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Entrevista

Waldir Pires diz que mantém os mesmos valores que defendia no início da sua carreira na vida pública - 19/03/2012

Por José Marques / Evilásio Júnior / Felipe Campos

Waldir Pires diz que mantém os mesmos valores que defendia no início da sua carreira na vida pública - 19/03/2012
Fotos: David Mendes / Bahia Notícias

Bahia Notícias: Vou começar com uma pergunta que o senhor deve ter ouvido muito no último mês. O senhor foi governador, ministro da Previdência Social, da Defesa e chefe da Controladoria-Geral da União. Por que a opção de se candidatar a vereador agora?

Waldir Pires - Nós estamos, atualmente, em um quadro de desinteresse da política, de descrença, de ausência, de omissão. Eu não sei o que será do destino de cada país, de cada continente e do planeta. Por quê? Porque você só faz a construção de uma sociedade melhor na medida em que você faz a construção com todos, e livre. Se a construção for fechada, você repete apenas as experiências seculares das oligarquias, dos impérios, dos colonizadores, dos interesses patrimoniais fechados, de interesses restritos a alguns usufruidores. De modo que eu entendo que é uma coisa muito honrosa para mim poder ser representante da cidade do Salvador. Uma voz do Salvador. Até porque a vida me deu a oportunidade de fazer quase tudo que é possível na política. Nesse momento me incumbe dizer que eu acredito no povo da minha terra, que eu quero participar com ele do seu destino para conquistarmos juntos no conselho recíproco da juventude e dos absolutamente mais velhos (risos). Para mim, no fundo, é isso.

BN - Houve, em 2010, uma iniciativa para que o senhor se candidatasse, por seu partido, o PT, a senador, que não foi resolvida  internamente na sigla, e o seu nome acabou retirado por uma questão de composição da chapa do governador Jaques Wagner. O partido já concordou com essa sua nova empreitada?

WP - Eu já manifestei ao partido que este é o meu propósito. A decisão dele virá nos termos regimentais. Eu conversei com muitos dos meus amigos e falei da minha íntima preocupação política. Por esse dado de compreensão do que é a política. A vida humana e a história da humanidade não têm três hipóteses, só tem duas. Ou você consegue vir a governar pela expectativa de que um dia nós chegaremos a ter a política como um diálogo das pessoas, dos cidadãos, dos países, dos continentes – um diálogo para você alcançar um processo de tornar digna a vida da pessoa humana – ou nós continuaremos o processo da humanidade de sempre, desde o tempo da pedra lascada, em que você tinha apenas o poder da força, o poder físico, o poder econômico, o poder militar. Esse poder não chegou a organizar nunca a sociedade humana. Hoje nós somos um planeta com condições tão desiguais e tão injustas que elas são extremamente perigosas para o destino do próprio planeta e da humanidade. E eu acho que essa contribuição a gente tem que dar. Nós, os que acreditamos que é possível que a gente organize essa sociedade de forma razoável.


 

BN - E o que o senhor acha que precisa ser organizado na sociedade de Salvador, urgentemente?

WP - Em Salvador precisa ser organizado tudo, urgentemente. Mas eu imagino que a gente precise conversar sempre com a população e discutir as coisas mais prioritárias para ela.

BN - O senhor tem criticado bastante a especulação imobiliária na cidade...

WP - Também, evidente. Porque a especulação imobiliária joga com os terrenos, e os terrenos jogam com o quê? Com a moradia, com a casa, com o meio ambiente, com tudo. Então, evidentemente, se nós formos capazes de ir reorganizando essa sociedade mundial, brasileira, baiana, primeiro temos que começar por nossa terra. Os primeiros passos são dados sempre no nível da sua presença, do seu compartilhamento, da sua vivência, da sua experiência. Há mecanismos de utilização da terra que jogam só com efeitos puramente financeiros, de lucros etc. [A utilização da terra] Deve ser pensada em termos de você remunerar capitais que se investem nesse ou naquele setor empresarial, no setor imobiliário, sem nenhuma dúvida, mas que você não inviabilize a convivência da totalidade da população. E essa totalidade significa o todo, uns com muito mais, outros com muito menos, mas há um nível em que você não pode mais tolerar nos dias de hoje, pela própria revolução da comunicação, da transparência que hoje existe na vida de todas as pessoas. Você sabe o que está acontecendo no Brasil, o que está acontecendo na Coréia, na Ásia, na África, na Europa, em toda parte. E sabe que não é possível viver a injustiça que constatamos ainda hoje. É intolerável a existência de crianças que não têm condições de sobreviver, que não tenham condições de educar-se, que não tenham condições de formar-se nas suas instruções elementares para poder trabalhar. Tudo isso são condições sociais. Então, eu creio muito na ideia de que possamos vir a fazer um diálogo permanente com a sociedade. E as câmaras dos parlamentos não devem ser uma coisa fechada, simplesmente representativa de deveres formais. Não é. É a vida. A realidade. Uma sociedade como a nossa, de Salvador, por exemplo, com tantas desigualdades em suas condições existenciais, é uma coisa que não pode continuar. Então como se deve melhorar isso? A condição política é uma condição de arregimentação da sociedade para isso. Eu não creio no individualismo, eu creio no cidadão. E o cidadão representa ser indivíduo, mas que tenha convivência. Porque o ser humano é necessariamente de convivência global. Não é um ser isolado.

