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Entrevista

Clamor por candidatura negra não se restringe a 'troca de cor', explica Sílvio Humberto - 11/11/2019

Por Ailma Teixeira

Clamor por candidatura negra não se restringe a 'troca de cor', explica Sílvio Humberto - 11/11/2019
Fotos: Paulo Victor Nadal/ Bahia Notícias

Vereador em seu segundo mandato, Sílvio Humberto (PSB) tentou dar um salto mais alto no último ano quando disputou a eleição para a Câmara dos Deputados. Perdeu. Mas agora ele compõe o grupo de postulantes à Prefeitura de Salvador.

 

Na briga para ser o nome do PSB, que há meses corteja o presidente do Bahia, Guilherme Bellintani, e tem ainda a deputada federal e presidente estadual da sigla Lídice da Mata na disputa, Sílvio acredita que sua força está na novidade da conjuntura pré-eleição: as candidaturas negras.

 

"Existe um clamor na nossa história soteropolitana perguntando por que o óbvio não acontece numa cidade onde você tem 83% da população que é negra e até então você não consegue eleger ou se colocar pra valer, com condições reais pra fazer uma disputa do poder na cidade", avalia em entrevista ao Bahia Notícias.

 

Esse clamor citado por ele é exemplificado pelo número de pré-candidaturas negras colocadas até agora: 13. Diante desse quadro, o economista e militante do movimento negro ressalta a necessidade de a capital baiana ser comandada por um representante do grupo que entende as especificidades da cidade e da população diversa, porém majoritariamente desprivilegiada, como é o caso do povo de Salvador.

 

“Não é troca de cor. Nós somos portadores de uma visão de que é preciso incluir as pessoas, as pessoas precisam ser o centro, sobretudo porque se caminham pra um momento com a economia do conhecimento. Você faz economia do conhecimento sem gente? Então, a cidade precisa dar um salto civilizatório e eu diria [que precisa] começar a dar um passo decisivo pra resolver o que foi o 14 de Maio”, defende.

 

Neste sentido, Sílvio fez uma série de críticas à gestão do prefeito ACM Neto, enfatizando a “homogeneidade” das obras, que, na visão dele, faz parecer que a Boa Viagem e a Barra são iguais.

 

No início do ano, a oposição se dividiu em dois blocos com a criação de um segundo grupo liderado pelo senhor. O seu grupo hoje é mais unido que o do vereador Sidninho?

Ali foi um momento que eu diria que foi de demarcação de espaço. Nós temos momentos em que nós conversamos com o bloco tradicional clássico da oposição, mas, de fato, nós temos uma bancada que tem dois blocos. Normalmente, eles têm até atuado conjuntamente.

 

Agora vão começar a discutir novamente a liderança da oposição. Existe a possibilidade de o grupo se reunir em torno de um só líder?

Eu não descartaria, devido à própria dinâmica da política. Agora, isso não foi conversado ainda entres as partes, entre a bancada, porque não foi uma atitude extemporânea [a separação], foi fruto de um processo de amadurecimento. Então, pra se ter um processo de unificação teria que ter de novo uma nova conversa. Pelo que nós temos feito nas sessões, não vi nenhuma fala nesse sentido.

 

Semana passada, o senhor nos disse que o candidato do PSB à prefeitura pode ser decidido até dezembro. O senhor já se colocou na disputa, mas é notório o interesse do partido pelo presidente do Bahia, Guilherme Bellintani. E ainda tem a deputada Lídice da Mata. Qual a força do seu nome dentro do grupo?

Nessa dinâmica da política, você vai se colocando, você vai aprendendo com a política, você vai aprendendo os meandros da cidade e a política é feita dos momentos e do que você constrói. Eu diria que nós temos uma tradição e nós construímos uma história de muita coerência, trabalhando com educação, igualdade e respeito. E a forma equilibrada de lidar com problemas complexos e cada vez mais entendendo como é que funciona a nossa cidade. Então, foi algo que eu fui acumulando, não só pela minha formação política dentro dos movimentos sociais, sobretudo o meu trabalho dentro do Instituto Cultural Steve Biko há pelo menos sete anos como presidente de honra. Dentro do partido, dentro de uma coerência também, eu me tornei presidente esse ano em um acordo e, como presidente da Executiva Municipal, nós não chegamos agora. Então, você tem um processo de acúmulo, tanto fora e dentro do partido com essa marca da coerência e prestando serviços relevantes à sociedade soteropolitana, pensando as questões nacionais, estaduais e o plano local.

