Modo debug ativado. Para desativar, remova o parâmetro nvgoDebug da URL.

Usamos cookies para personalizar e melhorar sua experiência em nosso site e aprimorar a oferta de anúncios para você. Visite nossa Política de Cookies para saber mais. Ao clicar em "aceitar" você concorda com o uso que fazemos dos cookies

Marca Bahia Notícias
Você está em:
/
Entrevistas

Entrevista

“Estão sendo usadas para amplificar o pânico”, diz especialista sobre a função das redes sociais nos ataques à escolas - 17/04/2023

Por Leonardo Almeida

“Estão sendo usadas para amplificar o pânico”, diz especialista sobre a função das redes sociais nos ataques à escolas - 17/04/2023
Foto: Acervo Pessoal

Na semana passada, a população baiana entrou em estado de pânico após a disseminação de diversos ataques à escolas ao redor do estado. As redes sociais tem sido uma ferramenta fundamental para a organização de supostos atentados e também para a ploriferação do terror na população. O Bahia Notícias conversou com um especialista na utilização da internet, João Senna, que é pesquisador com bolsa de pós-doutorado no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD) e mestre em Comunicação e Culturas Contemporâneas na Universidade Federal da Bahia, para compreender o fenômeno.

 

Senna explicou que a internet tem sido utilizada de duas formas diferentes: para a criação do estado de pânico na população; e para a disseminação de diversos ataques para maquiar os verdadeiros atentados planejados. Além disso, ele afirmou que há uma certa correlação entre a comunidade de jogos eletrônicos com os fóruns de organizações de atentados.

 

“O clima de pânico é interessante para eles porque elas acreditam que isso é bom. Algumas pessoas estão fazendo isso de brincadeira, porque acham isso divertido, mas outras pessoas podem achar que tem ganho político nisso, e outras querem fomentar atentados de verdade. Existe uma forte ligação desse pessoal com a cultura dos jogadores de games, você tem uma certa finalidade da criação desses grupos e você teve de alguma maneira o crescimento desse submundo perto desse tipo de comunidade”, explicou Senna.

 

Em relação à prevenção contra futuros ataques nas escolas brasileiras, o pesquisador afirmou que é preciso a criação de um grupo de inteligência para realizar as investigações de imediato, alinhado com um investimento no desenvolvimento social.

 

"Você precisa de um trabalho de inteligência, você precisa de acompanhamento de grupos de interesse. Então a comunidade de inteligência precisa estar dentro desses grupos de alguma maneira, com agentes infiltrados. Isso é um problema global, a ideia, principalmente, de que os homens jovens estão sentindo cada vez menos esperança, que acham que o mundo não tem lugar para eles e por isso seria preciso se vingar. Você precisa construir um lugar para essas pessoas e dar espaço para elas”. Veja a entrevista completa:

 

Foto: Tiago Ghizoni / NSC

 

Temos um certo clima de terror e incertezas acerca das ameaças de ataques nas escolas. Como que as redes sociais têm colaborado para a divulgação desses ataques e a fomentação do clima de terror?

É um caso separado em duas partes diferentes. Primeiro caso, as redes não são simplesmente redes sociais, são comunidades da internet que usam determinados sites e plataformas, e tem comunidades de todo tipo. São comunidades que a gente chama de red pill, são pessoas que possuem ódio de “pessoas normais”. Eles utilizam o discurso de que o mundo foi roubado deles, não é necessariamente assim novo, mas se ganhou mais comunicabilidade com as redes sociais. Antigamente era muito difícil encontrar pessoas que conheciam isso, mas ganharam força com as redes. Os red pills ganharam na virada do início do século XXI e foram aumentando. A primeira forma que a internet colabora é que ela tornou mais possível que as pessoas se organizassem e tornou mais fácil se encontrar e distribuir esse tipo de discurso. Você vai ter grandes influenciadores digitais desse tipo de mentalidade, tanto da parte do fenômeno específico, que é da parte das escolas, como outras vertentes, como, por exemplo, o pessoal te ensinado a “pegar mulher”. Por exemplo, existe um influenciador norte-americano que é estudado que fala que seus seguidores são fracos, que é preciso ser mais masculino, que é preciso se usar a mulher e não pode ser fraco em nada. O segundo passo é o que: você teve um aumento no número de ameaças, então o que você está tendo agora é a tentativa de disseminação de pânico. O que você tem são pessoas que não tinham relação com isso, mas que, talvez, tenham alguma proximidade da lógica e que também queiram causar pânico, estão utilizando desse tema para multiplicar as ameaças e o clima de tudo pode acontecer. Você tem pessoas mal intencionadas que querem que você tenha pânico com isso. O clima de pânico é interessante para eles porque elas acreditam que isso é bom. Algumas pessoas estão fazendo isso de brincadeira, porque acham isso divertido, mas outras pessoas podem achar que tem ganho político nisso, e outras querem fomentar atentados de verdade. O que tem que se ter na mente é que as pessoas tem interesse nesse clima de pânico.Você tem claramente também a tentativa de obscuração, de aumentar as ameaças para dificultar a dificultação dos reais ataques. Podemos dizer que está tendo o uso das redes sociais para amplificar o pânico.

