Fachin assume STF com defesa de autocontenção e tenta baixar tensão política
Por Ana Pompeu, Cézar Feitoza e José Matheus Santos | Folhapress
Edson Fachin assume a presidência do STF (Supremo Tribunal Federal) nesta segunda-feira (29) indicando como uma das prioridades para a gestão distensionar as relações políticas em torno da corte e arrefecer os questionamentos sobre a atuação do tribunal.
A ideia da autocontenção do Judiciário tem sido um mantra repetido pelo ministro nos últimos meses, quando a corte esteve em embates com o Congresso Nacional, setores da advocacia e aliados de Jair Bolsonaro (PL) em meio ao julgamento da trama golpista.
Ao completar dez anos no cargo, em junho, Fachin usou uma frase já conhecida dele: "Ao direito o que é do direito, à política o que é da política". "Nós, juízas e juízes, servidoras e servidores, não podemos agir fora da razão jurídica objetiva nem sermos vistos como satélite da polarização que hoje assola o mundo."
Antes disso, ele usou a mesma expressão ao representar o atual presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, em solenidade no Palácio do Planalto em 8 de janeiro de 2025.
Na ocasião, também ressaltou a importância da corte para a defesa da democracia, que ele já disse ter ficado sob ataque e ameaça no governo Bolsonaro, mas acrescentou que o tribunal deve se manter fiel à proteção da legalidade e consciente "de que o nosso papel não é o de protagonista".
O estilo discreto de Fachin é semelhante ao de Rosa Weber, que presidiu o tribunal por pouco mais de um ano, entre 2022 e 2023. O ministro não tem o hábito de conversar com jornalistas, concede poucas entrevistas à imprensa e costuma preferir manifestações nos autos processuais.
Um exemplo da discrição de Fachin é a recusa das ofertas de associações do meio jurídico para bancar uma festa em homenagem à posse dele, na noite de segunda. Avesso a extravagâncias, ele decidiu servir apenas água e café na solenidade.
Em agosto, na Fundação Fernando Henrique Cardoso, Fachin fez um discurso dizendo que "cabe à política lidar com valores e ideologias em disputa" e que "o direito deve resistir à tentação de preferir uma delas".
Segundo ele, os plenários da corte são apenas uma parte da esfera pública, mas o jogo da democracia se canaliza para o Congresso.
Embora receba ataques bolsonaristas e tenha sido um dos alvos de suspensões de vistos impostas por Donald Trump, Fachin tem insistido na defesa de um Supremo que não substitua a arena política para não corroer a legitimidade do sistema.
Na conferência, ele ressaltou a preocupação com grupos minoritários, ainda subrepresentados. Neste ponto, Fachin disse ser papel do tribunal abrir caminhos para a inclusão e evitar a cristalização de privilégios.
Por fim, o ministro também afirmou entender que há um quarto ramo informal na divisão de Poderes, que inclui Ministério Público, Tribunais de Contas, Controladoria-Geral da União, Conselho Nacional de Justiça e mesmo agências reguladoras.
"A complexidade da sociedade brasileira -marcada por desigualdade, diversidade regional e pluralismo social- exige uma democracia em rede, na qual o STF não decide sozinho, mas se ancora em uma malha de instituições fiscalizadoras e deliberativas."
Nos bastidores, assessores e advogados que frequentam o tribunal têm percebido sinalizações inclusive para os anseios da oposição. Um dos exemplos foi o voto do ministro no caso que fixou a responsabilidade de plataformas digitais por conteúdos de terceiros, no processo do Marco Civil da Internet.
Fachin acompanhou a divergência aberta por André Mendonça. Os dois e Kassio Nunes Marques ficaram vencidos em um julgamento carregado de mensagens contra as big techs e em defesa da democracia. A corrente minoritária deu primazia à proteção da liberdade de expressão e ao receio do risco de censura, temas muito acionados pela direita atualmente.
Apesar de ter chegado ao Supremo depois de uma carreira na advocacia e na docência, Fachin é tido como um perfil de juiz puro sangue, pela postura institucional.
Segundo relatos, o ministro começou a pensar a sua gestão à frente do Judiciário aos poucos, conversando com pessoas que quer perto de si tanto na corte quanto no CNJ, como assessores ou juízes auxiliares, e fazendo convites a elas apenas a partir do segundo semestre, como uma deferência ao antecessor.
Nem Barroso nem Fachin são apontados como bons articuladores políticos. O papel é exercido no Supremo pelo decano Gilmar Mendes e pelo ministro Alexandre de Moraes, dois dos protagonistas do cenário político dos últimos anos.
Internamente, o novo presidente quer aumentar o diálogo entre os ministros. Ele pretende, por exemplo, estabelecer uma rotina de almoços entre os 11 magistrados para facilitar a construção de consensos para os julgamentos, especialmente em casos de destaque ou os chamados processos estruturais.
Outro plano é dar mais previsibilidade à pauta de julgamentos. Na gestão do ministro Dias Toffoli, o Supremo passou a divulgar a previsão semestral de casos levados ao plenário. A prática foi abandonada aos poucos, diante da dificuldade de prever a duração de cada análise, pedidos de vista ou a chegada de processos urgentes que atravessam o calendário.
Gaúcho de Rondinha (RS), Edson Fachin cursou direito na UFPR (Universidade Federal do Paraná), onde também é professor titular de direito civil. Ele também fez carreira no estado, como advogado nas áreas de direito civil, agrário e imobiliário e procurador do Estado.
Fachin foi indicado ao Supremo por Dilma Rousseff (PT) em abril de 2015, para a vaga deixada por Joaquim Barbosa um ano antes. Com o ambiente político tensionado, a então presidente decidiu deixar a indicação para o início do segundo mandato.
A indicação encontrou dificuldades porque, à época, foram resgatados vídeos de Fachin pedindo votos para Dilma na eleição de 2010. A resistência entre senadores de oposição foi atenuada após intervenções do então senador Álvaro Dias, filiado na ocasião ao PSDB, principal partido de oposição no período.
Álvaro, que é do Paraná, atuou junto a opositores de Dilma em prol de Fachin. Um mês após ser indicado, ele foi aprovado por 52 votos a 27.
Fachin foi o último nome de Dilma para o STF. Em tese, ela teria mais duas indicações, mas a aprovação da PEC da Bengala no Congresso postergou as aposentadorias de Marco Aurélio Mello e de Celso de Mello por cinco anos.