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Entrevista

Câmara não aprovará reforma da Previdência com 'exageros' de Guedes, diz Arthur Maia - 10/06/2019

Por Fernando Duarte / Lucas Arraz

Câmara não aprovará reforma da Previdência com 'exageros' de Guedes, diz Arthur Maia - 10/06/2019
Foto: Paulo Victor Nadal / Bahia Notícias

Ex-relator da reforma da Previdência do ex-presidente Michel Temer, o deputado federal baiano Arthur Maia (DEM) se colocou contra novos pontos apresentados pela proposta de mudanças do governo de Jair Bolsonaro. 

 

Na avaliação do deputado, a Câmara deve barrar “exageros” como a diminuição do benefício assistencial de prestação continuada (BPC), a capitalização e a desconstitucionalização do tema. “Na minha cabeça, Paulo Guedes é um homem que tem uma visão muito liberal e que precisa ter mais sensibilidade. Quando ele propõe a capitalização, ele está propondo o fim da Previdência Pública no Brasil”, disse.

 

Em entrevista ao Bahia Notícias, Arthur Maia declarou que Guedes deve comprar sua passagem para fora do país se achar que o texto que enviou ao Legislativo será aprovado na íntegra. “A Câmara não vai de maneira nenhuma, tenho certeza, aprovar o projeto que ele mandou ipsis litteris”, garantiu. 

 

Durante conversa com o Bahia Notícias, Maia também relatou certa frustração com o governo Bolsonaro: “Todos nós sempre temos expectativas elevadas quando um governo consagrado pela opinião pública, pelo voto popular, assume uma nova gestão. Na maioria das vezes, nós nos frustramos nesses primeiros momentos”. 

 

Para o parlamentar, o atual cenário de conflito entre o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto é um indício que o Brasil caminha cada vez mais para um sistema parlamentarista, já em prática nos tempos atuais. “O Brasil na prática é um país parlamentarista e constitucionalmente um país presidencialista. Isso faz com que um presidente da República seja eleito com a imensa expectativa da população e, naturalmente com relação parlamentarista que acontece na prática, não consiga avançar na sua pauta na velocidade com que as pessoas que votaram nele desejam”, defendeu. 
 

O governo Bolsonaro é o que o senhor esperava que ele seria 5 meses após a posse do novo presidente?

Todos nós sempre temos expectativas elevadas quando um governo consagrado pela opinião pública, pelo voto popular, assume uma nova gestão. Na maioria das vezes, nós nos frustramos nesses primeiros momentos, mas tenho muita esperança que o governo Bolsonaro possa avançar. Esse governo padece nesse momento de falta de experiência e de falta de articulação política. Mas a minha opinião pessoal é de que a condução do Executivo amadurece as pessoas e amadurecerá o presidente Bolsonaro. Ele sempre foi um homem outsider da política, mas acredito que ele vai amadurecer o suficiente para poder coordenar melhor o seu governo e coordenar melhor a articulação política do governo.
 

O presidente iniciou o que ele chama de uma guerra contra velha política. Na opinião do senhor o que é essa velha política?

Parece que a designação que o presidente tem de "nova política" é aquela que se faz na internet, com pouco debate. Já a velha política é a tradicional onde você se senta, discute e aprova. A análise do que é essa nova política, com as redes sociais, coloca as coisas de uma maneira muito maniqueísta. Você tem o bem absoluto e o mal absoluto. Isso não existe nas relações humanas. Em qualquer ambiente existem os bons e os maus. A política sempre foi a arte de você realizar o possível, com entendimento e capacidade de fazer acordos e avançar apesar dos conflitos. A política é a ferramenta que os homens inventaram para dirimir conflitos. Não consigo enxergar dentro do conceito histórico do que seja política onde está a velha e a nova. Diria que o presidente quando fala isso ele deve estar se referindo a um desejo de fazer política com ética.
 

O atual cenário de insatisfação do Congresso Nacional com o Planalto criam condições para que o Brasil avance para um parlamentarismo branco?