 

O que de fato o credencia para estar nessa disputa?

O que credencia, você tem aí fora uma história nossa e existe um clamor na nossa história soteropolitana perguntando porque o óbvio não acontece numa cidade onde você tem 83% da população que é negra e até então você não consegue eleger ou se colocar pra valer, com condições reais pra fazer uma disputa do poder na cidade. Nós temos um histórico. Hoje, por exemplo, vai ter uma caminhada, que é de 8 de novembro, que é o retorno dos heróis de Búzios. Se eu pensar que foi em 1798 que se iniciou a Conjuração Baiana, a Revolta dos Búzios, então essa luta por liberdade, igualdade e fraternidade, ela vem desde o século XVIII ou desde que nós chegamos aqui. Então, nós viemos há muito tempo semeando nessa cidade e agora é chegada a hora da colheita. E não é troca de cor. Nós somos portadores de uma visão de que é preciso incluir as pessoas, as pessoas precisam ser o centro, sobretudo porque se caminham pra um momento com a economia do conhecimento. Você faz economia do conhecimento sem gente? Então, a cidade precisa dar um salto civilizatório e eu diria [que precisa] começar a dar um passo decisivo pra resolver o que foi o 14 de Maio [primeiro dia após a abolição da escravatura]. Nós temos uma cidade extremamente desigual do ponto de vista da renda, do ponto de vista racial, do ponto de vista do gênero. E não é só a minha candidatura, é um movimento, nós somos de um campo que entende que enfrentar o racismo é de fundamental importância pra que Salvador dê um salto civilizatório e venha incluir efetivamente essa população. É esse acúmulo, é esse lugar, é essa visão de mundo que nós somos portadores e que está se colocando pra pensar a cidade de uma outra forma, que vá além das pirâmides e das coisas.

 

Mas qual a força desse seu posicionamento e desse discurso dentro do PSB?

Olha, política você vai acumulando. Partido é uma construção coletiva, por isso nós estamos trabalhando pra fortalecer as instâncias partidárias. É fortalecer a Executiva, fortalecer o diretório para não ficar algo meramente figurativo. As agremiações são mais importantes que as pessoas porque elas passam e as agremiações, que são instituições, ficam. Então, dentro desse processo, eu vou construindo coletiva e internamente. Externamente, você tem uma onda que está aí na cidade. O que é que tem de novo na eleição? As pré-candidaturas negras. Onde é que isso vai dar? É do tamanho que a gente sonhar e do tamanho que a gente conseguir construir coletivamente. 

 

Além disso, o senhor se colocou como pré-candidato pelo PSB em um contexto em que o pleito por uma candidatura negra ganha força. Já temos a confirmação de Olívia Santana pelo do PCdoB, tem também o nome da socióloga Vilma Reis em conversas do PT, Vovô do Ilê Aiyê, pelo PDT, e outros. Qual o seu diferencial em comparação aos nomes citados?

