Diretor do FIDA/ONU no Brasil reforça parcerias na Bahia para geração de emprego e renda no campo
O governo da Bahia anunciou recentemente a expansão do programa de cooperação que possui junto ao Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), com objetivo de promover o desenvolvimento sustentável, a inclusão produtiva e a geração de renda em diferentes biomas do estado. A parceria entre o governo e o órgão da ONU conta com investimentos que ultrapassam o patamar de R$ 1,5 bilhão.
Os projetos do Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola são direcionados em dezenas de países em todo o mundo a pequenos agricultores e empresários rurais, com foco na criação de negócios e empregos lucrativos. Dados divulgados em 2024 estimam que os projetos em andamento do FIDA criaram quase 200.000 novos empregos rurais.
Os programas que fazem parte da parceria entre o governo baiano e o FIDA são focados na agricultura familiar, com promoção de sistemas produtivos resilientes, além de proteção ambiental, segurança hídrica e saneamento. Os investimentos destinados a iniciativas como o Parceiros da Mata e Sertão Vivo buscam beneficiar especialmente mulheres, jovens, povos originários e comunidades tradicionais, como quilombolas e pescadores.
O programa Sertão Vivo, por exemplo, beneficia milhares de famílias em dezenas de municípios do estado, A iniciativa prevê, entre outras ações, a implantação de sistemas de produção agrícola resilientes ao clima semiárido, possibilitando o aumento da produtividade, da renda e da segurança alimentar; a restauração de ecossistemas degradados.
A parceria entre o Fundo da ONU e o governo baiano vem se desenvolvendo com uma atuação de forma integrada para o combate à pobreza e o aumento da produção de alimentos com tecnologias que se adaptam, por exemplo, à região do semiárido. Os recursos da parceria também são voltados à recuperação de sistemas degradados para promover maior resiliência climática, gerando com isso mais renda, qualidade de vida e autossuficiência alimentar para milhares de famílias.
Recentemente, uma missão do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), liderada pela Diretora Regional interina para a América Latina e o Caribe, Bettina Prato, e pelo Diretor País no Brasil, Arnoud Hameleers, esteve na Bahia com o objetivo de avaliar a ampliação da cooperação para novas áreas. A missão do FIDA esteve na região sul da Bahia, onde visitou famílias e associações beneficiadas pelo projeto Parceiros da Mata e CompensAÇÃO, e acompanhou de perto o funcionamento de sistemas agroflorestais produtivos, como na produção de mel liderada por mulheres, além de agroindústrias de chocolate e unidades de beneficiamento de frutas secas.
Arnoud Hameleers lidera o Escritório do FIDA no Brasil e também o Centro de Conhecimento em Cooperação Sul-Sul e Triangular da região. Nessa função, Arnoud desenvolve estratégias e programas, participa do desenvolvimento de políticas e garante a visibilidade da presença do FIDA no Brasil.
Hameleers é doutor em Sistemas Agrícolas pela Universidade de Glasgow, mestre em Saúde Animal Tropical pela Universidade de Edimburgo e bacharel pelo Tropical Agricultural College, na Holanda. Antes de vir para o Brasil, Arnoud Hameleers foi Diretor Nacional do FIDA em Bangladesh, no Paquistão, na Bolívia e em Honduras.
Em conversa com o Bahia Notícias na sede do organismo em Brasília, o diretor do FIDA, Arnoud Hameleers, falou sobre a importância da parceria e das perspectivas de benefícios gerados pelos programas que buscam transformar a realidade de regiões como o semiárido da Bahia. Confira abaixo a entrevista:
BN – Como você avalia a parceria do FIDA com o governo da Bahia, por meio de programas como o Sertão Vivo. Como está sendo essa iniciativa de buscar transformar o semiárido e ajudar a agricultura familiar?
Arnoud Hameleers – Estamos em uma situação em que o clima está mudando, causando problemas, e precisamos adaptar as metodologias na maneira de produzir, na maneira de se viver, e para isto damos incentivos usando o programa Sertão Vivo. Consideramos esse um projeto superinteressante, estimular que haja mais vegetação. Quando há mais vegetação, o clima se melhora, se mantém mais água no solo, para que esses solos sejam mais produtivos, contenham mais matéria orgânica, esse é uma mudança da maneira de se produzir. Temos exemplos de pessoas que produziam em áreas bem pequenas, que eram suficientes para sua família e pequenas vendas, e estamos mostrando que é possível produzir de maneira diferente, mesmo com pouca chuva, mas com isso aumentando a produtividade.
Um dos problemas na agricultura familiar, que estamos trabalhando também para buscar mecanizar esta produção pequena, porque temos constatado que cada vez menos jovens querem permanecer na área rural, por isso existe essa necessidade de mecanizar para que também a agricultura familiar ofereça um futuro a esses jovens. Então estamos trabalhando essa alteração e a conexão com os mercados, e é superinteressante observar que existe uma organização dos camponeses. Vemos que esses trabalhadores do campo são bastante organizados, porém, eles necessitam de um pouco de apoio.
BN – As parcerias também têm como foco ajudar essas famílias a escoarem a sua produção?
Arnoud Hameleers – Sim, consideramos que é muito interessante no Brasil todos esses esquemas onde pequenos produtores acessam os mercados públicos. Junto com programa de alimentos da Nações Unidas, também trabalhamos que esses pequenos produtores podem ser provedores para as escolas, para as instituições públicas, e estamos dando respaldo para isso, porque em muitos países temos visto essas dificuldades para pequenos produtores de cumprir com os requisitos. Entretanto, no Brasil isso está bastante avançado.
