Queiroga e a lua de mel com data de validade
por Fernando Duarte

Até aqui parece haver um acordo de cavalheiros entre autoridades públicas e o novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. Com longa trajetória em sociedades médicas, o ministro herdou uma pasta desestruturada pela incompetência do antecessor, Eduardo Pazuello, alinhada à falta de habilidade na gestão da pior crise sanitária do século. No entanto, isso não pode servir como escudo para blindá-lo de um problema grave que o país vai enfrentar ao longo dos próximos meses: a escassez de vacina.
O voto de confiança de que o novo ministro trará o alento que o país necessita explica a ausência de críticas diretas às falhas de distribuição da vacina. Sabe-se que Queiroga não é o responsável por esse entrave. Durante a temerária gestão Pazuello - que se comportou como um marionete do presidente Jair Bolsonaro -, o Brasil não fechou acordos cruciais para o fornecimento de vacinas, a exemplo das propostas recusadas da Pfizer, e atrasou o andamento de contratos que foram efetivamente levados a cabo, como foi o caso da CoronaVac com o Instituto Butatan. Agora, Inês é morta e quem deveria estar pagando o pato, o sucessor no ministério, segue como “alecrim dourado” no meio político.
É difícil prever até quando assistiremos essa lua de mel entre gestores de outras instâncias e Queiroga. Talvez até o momento em que ficar ainda mais explícito que o titular da Saúde pode até estar com boa vontade, mas vai esbarrar nas limitações impostas pelo chefe, que segue a criticar medidas de distanciamento social e qualquer tentativa de estados e municípios para conter a disseminação do coronavírus. Nessa mesma roleta russa que o ministro se encontra, já passaram outros dois médicos, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, que pediram o chapéu antes de colocar em risco o CRM.
Porém a culpa pelos problemas da vacinação contra Covid-19 no Brasil não são exclusivos do Ministério da Saúde. Há certo represamento de doses por incapacidade de gestores públicos em construir um programa de vacinação efetivo e transparente. Mesmo grandes centros urbanos, a exemplo de Salvador, que possuem infraestrutura e capacidade de aplicação de vacinas, apresentam falhas pela inconstância na entrega das doses. Nos municípios menores, há dificuldades desde a divulgação das faixas de vacinação até a baixa capacidade de gerenciamento das bases de dados. Heranças de um passado em que a saúde pública não era prioridade até que a pandemia estourasse.
Agora em abril, quando começar a cair a ficha que o estrago das falsas promessas de entrega de doses vai acontecer, talvez surja algum tipo de insurgência crítica ao estreante Queiroga. O próprio ministro já reduziu - e muito - as previsões de entrega para o mês e ficará difícil para secretários estaduais e municipais de saúde assumirem o ônus que não lhes cabe. Afinal, quem está na ponta é que terá que lidar com a frustração da falta de vacina. Lembram daquele slogan fajuto de quando muita gente ainda acreditava ser possível sair do fundo do poço? Era “Mais Brasil, menos Brasília”, não? Quando essa conta das vacinas prometidas chegar, não vai ser tão fácil ser malabarista...
Este texto integra o comentário desta quinta-feira (8) para a RBN Digital, veiculado às 7h e às 12h30, e para a rádio A Tarde FM. O comentário pode ser acompanhado também nas principais plataformas de streaming: Spotify, Deezer, Apple Podcasts, Google Podcasts e TuneIn.
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