Crédito do governo contra tarifaço pode ser usado para investimento, diz secretário do MDIC
Por Adriana Fernandes e Marcos Hermanson | Folhapress
As empresas que acessarem a linha de crédito de R$ 30 bilhões liberada pelo governo Lula para enfrentar o impacto do tarifaço do governo Donald Trump poderão usar o dinheiro também para novos investimentos.
O secretário de Desenvolvimento Industrial do MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços), Uallace Moreira, diz que a linha não está restrita ao capital de giro (valor necessário para a empresa funcionar) e que investimentos poderão ser feitos em diversificação produtiva para a busca de novos clientes em outros mercados.
"Vai permitir que todas as empresas tenham um programa estratégico de diversificação de mercado", diz o secretário da pasta comandada pelo vice-presidente Geraldo Alckmin. Segundo ele, esse ponto ainda é pouco conhecido pelas empresas, principalmente as médias e pequenas que exportam para o mercado norte-americano.
A busca de novos mercados para venda dos produtos brasileiros faz parte da linha de ação do governo para enfrentar os efeitos da sobretaxa de 50% imposta pelos Estados Unidos. Moreira chama atenção para a importância do FGCE (Fundo Garantidor do Comércio Exterior) para ampliar o alcance das operações de empréstimo aos exportadores.
Criado em 2012, o fundo nunca recebeu aportes. Agora, será capitalizado em R$ 1,5 bilhão pelo Tesouro Nacional para começar, na prática, a funcionar com a gestão do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) dando suporte ao FGE (Fundo de Garantia à Exportação).
O FGE foi criado para cobrir riscos em operações de crédito a vendas ao exterior e reformulado para atender as empresas neste momento. O fundo tem hoje um superávit de R$ 50 bilhões, dos quais R$ 30 bilhões serão direcionados à nova linha de crédito para exportadores.
"Com o aporte a esse fundo, todo o risco de crédito que recairia sobre o FGE será compartilhado com o FGCE", explica Moreira. Segundo ele, o FGCE permite que as instituições financeiras que tenham acesso ao fundo possam também assumir uma parcela desse risco.
O início da liberação do crédito ainda depende de algumas etapas, como a regulamentação de medidas, a aprovação do projeto de lei complementar apresentado pelo petista e líder do governo no Senado, Jaques Wagner (BA), além da aprovação pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) dos valores das taxas de juros subsidiadas das operações.
O projeto de Jaques Wagner precisa estar aprovado para a liberação da linha porque ele autoriza o aporte de recursos no FGO (Fundo Garantidor de Operações) e no FGI (Fundo Garantidor para Investimentos), destinados à cobertura de operações de crédito relacionadas ao apoio a pessoas físicas e jurídicas exportadoras e seus fornecedores.
As duas medidas são necessárias para que empreendedores de menor porte econômico e mais vulneráveis aos impactos negativos do choque tarifário tenham acesso a linhas de crédito de baixo custo direcionadas para o apoio a exportadores e seus fornecedores. O aporte de recursos no FGCE também depende da aprovação do projeto.
O secretário informou que serão necessárias 18 portarias, que já estão prontas e devem ser publicadas até o final da semana.
A regulamentação é que trará os critérios de acesso ao crédito mais barato, que dependerá do nível de dependência das vendas da empresa ao mercado norte-americano. "Na própria MP a gente deixa muito claro que a defesa das pequenas e médias e microempresas seria central, porque elas são mais vulneráveis e não têm o mesmo sistema de garantias ou a possibilidade de garantias que grandes empresas têm."
O diferimento (adiamento de pagamento de tributo), o mecanismo de drawback e as compras públicas também precisam de regulamentação. "As compras vão ficar muito mais limitadas dentro do orçamento dos estados e municípios ou do governo federal para as escolas", ressalta.
O MDIC fez um mapeamento do percentual de dependência das empresas com a participação das exportações dos Estados Unidos no total exportado. "A Taurus tem 80% da receita deles vinculada às exportações para os Estados Unidos. Não tem programa que resolva isso", diz Uallace sobre a possibilidade de demissão de funcionários do fabricante brasileira de armas de fogo.
ENTENDA O PLANO DO BRASIL CONTRA O TARIFAÇO DOS EUA
EIXO 1 - FORTALECIMENTO DO SETOR PRODUTIVO
**Linha de crédito de R$ 30 bilhões**
Segundo o governo, os valores serão emprestados a taxas acessíveis, com prioridade para os mais afetados e as empresas de menor porte. O acesso à linha de crédito está condicionado à manutenção de emprego.
**Fundos garantidores**
Pequenas e médias empresas poderão recorrer a fundos garantidores para acessar o crédito. Haverá aportes de R$ 1,5 bilhão no FGCE (Fundo Garantidor do Comércio Exterior), R$ 2 bilhões no FGI (Fundo Garantidor para Investimentos) e R$ 1 bilhão no FGO (Fundo de Garantia de Operações).
**Modernização do sistema de exportação**
Instrumentos que protegem o exportador contra riscos como inadimplência ou cancelamento de contratos. Bancos e seguradoras poderão usar essa garantia em mais tipos de operações. Haverá ainda mecanismos de compartilhamento de risco entre governo e setor privado.
**Diferimento de tributos federais**
Empresas afetadas poderão adiar o pagamento de tributos federais nos próximos dois meses.
**Reintegra**
Grandes e médias empresas passam a contar com até 3,1% de ressarcimento, e as micro e pequenas, com até 6%. As novas condições do Reintegra valerão até dezembro de 2026 e terão impacto de até R$ 5 bilhões.
**Regime de drawback**
Prorroga, por um ano, o prazo para que as empresas consigam exportar suas mercadorias que tiveram insumos beneficiados pelo regime, que desonera a compra de insumos para exportação. A medida vale para as empresas que contrataram exportações para os Estados Unidos que seriam realizadas até o final deste ano.
**Compras governamentais**
União, estados e municípios poderão, por 180 dias, fazer compras para seus programas de alimentação (merenda escolar ou hospitais, por exemplo). A medida vale apenas para produtos afetados pelas sobretaxas unilaterais.
EIXO 2 - PROTEÇÃO DE TRABALHADORES BRASILEIROS
**Contrapartida de manutenção de empregos**
O acesso às linhas de crédito estará condicionado à manutenção de empregos.
**Instauração da Câmara Nacional de Acompanhamento do Emprego**
O objetivo é monitorar o nível de emprego nas empresas e suas cadeias produtivas, fiscalizar obrigações, benefícios e acordos trabalhistas, e propor ações voltadas à preservação e manutenção dos postos de trabalho
EIXO 3 - DIPLOMACIA COMERCIAL E MULTILATERALISMO
Prevê a abertura de novos mercados, a continuidade das negociações com o governo dos EUA, além da atuação do Brasil na OMC (Organização Mundial do Comércio)