De um lado temos produtores de soja, que mandam para todo o mundo, mas também temos um esforço de apoiar o pequeno produtor, de ajudar a conectar estes produtores aos mercados. Não estamos falando apenas de volume, de tecnologia, mas também de um ambiente social sustentável para esta área rural, porque não podemos depender apenas de monoculturas de exportação, necessitamos buscar um ambiente onde tem espaço para pequenos produtores, para outros tipos de produção que usam mais mão de obra, que permite manter as pessoas trabalhando na área rural.
Temos desertos sociais que ninguém pode mais visitar, porque nem há mais tendas, nem há mais gasolina, e isto por fim custou ao estado muitos recursos, porque havia fogo, havia criminalidade, e isto custa muito para manter este ambiente, então é importante que também mantemos gente que produz nesta área rural, que vivam nesta área rural, para manter esta área rural usável para o futuro.
BN - Então neste programa vocês também compartilham tecnologias para que eles possam ter acesso a pesquisas, principalmente de melhoria do solo no semiárido, que é pobre em recursos minerais. É necessária muita ajuda para um melhor preparo desse solo, não é mesmo?
Arnoud Hameleers – Exatamente, estamos buscando esse estímulo. Com a Embrapa, por exemplo, trabalhamos na produção de cabras. Geralmente estimulamos a ampliação de sistemas produtivos em pequenas áreas, e que necessitam também de muita mão de obra. É uma grande vantagem hoje em dia o que temos de tecnologia, para que oferecer assistência técnica até mesmo mais virtual. Temos vários programas que trabalham desta maneira, estabelecendo contatos para uma assistência técnica virtual. E também damos suporte para a melhoria da comercialização desses produtos. Para mim, o exemplo mais interessante é em Bangladesh, nesse sentido. Era possível que se comprasse uma cabra em outro país, e dois dias depois estava em seu porto. Como fazem, não sei. Mas de alguma maneira conseguem fazer chegar rapidamente aos portos. E ainda temos as tecnologias que existem hoje em celulares, que facilitam que os produtores tenham contatos que antes eram muito mais difíceis de se obter.
O que me preocupa no Brasil, especialmente em cidades como Brasília, é que estamos perdendo mercados locais, por conta do crescimento dos supermercados. Esta situação limita as possibilidades principalmente dos pequenos produtores.
BN – Falando dos últimos dez anos de parcerias e programas, como estes que existem na Bahia, foram observados pela ONU avanços na redução da pobreza?
Arnoud Hameleers – Sim, nós investimentos muitos recursos em medir isso. O que vemos especialmente são ingressos. Vemos especialmente que mais jovens estão ingressando nos projetos, porque há essa dúvida: vou estar pobre na cidade ou vou estar pobre no campo? Quando eles enxergam oportunidades para trabalhar e ganhar dinheiro a partir da participação nos nossos programas, eles enxergam um futuro, e isso é algo essencial que vemos. Cada vez mais estamos observando a maior participação de jovens nos programas que estimulamos. E isso me dá esperança, porque eles estão enxergando oportunidades de melhoria de vida, e esses programas são desenhados de maneira que possam corresponder às necessidades também desses jovens.
BN – E como anda a parceria do FIDA com o governo da Bahia e o que esses programas estão proporcionando às famílias beneficiadas?
Arnoud Hameleers – Na verdade temos no FIDA uma combinação de programas nacionais, que apoiam com a comida básica na casa, programas de apoio a pequenas empresas, que existem nos estados, especialmente na Bahia, e da nossa parte, complementamos com esta facilitação parta que esta gente tenha acesso a esses programa, que tenham o seu plano de negócios, e que uma vez que a gente tenha essa capacidade de usar esses programas, estão graduados, porque depois podem acessar o sistema financeiro. Creio que esses programas, portanto, estão permitindo esse empoderamento.
Aqui na Bahia temos tido um resultado muito positivo na parceria com o governo. O governador da Bahia sempre vai visitar nossos programas. Eu estive recentemente visitando o programa com os parceiros, e é impressionante, porque os programas nem tinham sido totalmente implementados, e já tinha os projetos com a garantia dos financiamentos, e isso geralmente acontece apenas depois de um ano.
BN – Então o governador está conseguindo se adiantar para executar os programas e parcerias?
Arnoud Hameleers – Sim, e isso gera essa confiança em atuar junto com o estado, e também havia 60 prefeitos participando da apresentação dos projetos. Como se junta isso? Está havendo uma interiorização desse projeto. Muitas vezes vemos que não há confiança, acontece de termos perda de tempo em estabelecer parcerias, mas no caso da Bahia não foi assim. Fizemos a inauguração e estavam lá os projetos já na mesa, e isso não se vê muitas vezes.
BN – Aproveitando a questão de governo, na gestão anterior, do ex-presidente Jair Bolsonaro, não havia uma pasta, um ministério voltado apenas à agricultura familiar. Agora no terceiro mandato o Ministério da Agricultura foi desmembrado e houve a criação da pasta da agricultura familiar. Como você enxerga as mudanças da gestão anterior para esta atual?
Arnoud Hameleers – Por um lado não podemos negar que existe essa grande agricultura, que tem gerado um avanço enorme para o país. Mas é preciso destacar o estímulo desse governo a encontros como o que aconteceu há poucas semanas, com mais de 30 ministros de agricultura da África. E temos a visão desse governo de que é preciso mirar outros aspectos da produção, como o caso da agricultura familiar. Temos uma maior atenção com serviços locais, com sistemas produtivos voltados a pequenas áreas, acesso a mercado em maneira diferente, com maior apoio à mecanização voltados a pequenos produtores. Com o Embrapa, por exemplo, fomos visitar e eles nos falaram da agricultura familiar. Esse é um sistema muito mais integral, em que um sistema depende de outro, um cultivo em que a produção animal apoia a produção de plantas, é muito mais ecológico, já que permite uma boa interação entre os sistemas.