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Entrevista

César Borges demonstra preocupação com a realidade do sistema rodoviário brasileiro - 20/03/2017

Por Ailma Teixeira / Estela Marques

César Borges demonstra preocupação com a realidade do sistema rodoviário brasileiro - 20/03/2017
Foto: Jamile Amine/ Bahia Notícias

Ex-ministro dos Transportes e ex-secretário Nacional dos Portos no governo Dilma Rousseff, hoje César Borges fala como presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR). O político baiano demonstra preocupação com a realidade do sistema rodoviário brasileiro e não poupa críticas ao modo como o governo federal lida com a situação. "Seria muito bom que novos grupos financeiros e empresas investidoras na área de infraestrutura aparecessem. É interessante também que venha capital externo. Mas para isso é preciso que nós criemos as condições do ponto de vista jurídico, de estabilidade e cumprimento dos contratos", propôs Borges. Por outro lado, o ex-ministro afirmou que essa não parece ser uma preocupação federal. "[O governo] tem falhado muito nessa relação. Hoje lamentavelmente é uma relação conflituosa entre o que chamamos poder concedente, que são os governos, junto com o setor privado", acrescentou. César Borges ainda detalhou o porquê de não ser favorável à medida provisória 752, em tramitação no Congresso Nacional. Veja a entrevista completa!


 

O senhor foi ministro dos Transportes do governo Dilma Rousseff [entre 2013 e 2014]. Enquanto ocupou essa função, o que o senhor conseguiu fazer para colaborar com o setor rodoviário?
O Brasil tem carência histórica de infraestrutura, que atinge vários setores: às vezes energia, saneamento básico. Mas há, sem sombra de dúvidas, carência em infraestrutura de logística, que significa ter transportes. Tem carência nos portos, aeroportos, ferrovias e muito em rodovias. O que precisa ser feito é que a gente possa trabalhar para diminuir essa carência. De que forma você pode diminuir essa carência pra um setor muito importante pra economia e para as pessoas se locomoverem? Você tem que investir muito para que amplie essas áreas que fazem a logística brasileira. Entretanto, nos últimos anos, o governo federal e também os governos estaduais estão tendo dificuldades de ter recursos orçamentários para fazer novos investimentos, seja em novas estradas, em duplicar uma estrada – o que é necessário para reduzir acidentes nas estradas. Então, qual é a forma que se achou? O governo investe uma parte e outra parte é feita pelo setor privado através de parcerias público-privadas ou através de concessões simples ou patrocinadas. Isso dá possibilidade de continuar fazendo melhorias através desse sistema junto com o setor privado. O que eu presido é uma associação nacional de sociedade de propósito específico que participa dos leiloes de concessões de rodovias, seja para melhorar, manter, fazer duplicação, sempre para prestar serviço em troca de uma remuneração que é paga pelo usuário. E aí há que se dizer por que o usuário já paga imposto e está pagando por aquele serviço numa rodovia, por exemplo: porque, na verdade, usa-se o princípio do usuário pagador. Se você usa um serviço e tem um cidadão que mora lá no Sertão da Bahia que não usa aquele serviço, não é justo que quem mora em Uauá esteja pagando pelo serviço de uma estrada que está no Litoral Norte. É um princípio justo, porque só vai pagar quem usar. É tipo água, tipo luz. É um setor importante para o Brasil e a gente coordena 59 empresas que estão participando de vários leilões. Tanto o governo federal quanto os estaduais estão procurando essas formas de parceria com setor privado para melhorar a infraestrutura logística do Brasil.
 
Há preocupação agora com o RPF, porque mesmo com acordo de leniência e pagamento de multas acertados, o BNDES considera ainda ações insuficientes para liberar esse crédito. Como isso tem prejudicado o trabalho dessas empresas?
Quando há um projeto em que precisa muitos recursos de capital para investir, nunca o empresário tem esses recursos. Ele vai captar no mercado, junto aos bancos. O banco no Brasil que tem capacidade de emprestar a longo prazo – 25, 30 anos – é o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Entretanto esse banco ultimamente, de dois anos pra cá, tem estreitado as linhas de crédito e passou a aplicar muito menos, principalmente no setor de logística do Brasil. Uma das razões é em função da Operação Lava Jato, que apareceu em 2014, e o banco acha que empresas envolvidas na Lava Jato não podem receber financiamento. No caso das concessões, cada concessão é uma sociedade de propósito específico, empresa criada e nem contamina nem está contaminada pelas empresas. Deveria ser esta visão, entretanto não é. O banco está achando que se tiver algum envolvimento, mesmo que acionário, com alguém que esteja envolvido na Lava Jato não consegue empréstimo. Vários projetos no Brasil estão parados por conta disso. Há hoje também a legislação permite acordo de leniência – você se coloca em dias com o que fez de erro, paga multas pesadas –, aceito pelo Ministério Público Federal na tentativa de colocar essa empresa novamente para prestar serviços à sociedade, que possa vir pago os erros e condenadas nos erros possa vir operar. Se o banco acha que ela pode estar contaminada, mesmo fazendo acordo de leniência, então dificilmente aquela empresa vai ter papel importante na economia do país.
 
