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Entrevistas

Entrevista

Fábio Vilas-Boas cita assimetrias na saúde no Brasil, mas pondera: "Há vontade de corrigir" - 19/01/2009

Por Lucas Esteves

 

Por Lucas Esteves - Fotos: Ana Paula Macedo

Bahia Notícias - Fale-nos um pouco sobre o seu currículo e experiência profissional.

Fábio Vilas-Boas - Eu me formei em 1990, na Universidade Federal da Bahia, na Faculdade de Medicina, depois fui para São Paulo, onde eu fiz residência em clínica médica no Hospital das Clínicas, da Universidade Estadual de São Paulo, mais dois anos de residência em cardiologia no Instituto do Coração (InCor), depois quatro anos de Doutorado em cardiologia também lá no InCor. Então voltei para a Bahia, assumi o serviço de cardiologia do Hospital Aliança, onde trabalhei durante doze anos e há dois anos me mudei para o Hospital Espanhol onde coordeno a cardiologia daqui.

BN – E por que decidiu ser justamente médico e não qualquer outra profissão?

FVB – Esta pergunta é muito interessante, porque freqüentemente, quando fazem esta pergunta, as pessoas vão dizer que querem ser médicos porque querem ajudar as pessoas e tal. Na verdade, o que a psicologia médica mostra é que sempre tem uma doença na família que influencia a decisão da pessoa em ser médica. De fato, comigo aconteceu isto. A minha avó tinha um problema cardíaco e meu pai também. Então acho que, pelo visto, isto influenciou a minha decisão de me tornar médico e especificamente cardiologista.

BN – E qual era o seu sonho infantil? Muita gente acalenta este sonho de criança de ser médico...

FVB – Na verdade, o meu sonho de criança era ser engenheiro genético. Eu queria fazer Bioengenharia. Queria mexer com genes, com esse tipo de coisa. E, quando eu estava no (colégio) Antônio Vieira, no (antigo) segundo grau, eu conheci um geneticista alemão e ele me disse “faça Medicina. Em Medicina você pode fazer esse tipo de coisa”. Então eu comecei também achando isto. E o curso da minha carreira médica, eu desenvolvi uma linha de pesquisa toda voltada para este tipo de sonho da minha infância. Então o mais próximo que eu poderia chegar (deste sonho) como médico era mexer na parte molecular da medicina, da cardiologia. Então comecei a desenvolver uma linha de pesquisa com substâncias anti-inflamatórias, com moléculas anti-inflamatórias em Doença de Chagas, que são as chamadas “Citosinas”. Então esta linha de pesquisa ganhou alguns prêmios nacionais e internacionais. Depois surgiu a linha de pesquisas com células-tronco, que também nós somos pioneiros no mundo em desenvolver, aqui na Bahia, no Hospital Santa Izabel, em parceria com a Fiocruz, onde eu sou pesquisador também. E esta linha começou em 2002 e a gente publicou alguns trabalhos e fizemos a primeira experiência do mundo com transplantes de células-tronco em indivíduos com Doença de Chagas.

BN – Como é possível dividir dias tão curtos entre os trabalhos com atendimento médico e pesquisa? O senhor mais atende ou mais pesquisa?

FVB – Eu atendo mais. O desafio, o ideal da medicina se situa em um tripé, que é assistência, que é atender pacientes, pesquisa e ensino. O ideal de um serviço médico e de um médico é atuar nas três áreas. É muito difícil você dominar tudo, acaba sempre um deles sendo mais sacrificado. Eu sou um clínico que faço pesquisa e que tenho uma atuação e uma educação continuada bastante forte.


BN – E como divide isso durante a semana?

FVB – (Risos) É complicado. Às vezes a família acaba sofrendo por conta de viagens e tudo o mais. Então eu tenho os meus horários de consultórios, os meus horários de atender pacientes, os meus horários de atender pacientes de pesquisa e os projetos de pesquisa que a gente anda desenvolvendo aqui no hospital no dia a dia. Você tem que gerenciar muito bem seu tempo e um dos segredos é nunca deixar para amanhã o que você pode fazer hoje. Senão, acaba embolando.