BN - Hoje se fala da falta dessa visão macro da Câmara Municipal nas ações que são realizadas na cidade. É dito que boa parte dos vereadores é massa de manobra do prefeito, que a Casa não tem qualidade de debate e votação. Há, agora, um clamor em torno de qualificar a Câmara, em que já foram especulados os nomes do vice-prefeito Edvaldo Brito (PTB), do ex-deputado Félix Mendonça, do [ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo] Haroldo Lima. É hora de modificar o Legislativo municipal?

WP - Eu acho que isso pode se dar inclusive com a juventude. É que retiraram da juventude a oportunidade de pensar o Brasil, de pensar o Estado, de pensar as cidades. Eu, por exemplo, com 16 anos comecei a minha vida política. Sabe como é que eu aprendi a fazer discurso? Discursando para o Brasil entrar na guerra para acabar a predominância do nazismo e do fascismo. Porque os nazistas estavam torpedeando os navios brasileiros aqui na nossa costa da Bahia e no Nordeste todo, porque estavam levando as suas mercadorias e eles atingiam diretamente a nós. Isso [mudança política] não depende de idade, depende do espírito, e depende da sua lealdade a um tipo de sociedade. Eu creio que a gente não pode suportar uma sociedade tão discriminatória como é a contemporânea. Como é que o ser humano não pode viver bem? O ser humano tem que ter dignidade. Eu, por exemplo, ajudei muito a compor a estrutura dessa Constituição brasileira de hoje. Você abre a Constituição e pela primeira vez na história constitucional do Brasil ela diz que é preciso assegurar a soberania, que é preciso assegurar a dignidade da pessoa humana. Como é que você pode assegurar a dignidade da pessoa humana na medida em que você tem tanta miséria, tanta discriminação e crianças que não vão à escola e que não se alimentam? São necessidades imprescindíveis. Portanto, elas estão radicalmente vinculadas a uma ordem de civilização para manter a humanidade digna. Eu, por exemplo, quando me declarei assim, me declarei porque hoje, quando você não tem mandato na vida política, é como se tivesse desaparecido. A Bahia já me deu quase tudo. Só não cheguei ao Senado porque houve fraude, houve roubalheira, houve governo indigno, houve tribunal indigno. Roubaram centenas de milhares de votos. Só por isso não estive no Senado. O resto, passei por tudo. Nunca também variei meu pensamento. Em função disso também fui para o exílio, durante muitos anos, fora de toda atividade política durante a ditadura e posterior à ditadura mesmo. Eu creio que nós tenhamos hoje essa noção de que o mundo ficou pequeno. O mundo hoje é alguma coisa que você tem o conhecimento da totalidade das pessoas, dos gestos e da natureza da vida. Tudo isso é incompatível com a ideia da democracia.

BN - Mas o senhor acredita que há mesmo essa crise na edilidade aqui em Salvador ou é um fenômeno dessa crise política que o senhor mesmo já foi vítima há alguns anos?

WP - É também uma crise da natureza do comportamento. A ditadura interrompeu um processo de crescimento político. De maturação também. Ela interrompeu quando passou a não tolerar nenhuma liberdade, todos os gestos mais independentes e todas as atitudes mais ambiciosas de você melhorar, de tornar a sociedade mais ao encontro da necessidade de todos. Tudo isso era naquela ocasião muito combatido como subversivo, como comunista, de modo houve uma interrupção bruta de 20 anos da ditadura. Recuperamos posteriormente, mas as gerações em seguida vieram já muito, coitadas, vinculadas a esse clima de ausência de conhecimento e de audácia para construir uma sociedade melhor. Eu creio que a gente deva fazer isso no Brasil todo. Mas como estamos em Salvador, criamos logo uma ansiedade. Essa é a cidade do nascimento do Brasil, a cidade que nós tivemos os passos iniciais mais extraordinários da construção da sociedade brasileira. Nós queremos que uma cidade linda como Salvador seja também uma cidade exemplar na convivência de todos os seus habitantes. Eu creio que isso é um dever nosso. Não está vinculado à idade, está vinculado a uma concepção de vida, a uma ideia de convivência social e de compreensão. Mas isso eu aprendi muito menino, ainda adolescente.

