Empresas ajudaram Bolsonaro com ameaças, pernil e voto de cabresto na eleição
Por Rogério Gentile | Folhapress
Ameaças de demissão, promessas de folga e até mesmo distribuição de pernil. Levantamento feito pela Folha na Justiça do Trabalho mostra que empresas de vários estados brasileiros já foram condenadas por ajudar Jair Bolsonaro (PL) na eleição de 2022, tentando influenciar e manipular o voto de seus funcionários e colaboradores.
Com raízes no voto de cabresto imposto pelos coronéis na República Velha (1889-1930), o chamado assédio eleitoral motivou, na última eleição presidencial, uma série de ações judiciais. A reportagem teve acesso a 30 julgamentos recentes, em primeira ou segunda instância, nos quais empresas foram consideradas culpadas por condutas que alternam promessas de benefícios com pressão, intimidação e coação.
Declarado inelegível pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) até 2030 e atualmente em prisão domiciliar, Bolsonaro ainda será julgado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) sob a acusação de tentativa de golpe de Estado no final de seu governo para tentar evitar a posse do presidente Lula (PT).
Em Minas Gerais, a Agronelli Ltda. foi punida por ter, de acordo com o desembargador Marcelo Pertence, buscado "influenciar e manipular o direito de escolha política dos empregados".
Segundo o processo, a empresa colou adesivos com o nome de Bolsonaro nas mesas e computadores dos funcionários e promoveu palestras sobre o então presidente. Um diretor ainda falou que, se o PT vencesse a eleição, a empresa seria prejudicada e os funcionários, demitidos.
Condenada a pagar R$ 10 mil a uma ex-funcionária, a Agronelli recorreu. Declarou à Justiça que "nunca coagiu, intimidou ou influenciou o voto dos seus colaboradores" e que jamais obrigou seus funcionários a colocarem adesivos de Bolsonaro em seus veículos ou locais de trabalho.
Na Radiodoc (SP), um representante da empresa, de acordo com a ação judicial, disse que os funcionários "sofreriam as consequências" se não votassem em Bolsonaro.
A empresa chegou a prometer uma folga para quem participasse de evento da campanha de Bolsonaro. Condenada em duas instâncias, a empresa negou "veementemente" os fatos relatados à Justiça.
Na Sada Bioenergia e Agricultura (MG), um motorista com 12 anos de empresa foi demitido aos 64 anos por ter se recusado a usar um adesivo de Bolsonaro. Ele afirmou ao encarregado que distribuía o material de campanha que era eleitor de Lula.
"O respeito à formação de convicção política de forma autônoma e livre é condição essencial à democracia", afirmou o desembargador Marco Aurélio de Carvalho ao condenar a Sada. Ela disse à Justiça que a dispensa já estava prevista para ocorrer e que não houve assédio.
No Paraná, a Transben Transportes foi condenada por, de acordo com a juíza Camila de Almeida, ter encaminhado um vídeo aos funcionários pedindo, de forma expressa, para que votassem em Bolsonaro.
"Se o Lula ganhar vai ter desemprego. A nossa empresa vai sofrer bastante", afirmou o representante. Na gravação, ele disse ainda que o motorista que fosse votar em Bolsonaro receberia um "auxílio" para poder retornar para suas cidades no dia da eleição. Na defesa apresentada à Justiça, a empresa disse que "sempre respeitou a preferência política dos seus empregados".
Já no Espírito Santo, a Febracis foi condenada a pagar uma indenização de R$ 10 mil por tentar coagir uma auxiliar administrativa a votar em Bolsonaro. A pressão, de acordo com o processo, foi aumentando com a aproximação do segundo turno. A empresa dizia que a eleição era uma "guerra espiritual". Bolsonaro seria o enviado de Deus e Lula, o Diabo.
"O comportamento habitual da superiora hierárquica não pode ser considerado tolerável em um ambiente corporativo", afirmou na decisão o desembargador Soares Heringer. A empresa disse à Justiça que "jamais exerceu qualquer tipo de perseguição política e ideológica em face de seus empregados".
O Frigorífico Serradão, de Betim (MG), segundo uma ação aberta por um magarefe (profissional que faz o abate de animais), distribuiu camisetas amarelas para os trabalhadores com menção ao slogan de Bolsonaro e prometeu conceder uma peça de pernil a quem comprovasse ter votado no então presidente.
"Os vídeos [anexados ao processo] demonstram claramente a realização da reunião nas dependências da empresa, e a uniformização amarela dos empregados, todos vestidos em nítido apoio a um determinado candidato imposto pela empresa", afirmou o juiz Augusto Alvarenga na sentença.
O Serradão, ao se defender, disse que não obrigou nenhum trabalhador a usar a camiseta amarela e que jamais ofereceu qualquer vantagem para quem votasse em Bolsonaro.
Eneida Desiree Salgado, professora de direito constitucional e eleitoral da Universidade Federal do Paraná, que tem trabalhos sobre a questão do assédio eleitoral, diz que, em cidades pequenas, para cargos como vereador e deputado, é comum que as empresas verifiquem o mapa de votação para saber se, na zona eleitoral do seu funcionário, houve voto no candidato indicado.
"Assim como o voto de cabresto no contexto do fenômeno do coronelismo da Primeira República, o que está em jogo não é apenas a liberdade de um voto. Com a existência do assédio eleitoral, toda a lisura do sistema é posta em risco", afirma.
Um relatório do Ministério Público do Trabalho apontou o recebimento de 3.145 denúncias de assédio eleitoral na disputa de 2022, número que representa apenas a ponta de um iceberg, uma vez que, diante do medo de perder seus empregos, muitos assediados preferem manter o silêncio.
Uma pesquisa feita pelo Datafolha em 2022 registrou que 4% dos eleitores disseram já ter sofrido assédio eleitoral.
O MPT assinou à época da eleição 560 termos de ajuste de conduta com empresas e abriu 105 ações civis públicas. Uma delas foi movida contra a SLC Agrícola S.A, do Piauí, que foi condenada em segunda instância a pagar R$ 100 mil em danos morais coletivos por ter imposto uma escala atípica para dificultar o voto dos trabalhadores no segundo turno. Lula havia obtido mais de 74% dos votos no estado no primeiro turno.
De acordo com a sentença, 34 funcionários foram chamados para trabalhar em uma fazenda, distante dos locais de votação, contra apenas dois nos domingos anteriores. Além disso, a empresa não ofereceu transporte para que eles pudessem se deslocar a tempo de votar. O desembargador Marco Caminha disse na decisão que a empresa "obstou o exercício do voto por parte dos empregados".
A SLC disse à Justiça que não cometeu qualquer ato ilícito e que não tentou cercear o direito de voto. "A escala de trabalho no dia da eleição decorreu da necessidade operacional gerada pelo início do plantio da soja", afirmou.
O mesmo argumento de que "jamais violou a liberdade de seus trabalhadores" foi dado pela empresa Fomentas (MT) em ação na qual foi condenada a pagar uma indenização de R$ 50 mil.
No processo há uma fotografia na qual funcionários seguram uma faixa com a frase: "Fomentas apoia Bolsonaro", bem como mensagens de WhatsApp em que o líder de uma das equipes disse que reuniu funcionários e exibiu vídeos de Lula "falando sobre aborto e sobre defender bandidos e drogas".
A empresa disse à Justiça que, na citada reunião, "não houve pedido de voto". Já a fotografia foi feita por "livre e espontânea vontade", afirmou.