Ministros do STM que vão julgar trama golpista foram comandados por generais condenados
Por Cézar Feitoza | Folhapress
Os cinco militares condenados pela tentativa frustrada de golpe liderada do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) serão julgados no STM (Superior Tribunal Militar) por antigos colegas de farda e ex-subalternos. A corte vai definir se eles devem ser considerados indignos para o oficialato e perder as patentes.
O general Augusto Heleno foi instrutor na Aman (Academia Militar das Agulhas Negras) de dois dos quatro ministros-generais da atual composição do STM. Já o ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos esteve no Almirantado —colegiado de almirantes da mais alta patente— com todos os três ministros oriundos da Força Naval.
As relações pessoais dos ministros do tribunal militar com os condenados e o histórico profissional dos generais implicados na trama golpista devem permear o julgamento sobre a declaração de indignidade deles, segundo avaliação feita à reportagem três integrantes do STM.
Esses ministros afirmaram, sob reserva, que parte dos militares condenados são referências em suas áreas e prestaram mais de 40 anos de serviços às Forças Armadas. O prestígio de suas carreiras deve ser colocado à mesa no momento de decidir sobre seus futuros, acrescentaram.
O STF (Supremo Tribunal Federal) condenou seis militares pela atuação no núcleo central da trama golpista. Cinco deles terão de responder no Superior Tribunal Militar a um novo processo —livrou-se apenas o tenente-coronel Mauro Cid, que fez uma delação premiada e recebeu uma pena menor.
A corte militar decidirá sobre uma representação para a declaração de indignidade e incompatibilidade para o oficialato. É uma ação que busca a perda da patente dos militares condenados a mais de dois anos de prisão. Os condenados na Justiça Militar são expulsos das Forças, declarados "mortos fictícios" e deixam pensão para os familiares.
Nesse processo, os ministros do STM vão analisar questões éticas relacionadas às atitudes dos militares condenados pelo Supremo. O objetivo é definir se eles cometeram atos indignos para oficiais e devem ter suas patentes cassadas.
"Cabe à Corte Militar decidir apenas sobre a idoneidade de permanência do oficial no posto, não reavaliando o mérito da condenação já proferida", afirmou o STM em nota.
As representações só devem avançar na Justiça Militar em 2026. Antes, o STF precisa concluir o processo sobre a trama golpista, com a análise de todos os recursos do caso.
Depois disso, o Ministério Público Militar vai analisar a condenação e enviar representações diferentes sobre cada um dos militares. Os processos serão distribuídos por meio de sorteio, e cada relator poderá dar um andamento diferente para os casos.
Os militares que devem responder aos processos são o capitão reformado Jair Bolsonaro e os oficiais-generais da reserva Augusto Heleno, Walter Braga Netto, Paulo Sérgio Nogueira e Almir Garnier Santos.
Condenado a 21 anos de prisão, Heleno é citado pelos ministros do STM consultados pela Folha como o que deve ter o caminho menos complicado no tribunal. O general é uma das principais referências do Exército nos últimos 20 anos, com atuação destacada na Minustah (Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti) e no Comando Militar da Amazônia.
Ele se formou na Aman em 1969 na arma de cavalaria e, por quase oito anos, foi instrutor na academia militar. Durante esse período, Heleno instruiu os cadetes Odilson Sampaio Benzi e Marco Antônio de Farias —atualmente ministros do STM.
O general Paulo Sérgio teve a pena de 19 anos de prisão determinada pelo Supremo na última semana. Ele foi comandante do Exército por 13 meses, de 31 março de 2021 a 1º de abril de 2022.
Nesse período, Paulo Sérgio teve em seu Alto Comando os generais Lourival Carvalho Silva e Guido Amin Naves —dois dos quatro ministros que ocupam as cadeiras destinadas ao Exército.
Situação semelhante vive o ex-chefe da Marinha Almir Garnier Santos. Ele esteve no Almirantado de 2018 até o fim do governo Bolsonaro, sentado ao lado dos outros três almirantes-de-esquadra que hoje são ministros do STM: Leonardo Puntel, Celso Luiz Nazareth e Cláudio Portugal de Viveiros.
A situação só é menos favorável ao general Braga Netto e ao ex-presidente Jair Bolsonaro. O primeiro por ter proferido ataques aos chefes do Exército e da Aeronáutica contrários ao golpe de Estado e financiado um plano militar clandestino para prender e assassinar o ministro Alexandre de Moraes.
Bolsonaro também tem recebido críticas de ministros civis e militares do STM.
A avaliação de dois integrantes do tribunal militar ouvidos pela Folha é que o julgamento no STF foi mais político do que jurídico. Por outro lado, não haveria acusação da trama golpista caso o ex-presidente tivesse aceitado o resultado das eleições presidenciais logo após a derrota, sem procurar "possibilidades" para reverter a vitória de Lula (PT).
O julgamento de oficiais-generais de quatro estrelas por indignidade para o oficialato é inédito no STM desde a redemocratização do país. O tribunal, porém, lida com frequência com processos para a cassação do posto e da patente de militares condenados.
Levantamento interno obtido pela Folha mostra que, de 2020 até o primeiro semestre de 2025, o STM julgou 49 conselhos de justificação e representações para a indignidade com o oficialato. Em 42 casos (85%) o desfecho foi a perda da patente —os outros casos foram pena de reforma (4) e, mais raramente, absolvição (3).
O STM é formado por 15 ministros, sendo dez militares e cinco civis. As cadeiras destinadas aos membros das Forças Armadas são divididas em quatro para o Exército, três para a Marinha e três para a Aeronáutica. Os cargos são ocupados a partir de indicação do presidente da República e aprovação do Senado.
O presidente Lula poderá indicar mais dois ministros para o Superior Tribunal Militar até o fim do ano. Aposentam-se até dezembro dois ministros-generais, e o Exército deve indicar os nomes à Presidência da República nos próximos meses.