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Entrevista

Pretas por Salvador enfrentam resistência de 'bancada fundamentalista' na Câmara, ressalta Laina - 19/07/2021

Por Ailma Teixeira

Pretas por Salvador enfrentam resistência de 'bancada fundamentalista' na Câmara, ressalta Laina - 19/07/2021
Foto: Reginaldo Ipê / Carlos Alberto

Primeiro mandato ou mandata coletiva na Câmara Municipal de Salvador (CMS), as Pretas por Salvador (PSOL) enfrentam a resistência imposta pela formação de uma "bancada fudamentalista" na Casa. Como exemplo, a representante da mandata, a vereadora Laina Crisóstomo cita projetos como Escola sem Partido, já declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e a tentativa de revogar a Lei Têu Nascimento, que pune bares e restaurantes por LGBTfobia (saiba mais aqui).

 

"A fala para revogar é que essa lei garante ‘superproteção’. Teve vereador dizendo que era a criação de uma super raça. Eles são os opressores, mas é o tempo todo no processo de 'ah, eu sou oprimido também'", critica Laina, em entrevista ao Bahia Notícias. "Eles falam tanto que a gente está tendo privilégio e dentro daquela Câmara, de 43 mandatos, só um é de LGBT. Que privilégio a gente está tendo? O privilégio sempre foi dos homens, dos brancos, dos cis, dos heteros. Isso é um processo que a gente precisa todo dia combater", acrescenta a vereadora.

 

Ao longo da entrevista, Laina ponderou também que, especialmente na bancada de oposição e nas comissões em que faz parte, Gleide Davis e Cleide Coutinho - suas companheiras de mandato -, são reconhecidas. Esses avanços, que são graduais, também são buscados no âmbito do partido. Segundo a vereadora, o PSOL baiano tem construído uma "setorial de mulheres", onde elas pretendem transformar a legenda.

 

"Nós estamos construindo uma nova história para o partido na Bahia, que tem a ver com fortalecimento e construção de cada vez mais mulheres na política, então é um caminho que não volta. (...) A gente está se quebrando internamente porque tem que passar bastão", ressalta, acrescentando que isso já começa a tomar forma, a exemplo da mudança na Câmara de Salvador, hoje não mais representada pelo deputado estadual Hilton Coelho ou pelo ex-vereador Marcos Mendes, mas sim por três mulheres. 

 

Laina, em discurso recente na tribuna da Câmara, você destacou como a Casa é um ambiente hostil para mulheres pretas e para a população LGBTQIA+ em geral, além de ter pontuado o quanto você não se sente representada por seus colegas naquele espaço. Na sua percepção, como os vereadores recebem as pautas e pleitos que você levanta na Câmara?

Todos os projetos de lei, projetos de indicação precisam passar pela CCJ [Comissão de Constituição e Justiça] e não é segredo pra ninguém quem é o presidente dessa comissão, né? É o vereador que é declaradamente bolsonarista, a gente não está inventando nada, a gente está falando como ele se posiciona. 'Vereador bolsonarista', 'vereador de Bolsonaro na Bahia', tem inclusive outdoor pra comprovar. Então, ele é o presidente da CCJ e, assustadoramente, tem reivindicado pra ele todas as relatorias dos nossos projetos. Isso não é à toa, isso tem um propósito, ele se posiciona diretamente contra todas as nossas pautas. Ontem a gente propôs emenda ao projeto Salvador por Todos, com a retirada de três informações. Ele rejeitou e simplesmente depois propôs uma emenda pela retirada de uma das informações que nós propomos. Ou seja, ele faz uma emenda que tem uma emenda parecida com a nossa, ele não quis aprovar a nossa, mas criou a dele e aprovou porque ‘a emenda foi feita por Alexandre Aleluia’, não foi pelas Pretas por Salvador nem pela bancada de oposição. Então, isso é algo que é muito forte pra nós, e quando você pergunta como as pessoas recebem, eu acho que o primeiro ponto é esse: quem recebe as nossas demandas é a CCJ e quem tem reivindicado pra si todas as relatorias é Alexandre Aleluia, então a nossa recepção é uma recepção muito ruim porque ele é declaradamente contra todas as nossas pautas.

 

Ainda sobre o discurso, houve um momento em que você até desafiou o presidente Geraldo Júnior a permitir que você presidisse a sessão naquele Dia do Orgulho LGBTQIA+. Ele reagiu em tom de brincadeira, mas, como sabemos, não lhe concedeu essa oportunidade. A Mesa Diretora, as comissões e colegiados da Casa dão ao seu mandato os mesmos espaços e direitos concedidos aos demais vereadores?