BN - E qual a diferença dos atendimentos normais para os atendimentos de pesquisa?

FVB – O paciente que se interna no hospital, o paciente que é atendido no consultório, se ele for um paciente elegível para um protocolo de pesquisa, ele vai ser convidado a participar de um projeto. Vai assinar um termo de consentimento e esclarecido por meio do protocolo. Ele entende que vai ser parte de um estudo. E aí ele entra em um estudo onde serão feitas uma série de observações clínicas, uma série de exames complementares. Quando se trata de intervir com alguma droga ou algum tipo de cirurgia ou procedimento, às vezes um grupo recebe uma droga e outro grupo recebe o placebo (pílulas de supostos remédios que na verdade são apenas substâncias sem efeito algum) e você observa a reação do paciente. A diferença é que o doente que entra no protocolo de pesquisa, ele é tratado muito mais freqüentemente, por múltiplos profissionais. Ele é visto por médicos de pesquisa, por enfermeiros de pesquisa, tem exames que não seriam feitos na rotina habitual, e acaba sendo mais bem acompanhado dentro de um protocolo de pesquisa do que em uma rotina habitual. e é por isso que as pesquisas tem que ter grupos de controle controlados com placebo, porque existe um viés de acompanhamento de pesquisa. Todo indivíduo que é acompanhado em uma pesquisa tende a evoluir melhor do que o indivíduo acompanhado na rotina comum. A enfermeira liga e pergunta “por que é que você não veio?”, essas coisas. Então, geralmente o paciente de pesquisa fica um pouquinho melhor do que o de rotina.

BN – E este paciente é melhor tratado inclusive na qualidade do atendimento?

FVB – Não é na qualidade, mas você checa uma série de coisas que obrigatoriamente não checaria em uma rotina habitual. Está sempre buscando algum efeito colateral de alguma medicação, qualquer cosia que aconteça de inesperado. Digamos que você tenha tido uma queda. Durante o protocolo de pesquisa você tropeçou e caiu em uma escada. Isto, para mim, é um evento adverso. Você pode ter caído porque o remédio tenha lhe deixado tonto, e por isto você caiu. Tudo é investigado de forma minuciosa durante um projeto de pesquisa, e estes projetos são muito rigorosos, são projetos internacionais, que envolvem milhares ou dezenas de milhares de pacientes do mundo inteiro, e a responsabilidade de acompanhamento deles é muito grande.

BN – O senhor falou anteriormente sobre a pesquisa baiana com células-troco em Doença de Chagas ser pioneira. Como ela começou e como está atualmente?

FVB – Começou em um laboratório com camundongos do professor Ricardo Ribeiro dos Santos, na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) da Bahia. A gente começou testando transferência de células tronco de medula óssea de camundongos para camundongos infectados com tripanosoma-cruzi e observou que havia uma redução importante na inflamação e de fibrose entre os camundongos transplantados. Aí a gente submeteu à aprovação da Comissão Orçamentária de Projetos de Pesquisa do Ministério da Saúde, em Brasília, e depois de um ano de idas e vindas, de vários debates, eles aprovaram esta pesquisa pioneira e nós fizemos 28 caso no Hospital Santa Izabel que acabaram permitindo que iniciasse um linha de pesquisa nacional patrocinada pelo Ministério da Saúde com 300 pacientes de Chagas e que está em andamento. Hoje ela é desenvolvida no Santa Izabel e em mais 20 centros do país.

BN - Em quais outros projetos o senhor trabalha?

FVB – Todas as nossas linhas de pesquisa são sempre relacionadas a inflamação e insuficiência cardíaca. Como eu havia mencionado, eu tinha interesse histórico nessa parte molecular. Hoje, nós tentamos corrigir certos problemas alterando alterações genéticas, modificando genes. Eu acredito que o futuro da cardiologia está em se testar drogas que influenciem a modificação da expressão gênica. Eu tento desenvolver uma linha de pesquisa que viva neste limiar do conhecimento médico.