 
Há uma solução pra isso, no sentido de habilitar que novas empresas licitassem ou conseguir destravar isso?
Certamente outras empresas vão ocupar o espaço daquelas que não estão podendo contrair empréstimos. Seria muito bom que novos grupos financeiros e empresas investidoras na área de infraestrutura aparecessem. É interessante também que venha capital externo. Mas para isso é preciso que nós criemos as condições tanto do ponto de vista jurídico, de estabilidade e cumprimento dos contratos, lado a lado. Por exemplo, para trazer recursos do exterior, querem ter garantia cambial, porque pode ter alteração entre real e dólar muito grande e isso traria economicamente uma dificuldade para quem for trazer o dinheiro pra cá em dólar. É preciso que se ache as formas certas para que se implante cada vez mais esse sistema através do setor privado. Uma vez que o governo não tem dinheiro para investir, quem vai é o setor privado. Mas não vai investir pra perder dinheiro. Ele vai investir tendo em vista que vai obter lucro com aquela atividade econômica.
 
O governo tem cumprido com as garantias?
Olha, [o governo] tem falhado muito nessa relação. Hoje lamentavelmente é uma relação conflituosa entre o que chamamos poder concedente, que são os governos, junto com o setor privado. Em todo contrato você tem desajustes ou por conta da economia, ou por conta de serviços novos que apareceram, ou por conta de algum tipo de investimento ou legislação nova. Por exemplo, não se cobrava ISS, que é o imposto dos municípios, nas concessões. O Congresso Nacional votou para pagar. Houve a Lei do Caminhoneiro, que impôs a concessão a admitir uma série de práticas, por exemplo não cobrar pelo eixo suspenso. Tudo isso traz desequilíbrio para contratos existentes. Como se resolve a questão? Com o reequilíbrio econômico e financeiro do contrato. As concessionárias apresentam esse pleito, as agências reguladoras – no caso de transportes ferroviário e rodoviário é a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) – não dão esse reequilíbrio ou às vezes sequer analisam. As agências hoje lamentavelmente estão como que paralisadas com receio da análise que os órgãos de controle, em especial o TCU [Tribunal de Contas da União], podem fazer sobre a ação de um agente público. Daqui um ano, dois anos, o TCU analisa o reequilíbrio e diz que “não, aquele reequilíbrio não tem eficiência que nós achamos correto” e vai pegar no CPF da pessoa física, dizer que aquele dirigente tem que pagar uma multa ou, mais do que isso, ficar até inabilitado para exercer outros cargos públicos. Faz com que a agência fique sem decidir. Isso é muito ruim para contratos existentes. Espero que a gente possa melhorar a geração e o governo entenda que é preciso atender rapidamente e com coragem os desequilíbrios econômicos dos contratos.
 
Pensando em relação à Bahia, como é esse diálogo? Vocês conseguem ser ouvidos, discutir, pleitear alguma coisa?
Eu não estou vivendo muito a realidade da Bahia, mas a Bahia tem uma agência reguladora estadual que deve fazer essa intermediação entre o setor privado e o próprio governo. Espero que esteja fluindo bem. Aqui na Bahia só há uma concessão de rodovia, que está sob controle federal, no caso a Via Bahia, que pega a BR-324 e a BR-116 até a divisa com Minas Gerais. As outras concessões rodoviárias que existem na Bahia são estaduais e devem ser fiscalizadas e reguladas pela Agerba, que é o caso, inclusive eu era governador à época quando nós fizemos a primeira rodovia concessionada no Norte-Nordeste, da chamada Linha Verde, que vai até a divisa de Sergipe e já foi duplicada até Praia do Forte. Ela é estadual. Também houve outra duplicação que já foi feita, aí já no governo de Jaques Wagner, da CIA-Aeroporto e a Via Parafuso, que está sob concessão de da Via Norte. Não poderia dizer dados porque não estou acompanhando aqui muito próximo essa questão das concessões estaduais.
 