Eu sou um professor da área de desenvolvimento sócio-econômico. Quando você pensa o desenvolvimento, você primeiro precisa compartilhar uma visão para daí você discutir um plano para depois discutir um programa. O que é que funciona na cidade? De que forma a cidade está sendo encaminhada? Ela tem avanços? Sua comunidade está mais feliz? É suficiente só ter praça, homogeneizando uma cidade tão diversa como a nossa? Você não fica com a sensação de que sai da Boa Viagem pra Barra e parece que você está no mesmo lugar? Essa cidade sempre se caracterizou pela sua singularidade e pela sua pluralidade. Nós somos um povo diverso! Nós sabemos qual a característica de quem mora em Pernambués, mas sabemos também que no Subúrbio, ainda tem gente que diz: "eu vou à cidade". E quando você diz isso é porque o direito à cidade pra você não está intrínseco. Quando você não se sente parte, você não vai se envolver. O que a gente está dizendo é que tem um campo que enfrenta a desigualdade racial na cidade, campo que sempre se pautou em fazer muito com muito pouco. E eu venho de uma história de trabalhar com educação dentro do Instituto Steve Biko, que nós aprendemos a viabilizar pessoas. Como diria Lázaro Ramos, é sobre como tornar as pessoas possíveis coletivamente. E, às vezes, as pessoas dizem que é utopia, mas as utopias movem o mundo. O que a gente tem que mudar é a forma como essa cidade sempre foi pensada para poucos que aí, por extensão, você muda o resto. Pra você desenvolver plenamente essas pessoas, você precisa quebrar tudo aquilo que as impede de serem plenas: o sexismo, o racismo... Você tem uma cidade que é tão concentradora de renda, e chamada cidade da música, mas até então a cultura não é pensada como um eixo estruturante da cidade. Nós temos uma boa oportunidade com o Plano Municipal de Cultura, mas ela precisa ser considerada, vir para o centro para ser um eixo que pense o desenvolvimento porque sua rede de gerar emprego, renda e serviço é enorme, principalmente para incluir juventude. Nós sabemos que no Brasil, os "nem nems", que não estudam nem trabalham são quase 2 milhões de pessoas e uma boa parte está aqui na Bahia. Como é que nós vamos incluir essas pessoas? Ela precisa ser uma preocupação. Essa juventude de 15 a 29 anos, a gente precisa se preocupar. E quais são as medidas que a prefeitura tem feito pra incluir essa juventude? Tem nada. Não tem uma política específica. Você olha a propaganda do Colégio São Paulo, por exemplo, estão falando de drones, robótica e games. Aí você vai na educação municipal e você está discutindo se vai ter substituição do porteiro, se vai ter creche pra todo mundo. E que horas você vai discutir esses elementos da Inteligência Artificial?

 

Por que lutar nesse momento por uma candidatura negra?

Perguntaram ao primeiro ministro do Canadá porque ele escolheu mulheres na sua grande maioria para o ministério, ele disse: "porque a gente está no século XXI". Então, a gente precisa responder essas demandas. A gente não pode estar no século XXI com a mesma ponte com que você saiu do século XIX. A conta não vai fechar porque se tem uma juventude negra que está chegando, por que que a gente tem que ficar sempre com uma base, não pode chegar no topo? As pessoas saem daqui, vão pra Portugal e a economia dessa cidade não vai porque essa massa não consome. Por que lá conseguem atrair gente e aqui você tem dificuldade? Porque aqui a renda é concentrada. Tem que melhorar a escolaridade dessa gente, ter empatia pra ver o outro, sentir o outro. O que nós aprendemos ao lutar contra a exclusão foi incluir o negro, ter dignidade, o que não é ônibus com ar-condicionado, que já deveria ter há muito mais tempo. Tem coisas que estão chegando e estão fazendo parecer que é muito, mas é muito pouco. Eles fazem política pública para, eu prefiro fazer com.

 

Muito se fala em candidaturas negras à prefeitura, mas o PSB tem articulado/ preparado nomes do movimento para disputar vagas na Câmara? 

O que nós estamos fazendo nesse processo é fortalecer as instâncias e as duas reuniões foram nesse sentido. Nós estamos atraindo pessoas, lideranças femininas, como Samara Azevedo, que trabalha com a rede de crespas e cacheadas. Então, você tem pessoas que estão se aproximando do partido e nós fizemos um debate pra analisar a conjuntura local com o professor Claudio Souza, que foi professor da Unilab e da área de ciência política e foi importante pra entender que conjuntura é essa. É algo que nós vamos insistir pra formar e capacitar. Agora, dentro do partido, politicamente a gente está nesse processo.