BN - A morte por doença cardíaca é a maior causa de morte de seres humanos no mundo. Por que isto acontece?

FVB – Tudo é totalmente dependente do estilo de vida moderno. A partir do momento em que você deixou de ser um caçador e passou a cultivar alimentos e ter alimentos em fartura, a programação genética do organismo de acumular gordura para um momento de escassez perdeu o sentido. Se você tem todo dia uma fartura de alimentos, todo dia você come mais do que precisa gastar, você vai acumular gordura. O corpo acumula, acumula, acumula e depois de 10, 20 anos acumulando gordura, esta gordura vai para algum lugar. E acaba indo para as artérias, para o coração, para o fígado, os músculos, e isto desencadeia uma série de alterações metabólicas que terminam por promover um processo chamado arteriosclerose, em que há uma deposição de gordura nas artérias do coração, um processo inflamatório, essa artéria rompe, promove o infarto e o indivíduo morre. Quando não é no coração, é no cérebro.

BN – E alterar a genética seria uma solução para isto ou seria melhor se as pessoas se cuidassem melhor? A genética pode deixar o órgão mais forte?

FVB – A gente ainda está muito longe de modificar genes para corrigir problemas de arteriosclerose. O que se sabe hoje, no começo do século XXI, é que existem uma série de condições que predispõem um indivíduo a ter doenças cardiovasculares. Este é um conhecimento até bastante recente, da década de 70. Até então ninguém sabia que fumar fazia mal, pressão alta, coisa e tal. Então você sabe que indivíduos que tem hipertensão, diabetes, colesterol alto, HDL baixo, hipertensão, histórico familiar de doença coronariana, são obesos, sedentários, são indivíduos que tem uma chance maior de ter problemas cardiovasculares. E quanto mais fatores de risco você soma, maior é o risco.

BN – O senhor tem reconhecimento nacional e internacional e certamente já recebeu muitos convites não só para deixar a cidade e o estado, mas também o país. Por que resolveu ficar em Salvador?

FVB – Quando eu terminei a minha formação em cardiologia, estava muito claro que eu queria vir para a Bahia. Eu tenho uma família aqui. Isto é uma coisa bem baiana. Baiano dificilmente fica fora da Bahia. A maioria dos médicos que vai fazer treinamento fora da Bahia volta para a Bahia. É diferente de médicos de outros estados. Existe um apego com a terra e eu sou baiano. Tenho família aqui, apego e acredito que você tendo determinação você consegue modificar seu meio. A medicina e a pesquisa que eu faço aqui tem a mesma qualidade em qualquer lugar do mundo. Só depende de você querer e ter vontade de fazer. Você pode pegar um serviço de cardiologia que não existia, como é o caso aqui do Hospital Espanhol, é possível você pegar do zero e fazer uma coisa que se torne referência em outros países do mundo. Só depende de você querer fazer. Não existe uma limitação estrutural no Brasil que impeça você de fazer uma medicina ou pesquisa de um bom nível. A Fiocruz tem vários centros de pesquisa em todo o Brasil. A Fiocruz da Bahia é provavelmente a melhor do Brasil. Ela importa cérebros de outros estados, são pessoas que vem do Rio, São Paulo, Rio Grande do Sul, que vem para trabalhar e morar aqui, por causa da qualidade da estrutura que a gente tem montada lá.

BN – Qual a história do serviço de cardiologia do Hospital Espanhol?