Cada vez mais nós estamos caminhando no país para adotar o parlamentarismo. Obviamente não poderemos resolver os nossos conflitos com o Poder Executivo através do impeachment. No caso de Collor em 1989, seria muito mais razoável que houvesse um parlamentarismo para não acontecer o que aconteceu. Do mesmo jeito com a Dilma. Nesses casos, o chefe de governo não seria o presidente. O chefe de estado estaria tratando de questões relativas às relações externas do país e o chefe de governo estaria dentro do parlamento. O chefe de governo poderia ser trocado a depender do momento em que não tivesse mais capacidade de construir uma maioria. As pessoas me perguntaram recentemente o que eu achava do impeachment para Bolsonaro. Disse que me recusava a tratar desse assunto. É impensável achar que se a pessoa não gosta do Bolsonaro e está contra o presidente que tem cinco meses de governo, apenas porque o seu governo não vai de acordo com as expectativas, você deve entrar com processo de impeachment.
 

Na prática caminhamos para um parlamentarismo?

Temos uma realidade constitucional de um chamado presidencialismo de coalizão e na prática nós temos um parlamentarismo em que os personagens que estão conduzindo o Legislativo sempre são muito importantes e portanto tem uma força maior. Nessa época de nova política e de radicalismo das redes sociais fiz uma crítica a capitalização que está na reforma da Previdência. E aí um Internauta entrou na minha rede social e me disse que eu tinha que colocar na cabeça que Bolsonaro ganhou a eleição e ele teria que fazer o que ele quisesse. Na cabeça do sujeito, o presidente que ganhou a eleição pode fazer tudo, mas não é assim que está na nossa Constituição. A Constituição Brasileira prevê uma relação de interdependência, de pesos e contrapesos que existe na democracia. Na minha opinião teremos que enfrentar, mais cedo ou mais tarde, esse dilema constitucional. O Brasil na prática é um país parlamentarista e constitucionalmente um país presidencialista. Isso faz com que um presidente da República seja eleito com a imensa expectativa da população e, naturalmente com relação parlamentarista que acontece na prática, não consiga avançar na sua pauta na velocidade com que as pessoas que votaram nele desejam.

 


Foto: Paulo Victor Nadal / Bahia Notícias
 

O presidente nacional do DEM, ACM Neto, declarou que o partido nunca foi do centrão. Existe uma tentativa natural de se distanciar do grupo político que o DEM sempre foi atropelado após os protestos do último dia 26 de maio?

O DEM foi atrelado por uma posição das pessoas. Não há dúvida de que o centrão é um termo pejorativo que vem da constituinte com a figura de Roberto Cardoso Alves. Foi dele a frase histórica na constituinte "é dando que se recebe". Isso passou a designar, ser a frase fundamental, de tudo o que significa o centrão. Pessoalmente sou um deputado do DEM e não creio que alguém na Bahia ou Brasil entenda que eu seja um parlamentar que vota em função de cargos. Posso afirmar que esse sentimento preside em toda a bancada do partido. Todas as pessoas que votaram no Bolsonaro e acham que o presidente pode passar o trator por cima do Congresso Nacional para aprovar o que quiser, ficam incomodadas quando o partido de modo independente se coloca contra determinada posição. Não digo que não exista na Câmara partidos que tenham esse comportamento de toma lá dá cá, mas eu absolutamente defendo que meu partido nunca teve essa postura. O que acontece é que as pessoas tendem a demonizar comportamentos e práticas que são absolutamente republicanas. Por exemplo, um deputado que tem uma relação mais estreita com sua base que em grande maioria é contra a reforma da Previdência. Se ele está convencido de que a reforma é importante, não tem nada demais o governo dar para esse deputado o direito de levar uma obra para aquela comunidade. Para compensar um desgaste que terá com uma reforma que será importante. As emendas parlamentares são significativas para as comunidades e municípios do país. O que acho é que alguns deputados do PSL passam a ideia de que liberar uma emenda de R$ 1 milhão é chegar e pegar uma mala com o dinheiro e levar para casa. Não é assim. A emenda é um recurso transferido para uma prefeitura ou para um órgão fazer uma determinada obra. Obra essa que tem que ser executada com lisura e que é fiscalizada pelo Tribunal de Contas. Se eles acham que a velha política é um deputado levar obras para o seu município e lutar pela benfeitoria, pela melhoria de vida da sua população, essa ideia é a mais absurda que existe.
 