 
Falando em duplicação, vi que o senhor disse em outra oportunidade que das 204 mil pontos de rodovia no Brasil, apenas 19 mil são duplicadas. O que pode ser feito para acelerar isso? Há um número ideal para os próximos dez anos?
Defendo muito o plano de longo prazo no Brasil para duplicação das nossas rodovias, porque uma rodovia de pista simples é muito deficiente em termos de serviço e segurança para o usuário. Como elas têm as curvas, sejam horizontais ou verticais, e os veículos de carga são muito pesadas, andam em velocidade relativamente baixa, se estiver em um aclive, por exemplo, termina usuário tendo tendência de ultrapassar e não esperar. Isso dá colisão frontal, que normalmente traz mortes, lesões seríssimas para aqueles que estejam nos veículos. A maneira moderna, isso desde 1940 na Europa e nos Estados Unidos, é fazer a duplicação da pista. Tem várias maneiras de fazer a duplicação: com canteiro central, sem canteiro central, multivias. Mas temos que avançar.
 
Esse é um entendimento do governo, de que é necessário?
Com certeza, é um entendimento do governo. E quando estive no Ministério dos Transportes, fizemos licitações de concessões para cinco mil quilômetros de estradas federais do Brasil serem duplicadas. Estão em vários eixos do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Minas Gerais. E hoje todas essas concessões têm problemas, porque foram feitas em 2013, quando se tinha econômica que crescia. Hoje estamos em uma crise séria. A demanda das rodovias diminuiu muito. Por outro lado, o BNDES endureceu as condições de financiamento, quando não trancou inteiramente. Então, como você vai fazer o investimento? Essa é uma grande questão hoje que estamos discutindo, inclusive, à luz da medida provisória 752, em que o governo pensa em tomar de volta a concessão para licitar. Achamos que isso vai impedir os investimentos – ninguém sabe quando vai ter os resultados – e o usuário que vai ficar prejudicado, pagando pedágio sem ter a duplicação. Mas volto a dizer: o governo quer realmente fazer a duplicação, mas às vezes não cria as condições necessárias para que os projetos sejam atrativos. É preciso o governo fazer projeto atrativo em cima de bases reais e depois de assinado o contrato, não querer desprezar aquele contrato e não acompanhar. Inclusive, fazer parceria com setor privado para que o projeto tenha êxito. Não é simplesmente capturar o empresário e depois em cima dele só querer colocar multas, exigências, sem entender a realidade que está acontecendo na economia ou na própria concessão.
 
 
Queria aprofundar um pouco sobre essa MP. Acredita-se que ela pode ser favorável ao setor ferroviário e aeroportuário, de repente, mas não para o rodoviário. Por que então ela não poderia colaborar com esse setor especificamente?
Em todos os setores os problemas são muito parecidos. Tem problema nos aeroportos, ferrovias, em portos. Uns mais, outros menos. O que queremos é melhores serviços. Não adianta ficar com aeroporto e oferecendo mal serviço aos usuários, como é o caso daqui de Salvador – esse aeroporto sofreu grande intervenção em 2002; de lá pra cá os investimentos que Infraero fez só agora foram colocados para usuários, mas ainda há deficiência muito grande para os usuários. Os aeroportos do Brasil que já foram concessionados, tipo Brasília, Guarulhos (São Paulo) e Confins (Belo Horizonte), quem frequenta tem sentido muita melhoria. Queria destacar até que felizmente o transporte aéreo no Brasil hoje passou a ser o transporte de massa. A população está se deslocando muito mais de avião e menos de ônibus. Isso dá mais segurança e rapidez, então a melhoria dos aeroportos tem sido importante, mas também temos que melhorar nossas rodovias. Se por um lado o passageiro hoje transita mais utilizando o aeroviário, por outro lado as cargas brasileiras continuam muito, mais de 65% utilizam o modal rodoviário. Não temos hoje boas ferrovias, são antiquadas, precisam de grandes investimentos – bem mais caros do que a rodovia. Então o Brasil avançou pelo processo rodoviário, temos que ter muita atenção nesse setor. Meu papel na ABCR é trabalhar junto com setor privado e público para que a gente possa cada vez mais avançar nesse processo de melhorar esse modal tão importante que é o rodoviário – para as cargas e ainda para passageiros.
 
