Família de Tenório Jr. diz sentir 'alívio e tristeza' após identificação do corpo
Por Folhapress
A família do pianista Francisco Tenório Cerqueira Júnior, o Tenório Jr., recebeu com um misto de alívio e tristeza a confirmação da identificação do corpo do músico, encontrado quase 50 anos após sua morte. A Equipe Argentina de Antropologia Forense (EAAF) confirmou ter identificado oficialmente os restos mortais do pianista, desaparecido em 18 de março de 1976 na cidade de Buenos Aires, após ser assassinado pela ditadura argentina e enterrado como desconhecido.
"Alívio porque, finalmente, podemos saber com mais segurança o que aconteceu com ele naquele triste março de 1976. De alguma maneira, estaremos mais próximos. Tristeza pela confirmação de que Tenório foi vítima da violência e enterrado como um desconhecido, longe da família, dos amigos, dos parceiros de música", escreveram em nota os filhos Elisa Andrea, Francisco e Margarida Maria.
Tenório, aos 35 anos, deixou cinco filhos que cresceram sem a presença paterna e uma mãe, Carmen, que enfrentou dificuldades para criá-los sozinha. O filho mais novo nasceu um mês após o desaparecimento do pai. Além dos filhos, Tenório Jr. não pôde conhecer seus oito netos.
Na carta, os filhos afirmam que durante décadas alimentaram a esperança de rever o "Papú", como carinhosamente chamavam Tenório Jr. "Com o tempo, compreendemos que não teríamos mais respostas. Que teríamos que conviver sem saber o que aconteceu de fato. É um choque saber que ele estava lá o tempo todo", escreveram.
Neste fim de semana, a equipe argentina anunciou ter verificado que o brasileiro foi sepultado no cemitério de Benavídez, na província de Buenos Aires, sem qualquer documento de identidade. De acordo com a EAAF, não há possibilidade de recuperar o corpo, pois os restos mortais foram identificados através de registros e evidências forenses.
O corpo foi reconhecido por meio de impressões digitais, confirmando que a morte ocorreu dois dias após o sequestro, em 18 de março de 1976.
Agora os filhos buscam respostas sobre as circunstâncias da morte e defendem a necessidade de uma nova investigação. "Quem matou Tenório? Por quê? Por que matar um homem sem nenhum envolvimento político, que só vivia para a música? Durante anos ouvimos versões e histórias que agora se revelam falsas", questionaram.
Além de agradecer à EAAF, os familiares reforçaram a necessidade de uma nova investigação "em nome da memória que não pode se perder". "Esperamos que, desta vez, as autoridades possam nos dizer o que aconteceu. A dor não irá embora nunca, mas a justiça pode trazer conforto", finalizaram.
A equipe forense conduzirá uma investigação para determinar as circunstâncias exatas da morte.
Tenório Jr. estava em turnê com Vinicius de Moraes quando desapareceu na madrugada de 18 de março de 1976, deixando apenas um bilhete para Toquinho. O pianista, nascido em 1941, era reconhecido por seu talento no samba-jazz e bossa-jazz, tendo colaborado com grandes nomes da música brasileira.
Seu desaparecimento gerou especulações sobre uma possível confusão de identidade com subversivos políticos, evidenciando a brutalidade indiscriminada da repressão durante a ditadura argentina.
Leia a nota na íntegra:
"Recebemos a notícia da identificação do corpo de nosso pai com surpresa, claro, e um misto de alívio e tristeza. Alívio porque, finalmente, podemos saber com mais segurança o que aconteceu com ele naquele triste março de 1976. De alguma maneira, estaremos mais próximos. Tristeza pela confirmação de que Tenório foi vítima da violência e enterrado como um desconhecido, longe da família, dos amigos, dos parceiros de música.
Um pianista de apenas 35 anos, respeitado em seu meio, pai de cinco filhos, que foram privados de sua convivência, obrigando nossa mãe a criar sozinha cinco crianças, de 8, 7, 5 e 4 anos, além de uma que não chegou a conhecer o pai. Nasceu um mês depois do desaparecimento. Tenório não conheceu o filho caçula nem os oito netos.
Durante muito tempo, mesmo sabendo que era improvável, alimentamos a esperança de revê-lo. De que um dia a porta da casa se abrisse e ele entraria. O "Papú", como o chamávamos. Com o tempo, compreendemos que não teríamos mais respostas. Que teríamos que conviver sem saber o que aconteceu de fato. É um choque saber que ele estava lá o tempo todo.
Nesta hora, lembramos principalmente da nossa mãe, Carmen, que cuidou de nós e nos protegeu de todas as formas que uma mãe poderia fazer. Que encarou dificuldades para nos criar, enfrentou tudo, chegou a ir à Argentina, prestou depoimentos às autoridades. Que nos ensinou a ter autonomia, responsabilidade, a cuidar das nossas vidas. É o que fazemos todo dia, honrando sua memória.
Ainda queremos e precisamos de respostas. Quem matou Tenório? Por quê? Por que matar um homem sem nenhum envolvimento político, que só vivia para a música? Durante anos ouvimos versões, histórias que agora se revelam falsas.
Agradecemos ao EAAF por essa descoberta depois de quase meio século. É preciso que seja feita uma nova investigação. Em nome da memória que não pode se perder. Esperamos que, desta vez, as autoridades possam nos dizer o que aconteceu. A dor não irá embora nunca, mas a justiça pode trazer conforto.
Elisa Andrea Tenório Cerqueira
Francisco Tenório Cerqueira Neto
Margarida Maria Tenório Cerqueira"