vida dos moradores, especialmente crianças, será "inimaginável". Fabiana Silva, da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, esteve nas comunidades e presenciou o resgate dos corpos. "Todos muito traumatizados e em choque", relatou. "Infelizmente, haverá, ao meu ver, uma apatia pós-traumática."
 

"Essas cenas foram as mais difíceis que eu já vi na minha vida. Estamos falando de crianças e adolescentes que tiveram um contato muito direto com uma violência inimaginável para qualquer pessoa. Agora, imagine para sujeitos em formação? O impacto disso é inimaginável, em um grau que a gente vai colher os resultados só a longo prazo. Falhamos, e muito, enquanto sociedade", disse Fabiana Silva, ouvidora da Defensoria Pública do RJ.
 

Produção de imagens por moradores é "estratégia de sobrevivência" e operação terá impacto "devastador" sobre comunidades. A avaliação é da especialista em segurança pública Natália Pollachi, do Instituto Sou da Paz. Para ela, assim como ocorreu nos episódios conhecidos como massacre do Carandiru e da Candelária, registrar o que acontece é uma estratégia adotada pela população local de "provar fatos e pedir socorro". Ela ressalta que operações policiais precisam priorizar a segurança da população local e o acolhimento às comunidades afetadas.
 

"Para além das mortes, o que já é terrível, havia um clima de terror: pessoas impedidas de trabalhar, de ir à escola, à faculdade, de receber atendimento de saúde, trancadas em casa tentando se proteger. O dano psicológico é muito profundo nessas populações", disse Natália Pollachi, do Instituto Sou da Paz.
 

MORADORES E CRIANÇAS ASSUMEM TAREFAS DO ESTADO
 

"Trabalho de lidar com a morte recaiu sobre quem deveria ser protegido", diz Cecília Oliveira, do Instituto Fogo Cruzado. Para ela, as imagens de crianças ajudando a transportar corpos expressam a "naturalização da barbárie" nas favelas do Rio.
 

"Quando jovens assumem este papel, fica evidente que o Estado não apenas se ausentou, mas transferiu às vítimas a responsabilidade pela própria sobrevivência. É a imagem perfeita da exceção transformada em rotina, em um país que naturalizou que seus filhos cresçam convivendo com massacres e pilhas de corpos", disse Cecília Oliveira, do Instituto Fogo Cruzado.
 

Coronel da reserva vê o resgate dos corpos por moradores como "enorme problema embaraçoso para o governo do Rio". Ao UOL, José Vicente da Silva Filho, ex-secretário Nacional de Segurança Pública, avaliou ser "impossível que a polícia não soubesse que havia uma quantidade imensa de corpos na mata" onde os mortos foram encontrados.
 

"A população foi resgatar e entregou ali na praça pública para mostrar a ineficiência e o descuido consciente da polícia", diz José Vicente da Silva Filho.
 

O QUE DIZ O GOVERNO DO RIO
 

Secretário de Segurança do Rio afirmou que tiroteio foi deslocado para mata para "preservar a vida dos moradores". Em coletiva de imprensa durante a semana, Victor Santos afirmou que o deslocamento ocorreu para "preservar a vida dos moradores e evitar o dano colateral". E acrescentou: "Tivemos um dano colateral baixo, quatro inocentes [policiais] foram baleados e mortos".
 

Governador Cláudio Castro (PL) disse que eventuais erros na operação são "irrisórios". Segundo ele, todos os mortos na mata eram criminosos. "O conflito foi todo na mata, não creio que tivesse alguém passeando em dia de confronto. Podemos tranquilamente classificar [os mortos] como criminosos. De vítimas nesta sexta-feira (31), só tivemos os policiais", afirmou.
 

Ouvidoria da Defensoria Pública do Rio documentou relatos de abusos cometidos por policiais na comunidade. O documento, obtido pelo UOL, reúne, entre outras denúncias, relatos sobre agressão contra mulher grávida e tiros de arma de fogo disparados de forma "indiscriminada" na direção de casas de moradores. Procurada, a Secretaria de Segurança Pública ainda não se manifestou sobre o relatório.