Não. As comissões que a gente participa sim, que é a Comissão de Reparação e a Comissão de Mulheres. A gente conseguiu dialogar internamente com as comissões sobre a existência do mandato, na verdade desde o primeiro dia de sessão na Câmara que tem polêmica sobre isso. Mas a gente conseguiu no diálogo porque é isso a perspectiva de mulheres, do governo, de oposição, a gente tem pautas que são muito a partir das nossas histórias, então a gente conseguiu dialogar e as meninas compõem porque a gente fica dizendo que não é só o CPF, é sobre as histórias. Elas compõem a comissão [da Mulher], então, por exemplo, elas participam das reuniões, fazem falas, consta na ata a participação delas, assim como na Comissão de Reparação. Mas, dentro da estrutura da Casa, ainda existem várias restrições. A burocracia ainda emperra um processo de restrição. A gente conseguiu uma vitória muito grande que foi garantir que no site da Câmara saia a informação ‘mandato das pretas’, ‘coletivo’, e também sai quando a gente manda as notícias pra serem publicizadas. Então, por exemplo, se não tiver eu, tiver só Cleide [Coutinho, co-vereadora], só Gleide [Davis, co-vereadora], se publica porque a decisão anterior era que só saísse se tivesse eu, que sou CPF. Isso tem sido um processo de avanço, mas é muito gradual.

Vereadores celebraram Dia do Orgulho LGBTQIA+ | Foto: Valdemiro Lopes

 

Por falar em mandato, você representa uma renovação na Câmara, pois é a primeira vez que a Casa tem um mandato coletivo ou mandata, além de representar minorias na condição de mulher, negra, lésbica. Mas são várias bandeiras levantadas com sua atuação, ao mesmo tempo que se vê crescer o conservadorismo na Casa. Na sua avaliação, esse movimento conservador ameaça os avanços das minorias ou ainda não tem força significativa em Salvador?

Acho que tem os dois lados. A gente tem avançado no debate sobre representatividade, sobre lugar de fala, sobre representatividade com projeto político. É sobre esse processo do avanço da representatividade, mas infelizmente a gente vê também uma crescente... No Congresso Nacional mesmo, tinham três bancadas - do boi, da bala e da bíblia. Agora se juntaram e viraram só uma: a bancada fundamentalista. Olha que infeliz isso! Só que isso tem se proliferado em vários lugares do Brasil e aí é importante dizer que existe aqui na Câmara de Salvador uma bancada evangélica, mas tem também uma extensão que vai pra bancada fundamentalista e fascista. Tem projeto de lei, por exemplo, do vereador Alexandra Aleluia, que propõe Escola sem Partido, que é um projeto de lei que já foi colocado no STF como um projeto extremamente violento que não deve ser aplicado nas legislaturas e muito menos na educação. E aí a gente tem também o projeto de tentativa de revogação da Lei Têu Nascimento, que acabou de ser conquistada em 2019. É muito recente e a fala para revogar é que essa lei garante ‘superproteção’, teve vereador dizendo que era a criação de uma superraça. Eles são os opressores, mas é o tempo todo no processo de 'ah, eu sou oprimido também'. Eles falam tanto que a gente está tendo privilégio e dentro daquela Câmara, de 43 mandatos, só um é de LGBT. Que privilégio a gente está tendo? O privilégio sempre foi dos homens, dos brancos, dos cis, dos heteros. Isso é um processo que a gente precisa todo dia combater. É um processo babado porque hoje dentro da estrutura da Câmara, nós somos oito cadeiras na oposição apenas, mas a gente tem algo que talvez eles não tenham. A gente tem uma galera que nos acompanha, nos fortalece a partir de uma outra lógica, não é pelo cabresto, não é pelo controle espiritual, não é pelo controle financeiro. Essas pessoas estão com a gente porque elas acreditam no projeto político que a gente defende. Eles não sabem pensar coletividade e aí eles ficam completamente assustados quando Marta passa a bola pra mim, eu passo a bola pra Maria, porque na cabeça deles é como se nós precisássemos ser inimigas e disputar voto porque é uma leitura muito eleitoreira, é muita violenta. A gente está irmanadas. Como eu, há três anos, participei de uma sessão especial que Marta [Rodrigues] promoveu pelo aniversário da “Tamo Juntas'', que eu criei e atende mulheres em situação de violência. Isso é sobre irmandade. Eu fico dizendo que Marta foi alguém que anunciou que eu ia ser vereadora dessa cidade porque no dia dessa sessão não tinha outro vereador na Casa. Só tinha ela, então ela precisou sair da presidência da Mesa pra fazer a fala no púlpito. E aí ela disse: ‘vem, irmã, vamos quebrar o protocolo e você vai sentar na cadeira da presidente da sessão. E hoje a gente está vereadora juntas.