 

E quais são as pessoas que, normalmente, adentram nessa comunidade red pill?

Normalmente as comunidades são, predominantemente, masculinas, jovens e voltadas para o público não tão bem ajustado assim. Você tem sempre ligações com o pessoal que está na beira do que é considerado normal. Então hoje a gente fala muito de gamers, consumo de música específico, esse pessoal sempre circulou esses esses ambientes. Eles foram ganhando o nome, a gente chama hoje de red pills, o pessoal que descobriu que o mundo mentiu para ele e quer vingança do mundo. Existe uma forte ligação desse pessoal com a cultura dos jogadores de games, você tem uma certa finalidade da criação desses grupos e você teve de alguma maneira o crescimento desse submundo perto desse tipo de comunidade. Tem um caso clássico dos Estados Unidos que é o GamerGate, que foi uma comoção que um site de review de jogos, um site de subcultura de jogos, era “feminista demais” e estava fazendo resenhas para jogos de pessoas trans, de mulheres e etc, e que isso estava de alguma maneira diminuindo a integridade do hobbie, da comunidade de jogadores. Aí você tem uma percepção de quando esse submundo começou a aparecer e frequentar a política e tudo mais. O GamerGate foi um dos espaços de treinamento das táticas que a extrema-direita americana usou na eleição de Donald Trump. Boa parte das lideranças que surgem, ganham força e descobrem que possuem táticas muito eficientes durante esse caso.

 

Esses ataques eram mais comuns nos Estados Unidos, já tivemos diversos casos por lá, até pela facilitação do acesso ao porte de armas. O que a gente busca entender é porque essas ameaças têm crescido tanto aqui no Brasil, principalmente agora neste ano.

Esse tipo de atentado no Brasil é mais raro do que nos Estados Unidos, mas tem se tornado mais comum na última década e meia. Eles nunca foram uma coisa completamente nova, a gente teve casos mais antigos nos anos 90 e no começo dos anos 2000. Mas a gente nunca teve um conjunto para uma escalada como agora, então o que parece é que você está tendo a união de diversos, um clima social propício e pessoas que parecem que querem reverberar esse tipo de discurso. Por que as pessoas estão criando esse tipo de clima? Por um lado elas querem disseminar o pânico e por outro lado elas querem dificultar que você identifique quais são as ameaças reais e quais são as ameaças não reais. É difícil a gente afirmar que não existe risco algum, porque é complicado dizer que não pode ter um ataque. 

 

Nós já tivemos algumas medidas tomadas pelo governo federal, entre elas, a remoção de conteúdos que disseminem os ataques às escolas nas redes sociais. Você acredita que, para pelo menos remediar a situação, a regular a divulgação desse tipo de conteúdo seria a melhor medida para se ter agora?

