Petrobras e Vale aparecem em estudo que responsabiliza empresas por ondas de calor extremas
Por José Henrique Mariante | Folhapress
Estudos de atribuição verificam a influência da mudança climática na frequência e severidade de eventos extremos. Pesquisa publicada nesta semana na revista científica Nature vai além: mostra o quanto entidades e empresas contribuíram para a ocorrência de ondas de calor neste século.
A lista é grande, inclui as brasileiras Petrobras e Vale e é vista como caminho para uma ainda inédita responsabilização pelo dano ambiental provocado.
A primeira relação de causa e efeito é conhecida, a emissão de gases de efeito estufa, sobretudo a queima de combustíveis fósseis, provoca o aquecimento global; a segunda, cada vez mais evidente, é a de que o aquecimento torna mais provável e mais intensos eventos como ondas de calor.
De 2000 a 2009, 20 vezes mais. De 2010 a 2019, 200 vezes mais. Eventos que não ocorreriam sem as emissões provocadas pela produção de óleo, gás, carvão e cimento.
O novo estudo, que se debruça sobre 213 canículas registradas de 2000 a 2023, revela o quanto cada um dos 180 maiores emissores do planeta contribuiu para a ocorrência desses eventos.
Os chamados "carbon majors", liderados pela extinta União Soviética, reúnem, além de entidades nacionais, estatais e companhias de capital aberto. O grupo é responsável pela metade do aumento de intensidade das ondas de calor desde a era pré-industrial.
A depender do emissor, a contribuição para o problema é grande o suficiente para provocar não um, mas vários eventos extremos. Qualquer uma das 14 maiores companhias de petróleo do planeta, por exemplo, emitiu carbono suficiente para provocar isoladamente 50 ondas de calor. A Petrobras é uma delas.
Procurada pela reportagem, a estatal brasileira não se posicionou. Mesmo as menores emissoras do grupo, escrevem os pesquisadores, "contribuíram substancialmente para a ocorrência de ondas de calor".
É o caso da Vale, que afirmou "reconhecer a relevância de estudos como esse" e que desinvestiu da produção de carvão citada no texto em 2022.
Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), ondas de calor são responsáveis por 500 mil mortes anuais. Neste ano, provocaram temperaturas 2°C mais altas em lugares improváveis como a Lapônia, no norte da Finlândia, assim como contribuíram para o maior incêndio florestal da história da Europa, mais de um milhão de hectares devorados pelo fogo.
Em 2010, no único episódio brasileiro listado no estudo, uma onda de calor provocou 38 mortes em Nova Lima (MG), Santos e Rio de Janeiro.
A responsabilização individualizada, escrevem os pesquisados na abertura do artigo, "preenche uma lacuna de evidências". Com o mecanismo, é possível discriminar a contribuição com rigor científico de cada empresa em eventos extremos.
Duas decisões jurídicas importantes na área ambiental sinalizaram um caminho para tais evidências. Em julho, a Corte Internacional de Justiça, ligada à ONU, declarou que a mudança climática é "uma ameaça urgente e existencial". Pelo parecer apresentado em Haia (Holanda), "os Estados têm a obrigação legal de proteger o sistema climático das emissões antropogênicas de gases de efeito estufa".
Em um caso mais prático, em maio, o tribunal de apelações de Hamm, no oeste da Alemanha, rejeitou ação movida por um agricultor peruano contra a empresa de energia RWE, mas estabeleceu um precedente: "Se houver ameaça de dano, a parte responsável pelas emissões de CO2 poderá ser obrigada a tomar medidas preventivas (...) [ou] a arcar com os custos proporcionalmente à sua parcela de emissões".
Duas das maiores petrolíferas do mundo, a americana ExxonMobil e a estatal saudita Saudi Aramco, mostra o estudo, tornaram 51 das 213 ondas de calor analisadas 10 mil vezes mais prováveis. Não em conjunto, sozinhas. Questionadas pelo jornal britânico The Guardian, as duas empresas não comentaram as conclusões dos pesquisadores.
"Durante algum tempo, argumentou-se que qualquer contribuinte individual para as mudanças climáticas estava dando uma contribuição muito pequena ou muito difusa para ser associada a qualquer impacto específico. E essa ciência emergente, nesse artigo e em outros, está mostrando que isso não é verdade", declarou à agência Associated Press Chris Callahan, cientista do clima da Universidade de Indiana, que não participa da pesquisa.
Sonia Seneviratne, professora do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, um dos principais nomes a assinar o estudo, também chama a atenção para as possibilidades que o novo método cria no setor ambiental.
"Ser capaz de rastrear a contribuição desses emissores individuais e quantificar sua contribuição para o problema pode ser muito útil para estabelecer a responsabilidade potencial", afirmou.
Estudos de atribuição usam modelos climáticos para comparar as condições do período analisado com as da era pré-industrial (1850-1900); verifica-se assim a influência do aquecimento global. Na atual pesquisa, as ondas de calor tiveram incremento médio de 1,4°C de 2000 a 2009, 1,7°C de 2009 a 2019 e 2,2°C de 2020 a 2023.
OUTRO LADO
Citada no estudo publicado na revista Nature, a Vale comentou: "A Vale reconhece a relevância de estudos como este e segue comprometida com a descarbonização, tendo atingido 27% de redução de emissões de escopo 1 e 2 em 2024 em relação ao ano-base de 2017. A empresa ressalta que as emissões incluídas no estudo se referem ao período em que produziu carvão, negócio do qual desinvestiu em 2022, de acordo com sua ambição de se tornar líder na mineração de baixo carbono".
Também citada pelo artigo, a Petrobras não respondeu até a publicação desta reportagem.