Foto: Paulo Victor Nadal / Bahia Notícias
 

O governo Bolsonaro demorou um pouco para encontrar o relator para reforma da Previdência. Como deputado que aceitou relatar a proposta de Michel Temer, onde o senhor acredita que nasceu essa dificuldade?

Não sei. Talvez falta de convicção. É um tema difícil e que exige um desapego ao próprio mandato. Fui relator em uma época em que assumir essa posição sendo um deputado federal baiano era pior do que ser preso na Lava Jato. Para ser relator da reforma tem que ter muito desapego ao mandato. Eu aceitei até um pouco de maneira impensada, mas faria de novo por defender o que acredito. Mas para se ter uma ideia, o meu relatório da comissão foi aprovado por 23 votos contra 14. Eram 37 deputados na comissão. Dos 23 que votaram a favor do meu parecer só quatro se reelegeram, 19 não voltaram. Hoje tenho muito orgulho quando vou nos lugares e vejo gente como Bolsonaro, que esbravejava contra a reforma, se mostrar a favor. O Major Olímpio foi o opositor mais virulento que até ultrapassou o limite da cordialidade nos debates dentro da Câmara contra a reforma no passado. Hoje ele apoia. Eu não sei fazer isso. Na minha opinião, o fato deles mandarem uma nova reforma é por mera vergonha de terem ficado contra lá atrás a um assunto tão necessário no Brasil. Esse proselitismo é sim a velha política. Fico muito triste ver que aqueles lá atrás, que eram contra, agora passaram a ser do favor.

 

O senhor chegou a ser sondado para ser novamente relator da reforma?

Não há sentido. Tem uma reforma que fizemos lá atrás que poderá ser aproveitada no plenário. O plenário pode optar pelo nosso relatório ou o da nova proposta, que tem coisas impensáveis. O ministro Paulo Guedes é um homem que veio do setor financeiro e isso não é nenhum demérito. Henrique Meirelles também veio, mas é um homem que tem mais sensibilidade social. Na minha cabeça, Paulo Guedes é um homem que tem uma visão muito liberal e que precisa ter mais sensibilidade. Quando ele propõe a capitalização, ele está propondo o fim da Previdência Pública no Brasil. Temos hoje no país um modelo previdenciário que é chamado de parto geracional, ou seja, trabalhamos para pagar a previdência de quem está aposentado na expectativa de termos no futuro quem trabalhe para pagar a nossa aposentadoria. Isso parte de um mandamento constitucional que diz que a previdência tem que ser solidária. Com a opção de fazer uma capitalização, irá faltar dinheiro para pagar as aposentadorias de quem não irá mais contribuir para o INSS. O texto do Paulo Guedes diz que alternativamente você poderá optar pela Previdência Pública ou pela previdência privada. Na palavra "alternativamente", no detalhe, é que mora o diabo. Na nossa reforma, você poderia de maneira complementar entrar na previdência de capitalização. Entenda a diferença de complementar e alternada. O "alternativamente" causa uma diferença tremenda que irá destruir a previdência pública no Brasil. No nosso projeto todos teriam que contribuir para o INSS, não importa se você fosse jornalista ou empresário.

 

O senhor critica alguns pontos da reforma, como mudanças na aposentadoria rural e a diminuição do BPC, que o Paulo Guedes cita como cruciais para a reforma. O ministro da Economia já disse que se a proposta fosse muito modificada pela Câmara vai virar uma reforminha e que ele vai embora do país. Ele compra a passagem ainda esse ano?

Se ele está dizendo isso, pensando que vai impor a aprovação de capitalização, desconstitucionalização e o BPC, acho bom ele já preparar a passagem. O ministro precisa compreender a regra que existe em todo o parlamento do mundo. O parlamento é um órgão proporcional com diversas vozes. Se ele achar que vai ter a aprovação de um projeto de lei que está ótimo na cabeça dele, ele estará fadado ao infortúnio. Se Paulo Guedes pensa assim, ele pode providenciar a sua passagem porque a Câmara não vai de maneira nenhuma, tenho certeza, aprovar o projeto que ele mandou ipsis litteris. Não vai aprovar alguns exageros que constam no seu projeto.