Sim, mas vamos por partes. O que estamos tendo aqui é uma situação de emergência, situações de emergência você adota as medidas mais plausíveis e mais factíveis para serem feitas rapidamente. Então a retirada desse tipo de conteúdo é bom, mas a retirada do conteúdo dos locais públicos da internet, como o Twitter, por exemplo, faz parte da tentativa de gerar pânico. O que você não quer é que tenha várias pessoas postando esse conteúdo, aumentando o alcance disso. Isso não ataca as causas do problema, mas o poder público não pode ficar sem fazer nada. Você tem uma segunda coisa para resolver, essa medida do governo não resolve os espaços privados onde essa informação circula, fóruns privados, canais do Discord, são lugares onde nem sempre é fácil você checar a informação, isso exige um outro tipo de trabalho, um outro tipo de acompanhamento que não dá para fazer por liminar, ou por Medida Provisória. Eu entendo que o poder público está em uma situação difícil, que ele precisa fazer algo, e essa é uma tentativa de coibir a reverberação desse tipo de conteúdo, mas ele não necessariamente é eficiente em impedir ações. A gente não faz a mínima ideia do que é real e do que não é nisso, tem muito conteúdo sendo espalhado, mas, das ações que o governo pode tomar imediatamente, é a melhor que ele poderia fazer. A efetividade disso para coibir os ataques de verdade é outra situação. É uma situação diferente da americana, lá você tem muitas etapas, a pessoa sai de casa, compra uma arma, compra munição e vai para a escola, você tem etapas na cadeia. A pessoa não está simplesmente em um fórum falando coisas, pega uma faca e vai para escola. Aqui a gente está nessa situação complicada porque não parece que são ataques que os alunos planejaram por muito tempo, é muito difícil você coibir um ataque que uma pessoa pega uma arma e vai, não necessariamente terá sinais anteriores. Em suma, o que o governo está fazendo é bom para diminuir o pânico. É algo que é preciso fazer, mas que não dá para dizer que isso termina o problema.

 

As redes já foram utilizadas para o recrutamento por grupos terroristas, até para fazer ataques específicos. Também houve a situação da Baleia Azul, que fomentava a morte autoprovocada por jovens. Com esse histórico de situações, quais são as medidas que podem ser tomadas para prevenir novas ocorrências desse gênero?

É uma pergunta complicada, mas que tem relação com diferentes formas de ação do poder público. A primeira coisa é: quando você fala do uso das redes sociais por grupos terroristas, ou por disseminadores de discurso de ódio, isso você pode coibir fazendo com o que está sendo feito agora, você derruba o conteúdo e impede a divulgação desse conteúdo em locais públicos, se impede o aumento do alcance. A parte dois é: você precisa de um trabalho de inteligência, você precisa de acompanhamento de grupos de interesse. Então a comunidade de inteligência precisa estar dentro desses grupos de alguma maneira, com agentes infiltrados, com pessoas que participaram e saíram, então é um outro tipo de trabalho. Você não tem como simplesmente dizer que ninguém pode fazer tal coisa, você não pode proibir uma ação, não posso proibir as pessoas de usarem internet. O que pode ser feito é estar lá, monitorar o discurso de perto, e se tiver algum tipo de atitude que acredito que seja suspeita, agir. O terceiro é o trabalho mais difícil, que é a ideia de se fomentar outros tipos de atitude. É o mais complicado de todos porque você precisa dar com as pessoas que seriam possivelmente os alvos desse tipo de discurso outras saídas. Isso é um problema global. A ideia, principalmente, de que os homens jovens estão sentindo cada vez menos esperança, que acham que o mundo não tem lugar para eles e por isso seria preciso se vingar. Você precisa construir um lugar para essas pessoas e dar espaço para elas. Esse seria um trabalho social longo que precisaria ser feito. Grupos de inteligência e regulação dos conteúdos, eu imagino que o governo já deve estar fazendo. Um outro problema também é: quando se tem um ataque, isso sempre gera mais incentivos para se ter um outro ataque. O que a gente pode fazer agora é trabalhar para diminuir o estado de pânico, tomar precauções para que os discursos não sejam amplificados. O pânico gera não só nas pessoas que seriam vítimas, como os casos em Salvador das crianças levando armas brancas para se defender na escola, como também nas pessoas que se aproximam do discurso red pill, pois eles pensam que fazendo isso eles teriam mais atenção, se eu fizer isso eles vão conseguir o que querem. Estamos passando agora pelo pico da crise, acredito que com a passagem do dia 20, que é a maior data para se espalhar os rumores de ataques, eu acredito que isso vá começar a diminuir. Mas isso a gente não tem como falar em relação aos ataques reais planejados.