Inquérito das fake news deu poder a Moraes com alcance em julgamento de Bolsonaro
Por Thaisa Oliveira e José Marques | Folhapress
Relator do julgamento histórico que pode condenar um ex-presidente por tentativa de golpe, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes começou a concentrar investigações relacionadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) a partir do inquérito das fake news, quando foi iniciada uma teia processual que se desdobra até hoje.
A ligação de Moraes com o principal caso em discussão no Supremo advém de 2019, quando o então presidente da Corte, Dias Toffoli, abriu e delegou a ele a relatoria de uma investigação sobre ameaças, ataques virtuais e fake news contra os ministros.
A investigação foi a primeira usada como guarda-chuva para manter sob a relatoria de Moras os casos relacionados a suspeitas que envolvem ataques às instituições e disseminação de informações fraudulentas -o que evitou a distribuição desses processos entre todos os ministros por sorteio.
Atualmente, além da investigação sobre as fake news, Moraes tem mais "inquéritos guarda-chuva" em suas mãos. O das milícias digitais e o dos atos antidemocráticos (esse é o segundo inquérito com esse nome, já que o primeiro deles foi arquivado em 2021).
Em diversas ocasiões, já se cogitou o encerramentos dos inquéritos, mas eventos novos -como os ataques do ex-presidente às urnas, os atos golpistas do 8 de janeiro de 2023 ou a articulação do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) nos Estados Unidos- são usados como justificativa para adiamentos.
A reportagem mapeou os principais processos desde então que conectam a primeira investigação a inquéritos abertos recentemente, como o que envolve suspeitas de coação e obstrução de investigação por Eduardo Bolsonaro.
Com um número significativo de casos sob sigilo ou em segredo de justiça, a existência de parte dos inquéritos só pode ser identificada a partir de citações feitas por Moraes, pela Polícia Federal e pela PGR (Procuradoria-Geral da República) em documentos como despachos, relatórios e decisões.
A representação mostra um esquema complexo, com ramificações desconhecidas. Mesmo em casos hoje públicos, como o da chamada Abin Paralela, Moraes mantém documentos sob sigilo por meio de processos correlatos instituídos via "PET" -sigla do tribunal para peticionamento.
Essa investigação acusou a criação de uma organização criminosa, dentro da Agência Brasileira de Inteligência, para monitorar ilegalmente de autoridades.
Em parte dos casos, porém, não é possível saber nem sequer qual é o fio condutor. No Supremo, os processos que estão em segredo de Justiça têm um grau menor de sigilo, e algumas informações básicas são publicizadas. Já nos processos sigilosos pouquíssimas informações são públicas.
Apesar das críticas feitas em 2019 ao fato de a PGR ter sido excluída inicialmente do processo -e que ainda persistem entre bolsonaristas e parte do mundo jurídico-, o inquérito das fake news ganhou força com denúncias que apontaram para a existência de um "gabinete do ódio" no Palácio do Planalto.
Em 2021, processos cruciais foram abertos e acoplados: ataques do ex-presidente à vacinação contra a Covid-19; uma live nas redes sociais com alegações falsas sobre as urnas eletrônicas; o vazamento de um inquérito da PF sobre o mesmo tema; e o ato de 7 de Setembro em que Bolsonaro ameaçou o STF e disse que só sairia da presidência da República morto.
Na reta final de 2022, outros casos que hoje integram a linha do tempo golpista apontada pela PGR foram adicionados: as blitze da PRF (Polícia Rodoviária Federal) no segundo turno das eleições, a tentativa de invasão da PF em 12 de dezembro, data da diplomação de Lula (PT), e a tentativa de um atentado com bomba perto do Aeroporto de Brasília.
O número de processos se avolumou a partir de 8 de Janeiro de 2023 e de um episódio decisivo para o julgamento que agora pode condenar Bolsonaro e militares de alta patente: a suspeita de que o ex-presidente tivesse falsificado o próprio cartão de vacinação.
Mesmo tendo sido arquivada por Moraes em março deste ano, a apuração do cartão de vacinação levou a PF a apreender o celular do principal ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid.
O celular do Cid levou as investigações a outro patamar e revelou informações não só sobre a vacinação, mas também sobre a suposta venda de presentes oficiais recebidos pelo Brasil e as articulações do ex-presidente junto a militares após a derrota eleitoral.
Com provas que comprometiam a si próprio e ao pai, o general da reserva do Exército Mauro Lourena Cid, o ex-ajudante de ordens assinou um acordo de delação premiada que impulsionou novas operações da PF e desaguou em documentos como o plano "Punhal Verde e Amarelo" -suposto plano para matar Moraes, o presidente Lula e outras autoridades e que é uma das bases do julgamento de Bolsonaro agora.