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Entrevista

'Sub-representação política feminina debilita a democracia', afirma secretária da SPM - 12/03/2018

Por Ana Cely Lopes

'Sub-representação política feminina debilita a democracia', afirma secretária da SPM - 12/03/2018
Foto: Lucas Arraz / Bahia Notícias

Criada em maio de 2011, a Secretaria de Políticas para as Mulheres da Bahia (SPM-BA) era uma demanda antiga de movimentos feministas. Sete anos e diversos programas depois, a pasta ainda lida com baixo orçamento (R$ 8,4 milhões em 2018) em relação a outras secretarias do Governo do Estado. Segundo a titular, Julieta Palmeira, apesar do baixo recurso, as políticas públicas são lançadas muitas vezes de forma transversal, com ajuda de outras secretarias. “Você conta com recursos transversalizados de outras pastas. Na área da saúde, por exemplo, o Hospital da Mulher é uma responsabilidade orçamentária da Secretaria de Saúde. O Espaço Viver, que atende mulheres em situação de violência, é responsabilidade da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos”, explicou Julieta. Além disto, outra forma de conseguir dinheiro para fomentar políticas públicas para as mulheres é a captação de recursos. “Considero [o valor previsto como] um orçamento base, diferente do orçamento final. No ano passado o orçamento base era oito milhões, chegamos a 13, por conta de captações dentro do próprio estado, o que mostra que o orçamento precisa ser ampliado já que a realização das políticas públicas dependeu disso”, disse a secretária. Além da continuação de programas voltados para as mulheres quilombolas e carreatas do Respeita As Minas (leia aqui), em 2018 a SPM vai lançar um estudo com as mulheres chefes de família e um prêmio voltado à promoção de mulheres na ciência. “Nós temos que mudar a inserção do papel social porque a educação discriminatória está restringindo as mulheres nos diversos espaços sociais e também na área da ciência”, disse Julieta. Quando trata-se do espaço feminino na política, a secretária acredita que a sub-representação "debilita a democracia". “Para mudar isso os partidos devem dispor de candidaturas femininas não apenas para cumprir a cota legal, mas dispor de candidaturas que efetivamente possam ser competitivas. As mulheres devem ser apoiadas tanto politicamente quanto com recursos para que as suas candidaturas possam deslanchar”, disse. Segundo ela, uma reforma política também poderia ajudar a melhorar o quadro, quem sabe com cláusulas que garantam cadeiras femininas no Congresso. Em entrevista ao Bahia Notícias, Julieta comentou ainda sobre a dificuldade da mulher negra de acessar aos espaços de poder e sobre os desafios para a próxima geração de mulheres, que já nasceu em meio à internet e as mudanças na tecnologia. 

A SPM é representativa mas tem um orçamento baixo em relação a outras secretarias  (R$ 8,4 milhões). A Setre (Secretaria do Trabalho Emprego Renda e Esporte), por exemplo, tem orçamento de R$ 277 milhões. Como fazer para de fato para criar e executar políticas públicas consistentes?

A gente vai fazer 7 anos agora no dia 4 de maio. Então sem dúvidas a SPM é a secretaria mais nova, estamos em construção, não dá para comparar com as pastas de Educação e Saúde. É uma secretaria que está se montando, é uma conquista do movimento social, de muitas mulheres. Outra coisa é a SPM é tida como uma secretaria de articulação. Existem as secretarias de articulação e as de execução. Então em um entendimento de que as políticas para as mulheres são políticas transversais, nós temos ações com a secretaria da Educação, que é o programa Quem Ama Abraça, temos o Grafita Aí, o Respeita as Minas, o Valente Não é Violento, em parceria com a ONU Mulheres, etc. Isso são ações transversais. Se o orçamento é pequeno, você conta com recursos também transversalizados de outras secretarias. Na área da saúde, por exemplo, o Hospital da Mulher é responsabilidade orçamentária da Secretaria de Saúde, o caso do Espaço Viver, que atende mulheres em situação de violência é responsabilidade da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos. Também considero o orçamento o orçamento base diferente do orçamento final. No ano passado o orçamento base era R$ 8 milhões, chegamos a 13 milhões por conta de captações dentro do próprio estado. Isso mostra que o orçamento precisa ser ampliado já que a realização das políticas públicas dependeu disso. A secretaria faz o eixo do enfrentamento à violência em diversas áreas, nas de segurança, na de cultura, na de polícia, em todos os campos. 

Quais são as ações que a SPM planeja para 2018?
Nós pretendemos esse ano realizar um programa para atingir a faixa das mulheres chefas de família. Temos também outras ações no âmbito da violência contra mulher e vamos lançar o programa Mulheres na Ciência, para acabar com a história de que as ciências exatas são para os homens, romper isso tem que vir desde o ensino fundamental. Nós temos que mudar a inserção do papel social porque a educação discriminatória está restringindo as mulheres nos diversos espaços sociais e também na área da ciência. Temos que considerar lugar de mulher aonde ela quiser, mas ela tem que querer, porque a maioria é criada para casar, ter filhos. Nós temos tentado desconstruir essa cultura, precisamos começar na educação para mulher chegar onde quiser inclusive na área de exatas. Então essa é uma questão fundamental para nós, isso é uma política estruturante. 

