Mandetta: o político que virou técnico para voltar a ser político
por Fernando Duarte

Finalmente chegou ao fim a relação conturbada entre o agora ex-ministro Luiz Henrique Mandetta e o presidente Jair Bolsonaro. Pinçado como um quadro técnico para o Ministério da Saúde – numa Esplanada de notáveis –, Mandetta nunca foi apenas um técnico. Fingia bem até. Foi indicado pelo governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), depois de ter desistido de tentar a reeleição para a Câmara dos Deputados. Tinha tudo para passar despercebido no primeiro escalão, se não fosse uma pandemia. Ao encerrar o período à frente do ministério, Mandetta tirou em definitivo a fantasia de técnico e voltou a ser exclusivamente político.
Os embates públicos com Bolsonaro se intensificaram ao longo das duas últimas semanas. O rascunho da demissão ficava cada vez mais claro e Mandetta quis deixar claro que o ônus da saída dele da pasta deveria pertencer unicamente ao presidente. As divergências envolviam, principalmente, a política de isolamento social e o uso da hidroxicloroquina como salvação da lavoura para a Covid-19. Por trás, não se pode negar que não havia também um quê de vaidade. Mas isso sempre foi bem menor e muito mais fomentado pela teoria de conspiração do chamado gabinete de ódio.
Nas palavras do pesquisador em comunicação e política Wilson Gomes, Mandetta “caiu para cima”. Ao deixar a pasta, ele conseguiu escrever a narrativa de que a demissão dele foi motivada por capricho de Bolsonaro e não por razões técnicas. Ainda que a presidência e o Palácio do Planalto tentem desconstruir essa versão, será difícil fazê-lo sem desgaste. Trocar o ministro da Saúde em meio a uma crise como o novo coronavírus é um risco tão grande que muitos chefes de Estado pensariam muito antes de fazê-lo. E pensar, convenhamos, nunca foi muito padrão de Bolsonaro.
Mandetta sai muito mais próximo da posição de vítima do que de algoz. Mesmo que, ao longo dos últimos dias, tenha perdido a mão no confronto direto com o presidente. Porém perdeu o perfil iminentemente técnico que se esforçou para lapidar após a crise entre ele e Bolsonaro ser instalada. O ex-ministro era político e sempre foi. Fingiu bem até aqui, porém ao sair deixou escorregar bastante essa máscara. Isso é um problema? Não necessariamente. No entanto, é preciso enxergar as diversas facetas desse processo demissionário.
Para o séquito de seguidores, Bolsonaro sai maior do que entrou nessa briga. É difícil fazer esse exercício de futurologia. No entanto, é inegável que Mandetta foi o grande beneficiário nesse embate público. O presidente ficou reduzido a um garoto birrento que ficou insatisfeito com o coleguinha que brilhou mais na apresentação da escola. Talvez seja a síndrome do vereador que quer mandar na República...
Este texto integra o comentário desta sexta-feira (17) para a RBN Digital, veiculado às 7h e às 12h30, e para as rádios Irecê Líder FM, Clube FM, RB FM, Valença FM e Alternativa FM Nazaré.
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