BN - O próprio [deputado federal e pré-candidato à prefeitura pelo PT] Nelson Pelegrino falou que a candidatura do senhor "eleva a plataforma de disputa". O senhor acha que essa sua candidatura traria para a Câmara uma força que não é nova, mas ajudaria a renovar o pensamento dela?

WP - Salvador me conhece. Salvador sabe como foi a minha vida. Eu lhe dizer que eu acho isso, que eu acho aquilo, me parece um negócio meio complicado, porque parece ser uma coisa de vaidade. Eu não acho isso. Eu acho o seguinte: de que a mim me coube pôr à disposição, como me pus, do povo do Salvador. Não quero ficar em casa. Não quero estar na chamada aposentadoria completa das atividades. Deus me assegurou a saúde e eu estou com a cabeça boa. Minha alma também ainda está em paz, porque eu sempre lutei, nunca variei nenhuma das minhas intenções políticas. Suportei todos os tipos de sofrimento ao longo dessa jornada. E Salvador sempre foi para mim uma cidade extraordinária. Eu voltei do exílio sem direito a ter tratamento de voto devidamente justo, por espúrias que alteraram a legislação. Quando fui candidato ao Senado aqui pela Bahia eu tive quase 80% dos votos na primeira eleição depois da ditadura. Mas não podia eleger-me porque não tinha isso no mecanismo de manipulação do Estado. Mas essa cidade foi sempre assim. Eu conheci o mar aqui, quando cheguei (risos). Eu vim com os meus 16 anos para estudar, trabalhar. Fui datilógrafo, aluno do curso clássico do Colégio da Bahia. Prestei vestibular, morei em república, em pensão até os dias em que me casei com Yolanda, que era uma mulher extraordinária, o amor da minha vida. E eu a perdi faz mais de seis anos. Salvador é muito especial pra mim. Eu não acho nada, só o seguinte, que é meu dever dizer a Salvador: aqui tem um companheiro bastante antigo. Não tem nada a ver com outro interesse senão de ajudar a pensar Salvador. Ajudar que nós tenhamos crença nos hábitos que tivemos no passado. Na minha geração você tinha grêmio no colégio para discutir tudo. Isso passou a ser subversivo no período da ditadura. As atividades dos diretórios escolares, estudantis, etc, Tudo isso passou a ser subversivo, então foram suprimidas as liberdades elementares. Durante 20 anos. E isso teve repercussão sobre as relações sucessivas. Eu acho que a minha geração tem que dar esse sinal de respeito às novas gerações e dizer 'eu estou aqui para pensar com vocês'. Ajustar-me às novas gerações, mas dizer a elas que com a revolução que está aí, de ordem técnica, de ordem científica, produzindo coisas extraordinárias, como é que não se produz na convivência humana? Como é que não se ajusta a sociedade? A sociedade humana é necessariamente coletiva. Ninguém pode viver isolado.

BN - O senhor já foi filiado ao antigo PSD, PMDB e PDT. Que pontos contariam ao PT, seu partido no momento, para ser bem sucedido nas eleições?

WP - O PT é hoje o partido maior. É provavelmente um partido hoje que, com a revolução que foi feita no governo do Lula, tem um significado definitivo na história Brasil. É uma transformação extraordinária. No Brasil, nós tivemos uma grande transformação com Getúlio Vargas. Era um país em que setores absurdamente conservadores e incompetentes transformaram em um lugar muito atrasado durante todo o século 18, durante todo o século 19 e um bom pedaço do século 20. Com uma desigualdade social enorme, com amplas camadas da população absolutamente paupérrimas, abandonadas. De modo que o Lula faz uma inclusão social grande - e a primeira coisa do processo democrático é você incluir todos. O PT é muito essa força que vem da legenda do Lula. Não somente o líder dos trabalhadores, mas o homem que pegou o Brasil e deu um salto no plano internacional. O Brasil no plano internacional agora é outra coisa, uma referência de apreço e de crença. O Lula deu uma levantada no autoestima do povo brasileiro.

BN - Em 2008, em um café-da-manhã oferecido por [senador, então candidato à prefeitura pelo PT] Walter Pinheiro para iniciar o grupo, o senhor estava militando na campanha, ativo. Agora, para 2012, Waldir Pires vai estar tão ativo na campanha de Nelson Pelegrino quanto esteve na campanha de Pinheiro?