FVB - Aqui não tinha um serviço de cardiologia até dois anos atrás. Este era um hospital geral, sem serviços estruturados, e há três anos o hospital decidiu que queria ter um serviço de cardiologia, e um serviço forte. Me fizeram o convite, eu estava trabalhando havia 12 anos no Hospital Aliança e pedi demissão do Aliança e vim montar o serviço aqui. A gente começou estruturando desde a emergência, hemodinâmica, cateterismo cardíaco, UTI cardíaca, serviço de atendimento em ambulatório, teste de esforço, eletrocardiograma, cirurgia cardíaca, estas coisas todas. Conseguimos agora o cadastro para fazermos transplante cardíaco aqui no hospital. E hoje nós temos todos os reforços de investigação diagnóstica e tratamento que possam existir na medicina. Talvez aqui seja o único lugar em que você encontra tudo em um hospital só. Aqui tem todos os recursos de propedêutica, de tratamento para cardiologia que possa haver em qualquer hospital do mundo.

BN – E qual foi o diferencial para, em tão pouco tempo, ser tão referencial?

FVB - Primeiro foi a determinação de querer fazer um serviço e isto envolve a determinação da diretoria do hospital, que deu apoio irrestrito para que eu pudesse fazer o que fosse necessário para o hospital crescer na cardiologia. E como o projeto foi bem ambicioso, as pessoas acreditaram no projeto em outros hospitais e começaram a se desvincular de outras instituições e vir para cá. Então virou um pólo de atração de profissionais de alto nível em Salvador e hoje a gente tem uma equipe composta por pessoas de um renome local e nacional importantes. Hoje nós somos um celeiro de cardiologistas experientes na Bahia e a perspectiva é a de atrair ainda mais com a inauguração do novo centro médico, em maio.

BN – Qual a rotina de um centro de cardiologia?

FVB – Existe a parte ambulatorial, que é a parte de marcação de consultas e exames, que funciona de segunda a sexta e sábado de manhã, no horário normal, das 7h30 a 19h. E existe a UTI cardíaca e emergência cardiológica. Nesta, Nós somos um dos únicos hospitais de Salvador a ter uma unidade de dor torácica, onde o paciente entra e sai com um protocolo e caso ele não tenha indicação de internar, ele só recebe alta depois de fazer um teste de esforço na emergência. O paciente só sai do Hospital Espanhol com a certeza de que ele não vai ter um evento cardíaco nas 48h após a alta. E se ele precisar de alguma intervenção a gente dispõe de angioplastia 24 horas. Existe um esquema de sobreaviso em que o médico é acionado de madrugada. Ele vem e faz o cateterismo cardíaco, se estiver entupido, desentope. Se precisar de cirurgia cardíaca a qualquer hora do dia ou da semana, o cirurgião cardíaco está de sobreaviso 24 horas.

BN – os leitores do Bahia Notícias acompanham atualmente a condição do radialista Mário Kestész, que após fazer uma cirurgia no coração perdeu a voz e ainda não a recuperou. Qual a relação deste tipo de intervenção com a região vocal?

FVB – Não existe relação direta. O que existe é que em todas as cirurgias, as de grande porte, você faz a colocação de um tubo na garganta, na traquéia, e na porta da traquéia tem as cordas vocais. Então às vezes a colocação do tubo na traquéia machuca um pouco as cordas vocais, as deixa inflamadas e isto demora um pouquinho de desinflamar. Mas isto não é capaz de deixar ninguém sem voz para sempre. É apenas uma complicação eventual de toda ação traqueal, não é da cirurgia em si.

BN – Para o senhor, como andam as políticas para a saúde tanto no âmbito municipal quanto no estadual?

