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Marca Bahia Notícias

Notícia

Artista plástico revive Faustino, personagem estampado nos muros de Salvador desde os anos 70

Por Simone Melo

Artista plástico revive Faustino, personagem estampado nos muros de Salvador desde os anos 70
Em fevereiro deste ano, o músico e artista plástico Miguel Cordeiro decidiu reviver as pichações do personagem Faustino. Os grafites que surgiram em 1979, em pleno o período de abertura política, foram interrompidos em 1985, e estão de volta, segundo o autor, por uma vontade de promover o resgate da memória cultural. Influenciado pela literatura beat, rock and roll e pop art, Cordeiro começou a dar voz às suas reflexões filosóficas através da figura dramática. Sujeito de frases soltas sobre os anseios do homem brasileiro, como “Faustino atrasa no caixa eletrônico”, ele formou com o personagem um veículo de expressão social. Apesar das especulações e identificação entre algumas pessoas que classificam o alter como uma consciência da classe média, Cordeiro esclarece que a manifestação não depende de patamares da sociedade. “O cara pode ser rico e ser Faustino e pode ser pobre e ser Faustino”, argumentou. “As pessoas mudam muito a interpretação do personagem como se fosse de classe média, mas isso independe de classe”.  Em uma das pichações da década de 80 por Salvador, quando ainda era garoto, Cordeiro escreveu: “Faustino faz curso Natureza”.Trinta anos depois, ele compara as necessidades dos indivíduos e afirma que pouca coisa mudou de fato. “O Brasil é um país muito contraditório”, defendeu. Segundo ele, a inscrição, que faz referência a um curso supletivo que era bastante popular, se relaciona com uma mais recente: “Faustino estuda para concurso de auditor fiscal”. A ideia, contudo, não é fazer arte engajada, e sim brincar com os conflitos que circundam as ações cotidianas, já que o espírito do personagem permanece intricado. O nome, inclusive, também surgiu da curtição com os amigos da época e veio a calhar com a lenda do Fausto, que narra a condição do homem em constante perscruta sobre o sentido da vida e a felicidade.

Confira a entrevista completa com Miguel Cordeiro:

Recentemente o personagem Faustino, que você criou em 1979, voltou a ser comentado nas redes sociais. Gostaria que você me contasse um pouco sobre ele, o motivo das pichações terem sido interrompidas em 1985 e o que te motivou a retornar?
Eu sempre pensava voltar, mas de repente uma vontade foi despertada também por conta da memória cultural. O grafite é muito comentado hoje, mas as conversas ainda giram muito em torno de uma grafite feito por organizações não governamentais. Mas o grafite é muito mais abrangente do que isso. No Brasil, também existe um problema sério de falta de memória cultural, então eu também fiz por isso. 
 
O retorno de Faustino teve alguma coisa a ver com a mudança da prefeitura e a figura de um prefeito que idealiza uma gestão para a classe média, já que muitas pessoas identificam o personagem como uma consciência desse patamar social?
Não. As pessoas mudam muito a interpretação do personagem como se ele fosse de classe média, mas isso é uma coisa que independe de classe. O cara pode ser rico e ser Faustino e pode ser pobre e ser Faustino. Não é dirigido para a classe média. Quando eu comecei a fazer as pichações foi no período do regime militar e era muito sujeira, era uma coisa sujeira.

Nessa época, sua intenção era protestar contra o regime militar?
Não tinha isso. Foi em uma época de abertura democrática e muitas coisas estavam acontecendo no Brasil e a gente era muito novo. Não era arte engajada, não tinha nada a ver com isso. Eu não curto arte engajada. Era uma curtição. O espírito do personagem permanece, os anseios permanecem.
 
Para você, os conflitos são os mesmos de 30 anos atrás?
Eu acho que sim, as pessoas falam que o Brasil mudou, mas a mudança é muito pequena. O Brasil é um país muito contraditório na evolução. Em 1979, eu fiz “Faustino faz curso Natureza”, que é um supletivo. Hoje “Faustino estuda para auditor fiscal”. As duas coisas tem a mesma motivação e não é só o lado político, tem a questão da arte mesmo. Quando eu comecei grafitar, tinha 22 anos, era um garoto. Foi uma coisa da geração. Mesmo na época teve uma repercussão muito grande. A repercussão  hoje é legal porque está surgindo uma nova geração. Depois eu tive um reconhecimento nacional por esse meu trabalho e ate internacional.
 
Alguma vez você já pintou Faustino, uma imagem dele?
Não existe uma imagem de Faustino, ele se expressa daquela maneira.
 
Como você escolhe o local que você vai fazer as pichações?
Como eu sou da velha guarda do grafite, a gente tinha uma estratégia de localização para identificar o fluxo de pessoas. Essa era a preocupação, nos anos 70. Cada grafiteiro tinha sua manha, sua receita.
 
Quais são os bairros?
Orla, Barra, Brotas, Jardim de Alah, uns muros por ai. Mas meu trabalho é muito mais abrangente do que o Faustino. Desde 2006, eu mantenho um blog. Modéstia à parte eu sou um dos artistas brasileiros que tem mais compartilhamentos e são mais acessado através do Facebook. Só a do Faustino que eu postei na semana passada foram mais de 1200 compartilhamentos, uma coisa absurda.
 
Isso tem a ver com a identificação do público...
Claro, identificação. De alguma maneira, nos anos 70 e 80 existia a identificação mas não existia internet na época. Hoje com o mundo virtual a repercussão é muito maior. Mas ao mesmo tempo ainda continua bastante arcaico, porque não houve democratização da arte e da cultura como um todo. As propostas de mostrar trabalho continuam muito limitadas. E como eu sou um artista de underground é pior ainda. Eu não sou da baianidade, eu não faço uma arte regional, embora ela se expresse também pelo local onde eu estou. 

De onde surgiu o nome Faustino?
Ele surgiu como um curtição que veio a calhar por várias circunstâncias. O primeiro grafiteiro que esteve em Salvador se chamava Mancha. Em meados de 79, ele começou a grafitar a cidade e aquilo teve um impacto tão forte que duas semanas depois já tinha uns vinte personagens grafitando por Salvador. O que acontecia aqui estava acontecendo no Rio de Janeiro e em São Paulo e, por incrível que pareça a gente foi contemporâneo até dos grafiteiros internacionais. A gente fazia uma arte similar ao que estava sendo produzido em Berlim, Nova Iorque. Quando eu escolhi o nome do personagem foi uma curtição que depois veio a calhar com a lenda do Fausto, que existe desde a idade média, teatro de mambembes.