 

Vereadoras Maria Marighella, Marta Rodrigues e Laina Crisóstomo com o vereador Átila do Congo | Foto: Reginaldo Ipê / Carlos Alberto

 

Você tem um currículo extenso, com formação em Direito, especialização em Gênero e Raça, pós-graduação em Violência Urbana e Insegurança e mestrado em curso sobre Direitos Criminais. Como essa formação diversa, que abrange várias áreas de cunho social e de extrema relevância para o desenvolvimento de uma cidade como Salvador, tem contribuído para o seu mandato?

Eles leem a gente como “as novatas” e “as meninas”. Eu lembro que teve uma fala que a gente fez, que teve um vereador que falou: ‘nossa, vereadora, você fez uma fala técnica’. Porque eles leem a gente como a "menina preta, raivosa, que está fazendo até uma fala técnica". É como se a gente que vem do movimento social não se especializasse também na técnica. Pelo contrário, a gente se fundamenta com todos os projetos de lei possíveis. É como se fosse o inimaginável. Essa semana um vereador se surpreendeu porque não sabia que eu era advogada. Tem gente que até pergunta: ‘de OAB e tudo?’ É um processo do machismo e do racismo estrutural, de dizer onde nossos corpos podem estar, então esse processo de formação, sem sombra de dúvidas, é fundamental. A gente senta e faz o debate tete-a-tete com a equipe técnica, esse é o debate qualificado, a gente quer estudar junto porque a gente quer pensar a cidade de forma diferente.

 

Você está no PSOL, partido ainda pequeno na Bahia, que tem apenas o mandato coletivo das Pretas por Salvador na CMS e o de Hilton na AL-BA, mas que tem uma representação maior em estados como Rio de Janeiro e São Paulo. Pra você, o que falta ao partido para crescer na Bahia?

Eu acho que o cenário da última eleição foi algo fundamental pra gente mostrar no que o PSOL tem se transformado na Bahia e eu acho que isso tem a ver com o processo da experiência e das vivências que a gente tem tido com outras mulheres em outros estados. A propria Marielle [Franco] sempre foi uma potência no PSOL e o assassinato brutal dela faz com que necessariamente surjam sementes. No último período, o PSOL aqui em Salvador teve uma quantidade absurda de mulheres negras candidatas e infelizmente tem partido de direita que vai dizer: ‘eu até tenho mulher negra candidata’. Mas é mulher negra candidata com recurso, com tempo de televisão, com investimento real, mulheres que são militantes há muito tempo e que constroem a luta nessa cidade, que conhecem a cidade a partir de vários olhares. Hoje a gente tem construído a setorial de mulheres do PSOL e, sem sombra de dúvidas, é um espaço onde mulheres das várias forças políticas constroem e a gente tem construído de forma muito consensual e pactuada. Independente das disputas internas no partido, há algo que nos une que é muito forte. É o combate ao racismo, ao machismo, à LGBTfobia e é o combate a todas as formas de opressão contra os corpos das mulheres. Então, essa setorial é, sem sombra de dúvidas, o espaço que vai construir, no próximo período, o partido que a gente acredita que vai ter cada vez mais a nossa cara. Cara que já está tomando forma porque antes tinha dois homens que seguravam o polo de parlamentares do PSOL na Bahia, hoje a gente tem uma mandata de três mulheres negras forjadas no movimento social e no movimento popular. Me perguntaram: ‘ah, vocês vão trilhar o mesmo caminho de Hilton [Coelho, deputado estadual] e de Marcos [Mendes, ex-vereador] na Câmara’. E eu dizia: ‘não, nós somos do mesmo partido, temos pautas inenegociáveis, mas nós estamos construindo uma nova história para o partido na Bahia, que tem a ver com fortalecimento e construção de cada vez mais mais mulheres na política, então é um caminho que não volta'. No interior, vários dos atos estão sendo dirigidos e coordenados pelas mulheres do PSOL, que foram candidatas no último período da vereança. A gente está se quebrando internamente porque tem que passar bastão.