FVB – Eu acho que a saúde no Brasil ela apresenta muitas assimetrias. Você tem estados da federação em que o programa de assistência pública da saúde funciona bem, outros em que funciona razoavelmente e alguns onde ele ainda está muito aquém do desejável. A Bahia, por ser um estado mais pobre que São Paulo e Rio Grande do Sul, que são estados onde as cosias funcionam de forma mais organizada, ainda tem um sistema de saúde muito incipiente. Percebo que nos últimos anos há uma vontade de se corrigir isto. Há uma vontade política de priorizar a saúde como alguma coisa fundamental para garantir a cidadania. Percebo que existe, que a gestão atual, da Secretaria Municipal da Saúde, é muito boa, é muito bem intencionada, e que está colhendo frutos positivos. Penso que a Secretaria Estadual de Saúde no começo teve algumas dificuldades,mas acho que já se encontraram, e a perspectiva nestes próximos anos várias falhas iniciais sejam corrigidas e que as coisas continuem em um caminho de melhora progressiva. Em relação ao município tem um conflito de interesses porque o secretário de Saúde é cardiologista (risos). Mas, independente dele ser um cardiologista, ele tem uma capacidade de liderança e de delegar e cobrar resultados que ultrapassa o fato de ele ser médico. Ele é um indivíduo que é um administrador, que tem capacidade de cobrar e perceber as coisas. Então acho que a perspectiva é de melhora. Falta muito, falta dinheiro, infelizmente nós somos um país pobre. Para se ter uma idéia, a Espanha gasta mil Euros por pessoa na Saúde. O Brasil gasta 200. Nós não somos cinco vezes menos doentes. Talvez sejamos até mais, mas gastamos cinco vezes menos. Então você vê claramente que não tem como oferecer a mesma medicina que oferece num país rico. Uma coisa é um estado rico. São Paulo tem cinco vezes mais recursos de PIB que a Bahia. Então, o que nós temos hoje no nosso estado é uma população pobre que depende muito do governo e um estado pobre que não tem condições de oferecer o que é bom para a população.

BN – A pesquisa pode ser um atalho para a superação destes problemas estruturais. É possível desenvolver métodos alternativos de tratamento para driblar a falta de recursos?

FVB – isto pode minorar, mas nunca vai ser a solução. A solução ideal para um lugar pobre é investir em prevenção, em assistência básica, primária, para evitar que o indivíduo venha a adoecer. O que acontece com o Brasil de uma maneira geral é que as populações mais pobres não tem acesso ao médico e quando tem, não tem acesso ao remédio. Aí não controla a pressão, não controla o colesterol, e aí tem um AVC. Vai para o hospital, e isso gera um custo muito mais alto, isto quando não fica sequelado. Eu acho que para populações pobres como a nossa, a grande saída é investir em programas de saúde da família, atenção básica, programas de controle medicamentoso com enfermeira fiscalizando a tomada de medicação. Com um programa desse de saúde ampla seja mais eficaz do que investir em hospitais. Mas faltam também hospitais. A sensação é de que falta tudo. Falta atenção básica e faltam hospitais. Mas isto nãos e faz de uma hora para outra.

BN – E qual fazer primeiro? A atenção básica ou o hospital?

FVB – Isto é uma decisão do gestor. (O ex-ministro da Saúde) Adib Jatene disse que fazer um hospital é fácil. Você pega R$ 50 milhões e faz um hospital. Só que você gasta outros R$ 50 milhões por ano para manter aquele hospital funcionando. Se você faz 10 hospitais, vai precisar de R$ 500 milhões por ano para manter aqueles hospitais funcionando. É preciso viabilizar isto de alguma forma. Porque dinheiro não brota, não é? Medicina é uma coisa cara e a sociedade precisa repensar a medicina que quer e a forma de financiar. Se fosse fácil, tenha certeza que as cosias estariam funcionando.

BN – O contingente de pessoas que querem entrar para as faculdades de medicina, ao mesmo tempo em que o número de profissionais que são formados todo ano, é muito grande. O senhor acha que o Brasil já tem médicos demais?