Você falou um pouco sobre o espaço das mulheres na ciência, mas o lugar de poder na política é um local que poucas mulheres conseguem acessar. Porque isso acontece e como podemos mudar? 
Ter mulheres na política é uma questão de democracia. Em uma democracia representativa mais da metade da população não se vê nos espaços de decisão da política. Esses espaços são onde se conduz a sociedade, porque você decide políticas públicas, que são os encaminhamentos em relação ao processo social. Ter uma sub-representação política feminina debilita a democracia. Isso acontece por causa da cultura machista, da desigualdade de gênero. Faltam mulheres no Congresso Nacional porque a gente vive em uma sociedade machista e desigual de gênero, não é porque elas não têm condições de estar lá. A mulher negra, por exemplo, sofre ainda com o racismo, o machismo e com a desigualdade social. Para mudar isso os partidos devem dispor de candidaturas femininas não apenas para cumprir a cota legal, mas dispor de candidaturas que efetivamente possam ser competitivas. As mulheres devem ser apoiadas tanto politicamente quanto com recursos para que as suas candidaturas possam deslanchar. Na Argentina, por exemplo, não basta lançar a candidatura - há a garantia de cadeiras. Nós precisamos partir para isso. Há diversas propostas de mudanças políticas que podem ajudar, mas nós vivemos em um sistema patriarcal. Quem tem o poder não quer abrir mão, os homens são criados para impor esse poder e estar nesses espaços, eles não vão ceder. Temos que discutir como garantir cadeiras no Congresso e nas Casas Legislativas para as mulheres que são a maior parte da população.


No Brasil, mulheres ganham em média 30% a menos que os homens e, no caso das mulheres negras o abismo salarial em comparação aos homens brancos chega a 60%. Há políticas públicas especificamente pensadas para mulheres negras? 
Na  medida que você faz políticas estruturantes vai estar atingindo essas mulheres que são a maioria da população. Aqui na Bahia, ao fazer política para as chefas de família você vai atingir mulheres negras que são a maioria da população (68%). Eu sou favorável às cotas nas universidades. Só podemos ver a sociedade, o trabalho e a ciência se considerarmos o elemento diversidade. Eu acho que a universidade com a política de cotas está muito melhor do que antes, esses homens e mulheres negros estão dando sua contribuição decisiva. Eu como uma mulher branca nunca vou sentir o que uma negra sente, nem imagino, mas tenho que ter uma atitude social sobre isso. As mulheres negras, de baixa renda, com emprego vulnerável são as que mais sofrem violência, e a questão da autonomia econômica é fundamental porque a mulher pensa duas vezes em fazer a queixa de violência doméstica. Ela até vai lá fazer a queixa, mas pensa várias vezes se vai manter, já que sofre por uma questão de sobrevivência. Uma das formas hoje é estimular a mulher a estudar, a ter carreira e nada de casar cedo. Precisamos inspira-las a pensar em carreira, em estudar, a gente precisa mudar a cultura de que mulher é pra casar, ter filho, fazer apenas afazeres de casa.

As reivindicações e lutas das mulheres por direitos civis, políticos e sociais ocorrem há muitos anos no Brasil e no mundo. Qual é o principal desafio da próxima geração de mulheres, que já nasceu em meio à internet e às mudanças tecnológicas? O que falta atingir?
Acho que ainda estamos com resquícios de uma relação de violência. O patriarcado é um legado e foi se modificando, mas ainda está alí, existe um legado que precisa ser rompido. Há muitas conquistas, mas na era da internet vemos expressos diversos casos de machismo e racismo, já que no universo da internet as pessoas sentem que podem expor abertamente seus preconceitos e discriminações. No dia a dia é outra pessoa, uma pessoa 'politicamente correta' e na internet ela extravasa a carga cultural. As mulheres jovens tem o desafio de romper o legado do machismo e lutar pela aplicação da igualdade social e da equidade de gênero, isso é algo que mexe com a estrutura da sociedade. O grande desafio dessas mulheres é de se empoderar para continuar desconstruindo a cultura machista, que já vem de séculos. O machismo mata, é quase uma guerra civil nesse país, foram 47 mil mulheres mortas em 2017 apenas pelo fato de serem mulheres, é uma violência especifica. Machismo afeta a vida das mulheres quando não lhes tira a vida. Vejo essa perspectiva de mudança com muita esperança, devemos resistir para que nossos direitos não entrem em queda livre e ter esperança para conquistar espaços. É uma grande tarefa, mas nós avançamos, há um avanço das mulheres no mundo inteiro.