Diante desse entrave, o que a associação tem proposto como emenda para tentar melhorar a execução dessa MP?
Temos participado ativamente nas discussões junto com os órgãos do governo. Hoje tem vários órgãos que pensam sobre o assunto, isso às vezes é bom e às vezes não é, porque você não tem um centro decisório. Então você tem o PPI, criado para cuidar das concessões, mais uma instância criada para olhar a questão da infraestrutura; o Ministério dos Transportes; a ANTT, que é a agência reguladora; a própria Casa Civil, o Ministério do Planejamento e tem ainda o TCU, porque tudo hoje passa pelo TCU. Virou um órgão bastante grande e abrangente, olhando para todas as áreas do governo. Veja que é uma tramitação demorada e muito cansativa para que você chegue até um processo de concessão. Mas como essa é decisão de governo, estamos tentando trabalhar com governo para tentar agilizar o máximo possível, dando nossa opinião para como deve ser feito desde o edital de licitação, as condições macroeconômicas que estão dentro da modelagem da concessão, porque ali é um modelo econômico que tem que ser mantido. A ABCR participa ativamente de todos os fóruns de debate para que esse programa de concessão possa avançar e ter êxito, porque não é só fazer o leilão e assinar o contrato. É ter resultado final que vai trazer benefício para usuário e economia do Brasil.

Há alguma previsão para quando a MP vai ser concluída?
A MP tem que ser concluída até o mês de maio. Nesse mês de março o relator deve até o final do mês dar seu parecer, aí passa processo de votação na comissão mista da Câmara e do Senado, depois vai pro plenário e pro Senado Federal. Me parece que isso até maio deve estar concluído, senão a MP entra em caducidade.
 
 
Então esse ano deve haver leilões para concessão?!
Esse ano está previsto vários leilões. O governo federal lançou um pacote aí de muitos leilões em várias áreas do setor elétrico, ferroviário e no setor rodoviário também. Lamentavelmente no setor rodoviário é pouca coisa, só tem uma rodovia pra esse ano. Espero que pelo menos essa seja feita. É uma rodovia que liga o estado de Santa Catarina até Porto Alegre e entorno.
 
A urgência para esses projetos vão de acordo com demanda de cargas e pessoas nessas rodovias ou é questão de quem propõe?
O governo tem hoje uma empresa chamada EPL (Empresa de Projetos e Logística), que avalia o tráfego e a deficiência da rodovia, estuda aquela rodovia, faz a modelagem para vir a oferta pública através de leilão. É em função de demanda efetiva e necessidade. Falei aqui que fizemos cinco mil quilômetros, que estão no centro produtor de grãos do Brasil, hoje no Centro-Oeste – Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Goiás. Você produz grão em Mato Grosso e precisa escoar em algum porto. Tem que ter boas estradas. Agora mesmo houve interrupção da BR-163 e cinco mil caminhões ficaram retidos porque não há possibilidade de tráfego nessa via, os atoleiros não permitem, e o DNIT – órgão responsável por dar essa manutenção, não consegue. Talvez uma concessão seja a saída.
 
Se a MP for aprovada do jeito que está, como fica a situação do setor?
Achamos que a MP tem muitas falhas. Sugerimos ao governo, demos nossas sugestões, mas lamentavelmente muitas delas não foram acatadas. Hoje se espera que dentro do Congresso Nacional, com atuação dos deputados e senadores, passem emendas que foram apresentadas – 90 emendas, algumas que aprimoram. Estivemos em debate público no Congresso Nacional, apresentamos propostas. Espero que do Congresso Nacional saia uma proposta melhor, porque não adianta, em lugar de desatar, criar um nó maior. A medida provisória como foi editada pelo governo não trará solução para vários problemas.
 
O senhor falou agora que muita sugestão não foi acatada. Como é o diálogo com o governo federal?
O diálogo é bom, nossa relação com governo federal é boa, não tenho dificuldade em falar com nenhum ministro. A qualquer momento eu procuro e tenho sido atendido. Às vezes não tem a compreensão de atender os pleitos e quando não tem, por um motivo ou outro, termina saindo medida provisória que não atende. Meu receio é que amanhã seja mais um empecilho, mais um nó, nessa barafulha jurídica que são os contratos existentes hoje e a relação governo com setor privado.