3 em cada 5 jovens que estão fora do ensino superior são negros, mostra pesquisa
Por Tulio Kruse | Folhapress
Três em cada cinco brasileiros que interrompem os estudos antes de chegar ao ensino superior são negros, mostra uma pesquisa sobre as perspectivas da juventude brasileira publicada nesta segunda-feira (20) pelo British Council —organização de cultura e educação ligada ao governo do Reino Unido.
Entre aqueles que param de estudar até o ensino médio, 63% são pretos e pardos, ante 33% de brancos, segundo o levantamento.
Os dados mostram que, embora a população negra corresponda a 55,5% dos brasileiros, segundo os dados do Censo 2022 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), eles ainda são minoria entre aqueles que concluem o grau universitário e ocupam uma maioria desproporcional na evasão escolar.
Metade dos jovens de 19 a 24 anos não está estudando nem tem diploma universitário, mostra a pesquisa. Pretos e pardos, além de abandonarem o ensino básico mais frequentemente, relatam o convívio com situações de violência em maior proporção, compõem a maior parte da força de trabalho informal e estão sujeitos a mais dificuldades para conseguir pagar por necessidades básicas.
O motivo mais comum para o abandono dos estudos é a restrição financeira (39% das respostas), seguida por responsabilidades familiares —cuidar de irmãos e filhos, sobretudo— e problemas com o transporte até a escola (19%, nos dois casos). Apoio insuficiente de professores (18%) e falta de acesso a cursos de qualidade (17%) também são citados.
O British Council ouviu 3.248 jovens de 16 a 35 anos em todas as regiões do país sobre temas diversos, como trabalho, renda, violência, educação digital e participação política. A margem de erro geral para os dados quantitativos é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.
A divisão foi de 1.348 entrevistados brancos (42% do total), 1.171 pardos (36%) e 607 pretos (19%). Os pesquisadores optaram por incluir entrevistados de 29 a 35 anos, formalmente enquadrados como adultos. Essa decisão "reflete a complexidade do cenário socioeconômico no Brasil e segue práticas internacionais adotadas pela ONU", segundo a chefe de relações externas e governamentais do British Council, Bárbara Cagliari Lotierzo.
Além de pesquisa quantitativa online, a entidade também fez entrevistas e grupos focais com 105 jovens de grupos marginalizados. Também criou um comitê consultivo com dez pessoas que ajudaram a levantar temas para o trabalho.
"Os respondentes foram una?nimes em apontar a seguranc?a financeira como o principal fator de bem-estar no presente e no futuro", diz trecho do relatório da pesquisa. "A palavra mais usada para descrever o futuro foi ‘preocupado’, acompanhada pela percepc?a?o de que a pobreza e? o maior obsta?culo global da atualidade."
Parte da explicação para a falta de continuidade dos estudos também está nas próprias escolas, indicam dados do estudo. Metade (51%) dos jovens entrevistados afirma que a educação no Brasil não é de boa qualidade.
Nesse quesito, os dados da pesquisa mostram uma diferença entre realidades socioeconômicas diferentes. A proporção de entrevistados que faz avaliações ruins do ensino é muito maior entre moradores de favelas (68%).
O índice de reprovação da qualidade do ensino também é alto entre jovens que moram em periferias e regiões metropolitanas (58%) e entre moradores de capitais e outros grandes centros urbanos em geral (51%).
O relatório do British Council lembra, com base em pesquisa do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) feita em 2023, que 87% dos adolescentes brasileiros frequentavam escolas públicas —com grande variação na avaliação de qualidade educacional— e que, no ensino superior, 79% estão matriculados em instituições privadas.
As desigualdades no acesso ao ensino se repetem nos salários dos jovens adultos. "Jovens brancos entrevistados relataram uma renda 19% acima da me?dia ponderada geral, enquanto jovens pretos ganham, em me?dia, 31% a menos", diz a pesquisa. "A diferenc?a de rendimento entre jovens pardos e a me?dia geral e? menor, mas ainda significativa: 12% abaixo."
O levantamento também mostra que mais da metade dos jovens pretos entrevistados recebem menos de 1,5 sala?rio mi?nimo por me?s.
"Embora a maioria (56%) seja a principal fonte de renda de suas fami?lias, uma parcela significativa (39%) na?o consegue cobrir as despesas mensais ba?sicas. Enquanto quase metade (47%) dos jovens brancos te?m renda mensal superior a dois sala?rios mi?nimos, esse percentual cai para 22% entre jovens pretos e 35% entre jovens pardos", afirma o relatório.
86% RELATAM CASOS DE RACISMO
O relatório mostra, ainda, que a absoluta maioria dos negros relata já ter vivenciado experie?ncias pessoais de discriminação. Entre os autodeclarados pretos, a proporção de respostas afirmativas é de 86% e entre os pardos, 71%.
O questionário da pesquisa continha uma lista com diferentes situações de discriminação. A resposta mais comum foi "ouvi piadas sobre minha aparência", chegando a 33% dos entrevistados negros. Apelidos racistas foram citados por 28% dos pretos e 12% dos pardos.
Parte significativa também reportou já ter sido seguida por seguranças em lojas ou outros espaços públicos, e um em cada quatro negros dizem que já viveram situações em que alguém presumiu que eles tinham menos capacidade ou inteligência.
"A desigualdade racial atravessou praticamente todas as falas das entrevistas", afirmou Lotierzo. "Muitas das vítimas de discriminação expressaram frustração com escolas que abordam o racismo de forma que consideram superficial, como palestras ou campanhas pontuais, mas que não enfrentem efetivamente situações de preconceito."
A partir das entrevistas com grupos de jovens e lideranças comunitárias nas periferias brasileiras, o relatório do British Council faz uma série de recomendações para políticas governamentais.
Entre elas estão a promoção de acesso equitativo à cultura com financiamento de iniciativas comunitárias; a obrigatoriedade de avaliações de impacto de políticas focadas na juventude em nível municipal, estadual e federal; fortalecimento da formação pedagógica antirracista e melhoria da formação de professores em geral; políticas de inclusão digital e o fortalecimento do Plano Nacional da Juventude.
"A mensagem foi clara: os jovens querem um processo mais participativo na formulação de políticas públicas, com envolvimento real das juventudes em todas as etapas", diz o relatório.