Congresso resiste a aprovar projetos que elevam em R$ 40 bi a arrecadação de 2026, ano eleitoral
Por Raphael Di Cunto e Adriana Fernandes | Folhapress
O governo Lula (PT) depende do Congresso para aumentar a arrecadação em R$ 40,63 bilhões em 2026 e evitar cortes de investimentos em pleno ano eleitoral, mas as propostas enviadas com esse objetivo enfrentam dificuldades no Legislativo, com críticas ao aumento da carga tributária e afastamento de partidos da base aliada, como União Brasil e PP.
O primeiro teste para essa agenda deve ocorrer nesta terça-feira (30), quando comissão do Congresso votará o parecer do deputado Carlos Zarattini (PT-SP) sobre a MP (medida provisória) que aumenta impostos sobre fintechs, títulos de investimentos, bets (casas de apostas) e criptoativos, além de outras medidas para alta da arrecadação.
Integrantes do governo tinham dúvidas, até o fim da semana passada, se haveria votos para aprovar a MP. Há resistências de vários setores, mas a principal preocupação do Palácio do Planalto e da equipe econômica é com o agro, um dos grupos mais fortes do Congresso.
Zarattini fez alterações no projeto para preservar a isenção de títulos como CRIs (Certificado de Recebíveis Imobiliários), CRAs (Certificado de Recebíveis do Agronegócio) e debêntures incentivadas. Isso tirou cerca de R$ 330 milhões em receitas, dos R$ 20,87 bilhões previstos a mais para 2026 caso a MP fosse aprovada na íntegra.
Ele compensou essa redução com uma proposta de elevar mais o Imposto de Renda de pessoas físicas sobre LCI (Letras de Crédito Imobiliário), Letras Hipotecárias, LIG (Letras Imobiliárias Garantidas) e LCA (Letra de Crédito do Agronegócio). Hoje esses títulos são isentos. O governo sugeriu tributá-los em 5%, e o petista elevou para 7,5%.
Outra concessão foi criar um programa temporário para regularização de ativos virtuais de origem lícita, mas declarados com incorreções ou que não foram informados à Receita Federal, e também para atualização dos valores fornecidos anteriormente, com pagamento menor de Imposto de Renda -de 7,5%. É uma forma de compensar a cobrança sobre criptoativos, mas esse mercado e as casas de corretagem mantêm as críticas ao projeto.
O relator tem traçado estratégias para aprovar o projeto.
Uma das possibilidades é voltar aos 5% de tributação para as LCAs e LCIs -o que, mesmo assim, a bancada ruralista rejeita. Outra ideia é alterar as regras que endurecem a concessão do seguro-defeso, concedido a pescadores artesanais. A flexibilização poderia render mais quatro ou cinco votos na comissão e ser decisiva para aprovar a MP nesta primeira etapa.
A equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está confiante de que o relator conseguirá fechar um bom acordo com a bancada do agro com a elevação do porcentual, do total que é captado via LCAs, que bancos têm que direcionar para empréstimos ao setor. Um resolução do CMN (Conselho Monetário Nacional) aumentando esse percentual será aprovada logo após a votação da MP.
O calendário está apertado. O Congresso precisa aprovar a medida provisória até 8 de outubro, num cronograma que envolve a comissão e os plenários da Câmara e do Senado. Partidos como União Brasil e PP, que estão num processo de afastamento do governo, têm criticado as medidas para aumentar impostos.
No meio desse caminho haverá também o debate em torno do projeto que isenta quem ganha até R$ 5.000 de pagar Imposto de Renda, prioridade absoluta para Lula -a votação foi marcada para esta quarta-feira (1º) na Câmara, e deve consumir os esforços do Executivo.
Outra proposta do governo que é alvo de resistências é o corte linear de 10% em subsídios tributários e aumento da carga sobre empresas do lucro presumido (com faturamento de até R$ 78 milhões por ano). A redução nos incentivos é defendida pelo próprio Congresso, mas historicamente é uma pauta complicada, com forte mobilização dos setores atingidos.
O Ministério da Fazenda colocou o tema em um projeto de lei protocolado pelo líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), em 29 de agosto, no mesmo dia em que o projeto de Lei Orçamentária Anual de 2026 foi apresentado. Passado um mês, a proposta segue sem debate e praticamente parada.
O governo combinou com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que o assunto será tratado dentro de outro projeto, sob relatoria do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), que cria uma política de revisão e avaliação dos incentivos tributários. A intenção é arrecadar R$ 19,76 bilhões a mais em 2026 com essa iniciativa.
Dois integrantes do Congresso ouvidos pela reportagem dizem que Haddad tentou convencer Aguinaldo Ribeiro a incluir o texto do governo no seu parecer e protocolá-lo já em agosto, antes da apresentação da proposta de Lei Orçamentária, mas que o deputado rejeitou a ideia e recomendou que o Executivo oficializasse um projeto próprio.
A percepção é que o assunto necessita de mais debates, que até agora não foram feitos, por causa de outras prioridades na agenda econômica -como o aumento da isenção do Imposto de Renda-- e desvios no foco da Câmara pelos protestos dos bolsonaristas a favor da anistia para o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Além disso, integrantes da cúpula da Câmara afirmam que o texto atual é o do governo, mas que os deputados farão modificações quando (e se) o assunto entrar em debate.
A única audiência até agora ocorreu na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara e envolveu o setor de petróleo, um dos atingidos pelo projeto do governo. Presidente da subcomissão responsável por acompanhar o assunto das isenções fiscais, o deputado Ricardo Abrão (União Brasil-RJ) defende que o corte linear não é o mais adequado.
"A forma correta seria olhar cada benefício, para ver realmente qual é a contrapartida que essas empresas estão dando para a sociedade e se estão funcionando", afirma Abrão.
O próprio desenho do projeto já preservou mais de 80% das isenções fiscais, já que não serão cortados os benefícios concedidos a pessoas físicas e ao agronegócio, aos regimes tributários do Simples Nacional e do Microempreendedor Individual, a entidades imunes e sem fins lucrativos, à Zona Franca de Manaus e áreas de livre-comércio, além dos incentivos com limite global ou condicionados a investimentos pelas empresas.