STF reage a sanção, ameaça cancelar acordo, e Motta avalia se vota redução de penas nesta semana
Por Catia Seabra, Victoria Azevedo e Raphael Di Cunto | Folhapress
As novas sanções anunciadas nesta segunda-feira (22) pelo governo Donald Trump levaram o STF (Supremo Tribunal Federal) a ameaçar o cancelamento de um acordo com o Congresso para a aprovação de uma redução de penas dos condenados por envolvimento em atos golpistas.
Ministros do tribunal procuraram o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e avisaram ao deputado que as medidas prejudicam o avanço dessas negociações.
Após receber o alerta, o parlamentar procurou aliados para avaliar um possível adiamento da votação dessa proposta, inicialmente prevista para os próximos dias.
Antes otimista sobre votar o projeto nesta quarta-feira (24), após reuniões com os partidos, o deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), designado por Motta como relator da medida, adotou tom mais cauteloso depois das sanções. "Temos que pensar", disse à reportagem. "Vamos conversar com os partidos na parte da tarde para ver os caminhos que a gente vai traçar ainda", afirmou.
Nas palavras de um ministro do STF que conversou com Motta nesta segunda, toda a boa vontade que poderia haver no tribunal, especialmente com o núcleo central da trama golpista, "se esfumaçou". Isso não significa, porém, que os canais estejam totalmente obstruídos.
Além disso, ainda haveria espaço de negociação sobre penas aplicadas aos condenados pela participação nos ataques de 8 de janeiro de 2023, especificamente. Apesar dessa disponibilidade inicial para o diálogo, entre ministros seria majoritária a avaliação de que as sanções impostas à família de Moraes azedam a relação entre STF e Congresso.
Como a Folha de S.Paulo mostrou na semana passada, integrantes do centrão fecharam de forma sigilosa os termos de um acordo que envolve a votação de um projeto que reduz penas pelos atos golpistas, a garantia de que Bolsonaro poderá cumprir pena em regime domiciliar e a rejeição de qualquer forma de perdão pelos crimes julgados pelo STF, segundo pessoas que participam das negociações.
Uma das pendências para o acordo estaria, justamente, na escolha do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente, para a liderança da minoria na Câmara dos Deputados. Ele mora nos EUA e atua junto ao governo Trump pela imposição de sanções econômicas contra o Brasil.
O governo dos EUA incluiu Viviane Barci de Moraes, mulher do ministro Alexandre de Moraes, e o instituto que pertence à família do magistrado na lista de sancionados pela Lei Magnitsky. Anunciou nesta também a ampliação das restrições de vistos de mais autoridades brasileiras em reação ao julgamento de Jair Bolsonaro na corte.
Segundo um integrante do Departamento de Estado, tiveram vistos cancelados o ministro da AGU (Advocacia-Geral da União), Jorge Messias; os juízes Airton Vieira, Marco Antônio Vargas e Rafael Henrique Janela Tamai Rocha, que assessoraram o ministro do Supremo Alexandre de Moraes em casos envolvendo o ex-presidente; José Levi, ex-advogado-geral da União e ex-secretário-geral do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) na gestão de Moraes; o ex-ministro do TSE e ex-corregedor Benedito Gonçalves, relator das ações que deixaram Bolsonaro inelegível; e a chefe de gabinete de Moraes Cristina Yukiko Kusahara.
Segundo a reportagem apurou com uma pessoa que tem acesso às discussões, deve haver novas rodadas de restrições de vistos, em que devem ser incluídos o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, o delegado Fabio Shor e outros três integrantes da Polícia Federal.
Encorajadas por bolsonaristas, as sanções foram classificadas como uma deslealdade por integrantes do tribunal, ocorrendo em meio à costura de um acordo e no momento em que aliados de Bolsonaro intercedem pela manutenção do ex-presidente em prisão domiciliar.
Duas lideranças da Câmara ouvidas sob reserva reconhecem que a discussão desse tema pode ser adiada. Além do efeito das sanções de Trump, eles dizem que as manifestações de domingo (21) também geram impacto sobre os deputados.
Mas, no domingo, mesmo depois das manifestações, Motta mantinha em seus planos a aprovação de um projeto alternativo à anistia, prevendo apenas a redução de penas.
Desde a condenação de Bolsonaro pelo Supremo, integrantes do centrão falavam em aguardar os próximos passos e um estado de "compasso de espera", já que eventual reação de Trump poderia afetar o clima na Câmara e o andamento da anistia.
A aplicação de sanções, que afetaram integrantes do governo, também acabou por enterrar a possibilidade de o governo Lula não impor restrições à tramitação desse projeto. Segundo relatos, Motta consultou a ministra Gleisi Hoffmann (Secretaria das Relações Institucionais) sobre a hipótese de apresentação de uma proposta para redução de pena.
Em resposta, Gleisi afirmou que esse era um assunto para Congresso e STF, acrescentando que o Planalto não se envolveria. Depois das medidas e de uma reunião do relator com o ex-presidente Michel Temer, emissários do governo avisaram que não apoiarão a redução de penas.
Além disso, um projeto enviado pelo Executivo em regime de urgência que trata do licenciamento ambiental passará a trancar a pauta da Câmara a partir desta terça (23). Isso significa que outros projetos não poderão ser votados enquanto esse não for discutido no plenário -o que dificulta a votação de matéria sobre redução das penas.
De acordo com relatos, Motta buscou integrantes do governo para pedir para retirar a urgência do PL, mas o Palácio do Planalto indicou que só concorda com isso se for para votar outras propostas que Lula considera mais relevantes, como o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda, e adiar a anistia. Com a negativa, deputados da bancada ruralista defendem votar o texto ja aprovado pelo Congresso e derrotar a versão enviada pelo governo como alternativa.