FVB – O país tem menos médicos do que precisa. Na verdade, se você for olhar a relação de médicos para a população, ela está adequada. Mas está mal distribuída, porque a própria população é mal distribuída. Hoje, o Brasil é um país urbano. E você não tem como obrigar um médico a morar em uma cidade que tem 10 mil habitantes se não tem nenhuma estrutura de vida para ele. Ele não vai querer morar ali. Diferente de países da Europa ou dos próprios Estados Unidos, onde qualquer comunidade de 10 mil pessoas em uma policlínica com dez médicos que atendem aquela população. Uma comunidade de 10 mil habitantes no Brasil é totalmente dependente do governo. Não tem uma única alma ali que tenha um plano de saúde para manter uma clínica funcionando. Então o governo tem que financiar isto, como manter um médico ali. Você pega o jornal hoje e tem ali um anúncio de uma cidade oferecendo R$ 7 mil para o médico ir para Abaíra. O médico vai e acontece, como acontece em vários casos, de o prefeito dar cano. Ele paga duas, três vezes, depois não paga mais. Existem médicos suficientes, está mal distribuído. Mas você não pode obrigar por decreto o médico a ir para o interior. E não adianta dobrar o número de vagas em escolas médicas para poder saturar a região, porque senão cria um bocado de médicos proletários na cidade e eles vão continuar sem querer ir pro interior. O certo é se criar condição pra poder trabalhar naquele interior. Pagar bem e dar uma estrutura adequada pra ele poder fazer a medicina, e aí a gente volta a outra questão: ter dinheiro para poder fazer isto.

BN – O senhor recomendaria a alguém viajar para ser médico no interior?

FVB – Depende da cidade. Se você tiver uma prefeitura com uma intenção de fazer um programa de assistência médica bem-ambientado, garantir remuneração adequada pra esse medico, é possível você fazer esse médico ir para o interior. Uma idéia que eu acho que o governo poderia fazer é obrigar todo médico que termina a formação numa universidade pública a ficar um ano prestando serviço à comunidade do interior. Estruturaria policlínicas no Programa Saúde da Família, clínicas pequenas, dar uma casa para o médico, uma casa para a enfermeira, do lado da clínica, e dizer para ele “olha, você ficou seis anos estudando de graça medicina, então agora você vai ficar uma no atendendo a população, recebendo um salário, mas com compromisso de atender a população do interior”. Isto é um modelo que funcionaria. Isto é uma coisa que se eu estivesse na liderança, eu apostaria.

BN – o que o senhor tem para dizer a quem está pensando em fazer medicina no vestibular e para quem está prestes a terminar o curso?

FVB – Acho que medicina é uma profissão fascinante e capaz de fazer as pessoas se realizarem de diferentes formas no ponto de vista profissional. Então é uma profissão em que existe mercado de trabalho, é uma profissão em que as pessoas que tem determinação conseguem ter oportunidade de ter retorno financeiro, de realização pessoal e é uma profissão em que o indivíduo nunca estará desempregado. Ele pode não estar tão bem remunerado quanto ele gostaria, ma sele nunca vai estar desempregado, porque sempre vai surgir uma oportunidade de fazer um trabalho, dar um plantão aqui e ali. Então acho que e uma profissão boa.

BN – Vale a pena ser médico na Bahia?

FVB – vale a pena ser médico em qualquer lugar do Brasil. A gente torce que a situação econômica do nosso país melhore para que isso se reverta em mais recursos para a saúde para que a gente possa atender melhor a população. Eu acho que o Brasil hoje é um país muito mais rico do que era há 30 ou 40 anos atrás. E a gente percebe a melhoria da capacidade de se resolver os problemas da saúde muito mais evidente do que era há 20 anos. Os recursos são mais facilmente aplicáveis. Você tem filas de espera, como tem na Europa, mas você consegue dar um encaminhamento de uma situação grave na nossa população. Não com tanta facilidade como poderia ser. Não com tanta universalidade. O SUS é um sistema que no papel é muito bonito, mas que carece de recursos para ser aplicado na forma como está descrito. Tenho convicção de que a melhoria do sistema de saúde passa por garantir maiores recursos para fazer com que o SUS funcione. Todo gestor tem boa vontade. Todo gestor quer fazer com que o SUS funcione, mas ele sempre empaca na questão da falta de recursos. Não é porque o governador não quer dar dinheiro, nem que o prefeito não queira dar dinheiro. Nós é que somos um país pobre.