WP - Eu sou ativo em todos os lugares em que tomo uma posição. Eu  não me escondo e também não tenho hesitações porque não costumo fazer semiacordos. Acordo comigo é esse plano de ideias. Nunca tive grandes clientelas políticas. Nunca tive poder. Nunca tive jornais. Nunca tive nada, enfim. Apenas o apoio da população. E é nisso que eu creio. E evidente, se eu apoio um candidato, eu apoio um candidato. Se ele fala uma coisa errada, eu chamo e digo: 'ó, para mim isso tá errado. Muda essa posição, porque senão fica complicado'. Mas acho que os partidos precisam ser partidos sérios. Hoje estou muito desencantado com os partidos Brasil. Ninguém acredita em partido nenhum. E de outro lado você tem 30 partidos. O que é que é o partido político? Por que existe o partido político no sistema democrático do mundo? Ele existe para ser um condutor das populações. Se eu votar nesse partido, ele tem tais, tais e tais posições em favor do sistema de saúde, da educação para todos, da remuneração adequada e justa de trabalhadores, em favor de garantias salariais, em favor da distribuição de renda que possa abranger todos, etc. Você tem outro partido mais vinculado puramente aos interesses de capitais etc., que defende propriedades de qualquer forma, ou determinados tipos de ações que são absolutamente excludentes de parcelas da população, etc. Ou partidos de vinculações oligárquicas, centradas, controladas a partir da força, do controle de órgãos de imprensa ou de capitais. O partido político é isso. Para você, quando votar, se decidir se inclinando. Mas hoje os partidos estão perdendo a sua individualização. E isso é muito ruim para a democracia. E eu lutarei sempre contra essa individualização que está se processando hoje. Vou manter uma linha nessa eleição municipal, na medida em que as coisas se avancem e se consolidem. Vou manter isso de conversar muito com a juventude. Aliás, eu faço muitas palestras com a juventude.

BN - E dar muito pitaco em Nelson Pelegrino...

WP - (risos) Nele e em qualquer um. Sem nenhuma dúvida. Não são as pessoas. São os compromissos. E esses compromissos não podem ser verbais simplesmente. São compromissos mesmo os que se realizam. Se você variar a sua posição você perde inclusive a sua respeitabilidade. Eu tenho muitos amigos, mas isso porque ninguém me viu numa situação hesitante. Se foi contra a liberdade, foi a favor de discriminações financeiras e econômicas, não conta comigo. Se foi a favor de uma coisa justa, de estimular o trabalho, aí sim.

BN - O senhor já tem uma centena favorita para o número da chapa? 13-alguma-coisa?

WP - Não. Pelo seguinte: se eu dissesse 'prefiro ser esse número', não sei se o número já estaria com outra pessoa...

BN - Mas Waldir Pires não tem a preferência?

WP - Essa preferência eu não quero. A preferência que eu quero é a do julgamento do cidadão. Esse voto não será tirado. Toda essa coisa da arrumação não dá certo. Não acredito. Por isso é que a gente fica em paz se ganhou ou perdeu.


 

BN - Se você pudesse dar um conselho a um jovem desiludido com a política, qual seria?

WP - Eu pediria para conversar com ele e aí diria o seguinte: qual é a outra solução? Fora da política você só teve no mundo a experiência do poder terrível, usurpador, violento. Só há uma forma de você ter a sociedade vivendo com alguma paz: é você construir um regime que seja capaz de ter liberdades e que haja diálogo, porque se o jovem se desiludiu da política ele tem que entender que ele se desiludiu da politicalha. Isso não é política. A política é uma ideia que nasceu cinco séculos antes de cristo, com os pensamentos de Aristóteles e Sócrates.

BN - Então, o jovem não pode se desiludir dela?

WP - Não se trata de dizer não pode. O jovem tem que ter uma guarda dentro de si que o proteja da desilusão. Agora, a política, hoje, e de quase todos os tempos, foi sempre uma coisa em função de interesses materiais. Evidentemente nós temos que lutar contra isso. E eu lutei contra. E eu acho que o jovem de hoje deve lutar contra, com coisas possíveis de serem feitas. Nós temos hoje o exemplo da Escandinávia. Lá eles construíram uma democracia que não tem miséria quase nenhuma. Claro que eles têm um PIB em que quase 60% é administrado pelo Estado. Mas é um Estado em que quase se suprimiu a corrupção. Em que você não ter nenhuma pessoa que não se eduque. Esse é o grande desafio. Agora você não pode dizer que não tem analfabetismo quando tem crianças que não comem. A juventude por si mesma, mesmo quando ela tem uma desilusão, ainda tem uma força íntima. E tem que cultivar ela. Dar força, estimular.