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Marca Bahia Notícias

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Com Afrosinfônica no Grammy, maestro fala em 'fortalecimento de uma orquestra negra'

Por Jamile Amine

Com Afrosinfônica no Grammy, maestro fala em 'fortalecimento de uma orquestra negra'
Foto: Reprodução / Facebook

Estado cuja capital foi reconhecida pela Unesco como Cidade da Música e recentemente inaugurou um museu dedicado aos artistas da terra, a Bahia mostrou mais uma vez que tem “régua e compasso” ao abocanhar dez indicações no Grammy Latino (saiba mais).

 

Dentre os baianos que figuram na lista das melhores produções da indústria fonográfica latino-americana este ano está a Orquestra Afrosinfônica, que concorre na categoria de “Melhor Álbum de Música de Raízes” com “Orin a Língua dos Anjos” (2021), ao lado dos conterrâneos Luiz Caldas e Ivete Sangalo. 

 

Sem ligação com qualquer instituição mantenedora ou apoio de órgãos governamentais, segundo o maestro e diretor artístico Ubiratan Marques, a orquestra vive pela atitude e o amor dos integrantes. Mas para quem os obstáculos são regra e não exceção, estar entre os indicados em um prêmio internacional representa mais do que o reconhecimento bem-vindo, é também uma forma de resistir e ocupar espaços aparentemente inalcançáveis. 

 

“Todo mundo sabe que somos uma orquestra afro, de homens negros e mulheres negras. Então, essa dificuldade já começa a partir daí, porque geralmente todas as orquestras já têm um perfil que é aquela ideia do eurocentrismo, então você fazer um trabalho como esse, de uma certa forma, já é difícil”, comenta o maestro, que está à frente da Afrosinfônica há uma década, e entende que o maior prêmio é conseguir produzir, reafirmar a ancestralidade e “colocar pra fora” o que precisa ser dito. 

 

“Quando você recebe uma indicação como essa, claro que a gente fica muito feliz, porque é um reconhecimento de tudo isso, de todo esse amor. É o fortalecimento de uma orquestra negra, e isso gera uma visibilidade pra muitos deles que estão ali falar ‘opa, tá vendo como é possível?’”, pontua o artista, que rechaça, no entanto, a rivalidade no mundo artístico. “Eu não vejo assim como uma competição, nunca achei que houvesse essa competição em música”, defende Ubiratan, citando o filósofo Plotino para reafirmar que “o maior objetivo da arte é despertar a alma do ser humano”. “A questão do prêmio, essas expectativas, eu confesso que eu não tenho muito nesse sentido. O prêmio é esse reconhecimento. Isso, não é só pra mim, mas pra Afrosinfônica e toda comunidade negra”, acrescenta. 


"É o fortalecimento de uma orquestra negra, e isso gera uma visibilidade pra muitos deles que estão ali falar ‘opa, tá vendo como é possível?’", diz o maestro Ubiratan Marques sobre a indicação ao Grammy Latino

 

UM DISCO EM MEIO À PANDEMIA
Agora indicado ao Grammy Latino, o álbum “Orin a Língua dos Anjos”, que nasceu do olhar sobre a ancestralidade e conversas de Ubiratan Marques com Mateus Aleluia sobre espiritualidade, parece ter contado com muito axé para se materializar no tempo certo. “Nós conseguimos ter esse álbum porque a gente gravou ali em 2019, começamos a mixar em 2020 e veio a pandemia. Então, 2020 foi um trabalho de pós e a gente conseguiu lançar”, lembra o maestro.

 

O título do disco, por sua vez, é uma exaltação à própria arte, pois a palavra “Orin” significa “canção”, no Iorubá. O conceito casa perfeitamente com o que prega a orquestra, já que, segundo o maestro, “a música, de uma certa forma, é a grande protagonista em torno da Afrosinfônica”.

 

“E essa música que a gente faz é completamente afrobrasileira, uma música brasileira. O Ildásio Tavares sempre disse isso pra mim ‘oh, maestro, Beethoven fazia música alemã, Gershwin fazia música americana, Debussy fazia música francesa, não é?’. E eu falava ‘é’. Então, é isso que a gente faz, a gente faz música brasileira”, destaca o diretor artístico. “Tem uma fala de Paulo César Pinheiro, ‘O Brasil não conhece o Brasil’, então é mais ou menos isso, a gente precisa valorizar e reconhecer cada vez mais a nossa cultura, que é tão bela”, avalia.

 

Produzido por André Magalhães e co-produzido por Ubiratan, o projeto tem 12 faixas e conta com participações de Mateus Aleluia, Baiana System, Gerônimo e do angolano Dodo Miranda. A capa é assinada pelo artista plástico Vik Muniz, que fez uma intervenção sobre o registro fotográfico de ensaios da Orquestra Afrosinfônica.


Capa do disco é assinada por VIk Muniz

 

AMULETO

Como a vida - e também a música - podem ser cheios de coincidências, uma das faixas do “Orin a Língua dos Anjos”, “Água”, abriu o disco “O Futuro Não Demora”, que rendeu o Grammy Latino ao BaianaSystem, na categoria de Melhor Álbum de Rock em Língua Portuguesa. Falta saber agora se a canção vai se firmar como um amuleto e ajudar a Orquestra Afrosinfônica a conquistar o prêmio.

 

“Olhe, eu gosto muito de ‘Água’ sim, eu acho uma música muito bonita. Essa coisa de amuleto (risos), basta dizer que a Bahia é tão mística… Mas eu acho que realmente é um amuleto no sentido de abrir caminho, porque a água na verdade é exatamente isso”, disse Ubiratan Marques, que é um dos autores da canção, junto com o grupo. “Inclusive, tem um ditado de um indiano que usa a água pra poder descrever a música. Porque lá na Índia dizem que são 22 duas notas no sul e no norte são 21. Então perguntaram a esse grande mestre qual é o lugar que está certo, no sul ou no norte, e aí ele fala: ‘Olha, a música é como a água, ela não tem divisão’. E a água tem isso, ela sempre está caminhando, ela passa por obstáculos, então isso é uma maravilha”, conta o maestro.

 

Ouça a música "Àgua", uma das faixas do disco indicado ao Grammy Latino:


FUTURO
Durante os quase dois anos de trabalhos comprometidos por causa da pandemia, a Afrosinfônica não parou e tem tentado se adaptar ao virtual, mas o Ubiratan diz que as dificuldades são imensas. “Todas as atividades da orquestra são feitas na Casa da Ponte, assim como nossa escola, que é o Núcleo Moderno de Música, assim como quase tudo está lá, mas por causa da pandemia nós fechamos o espaço”, relata o maestro. 

 

Driblando os obstáculos, a orquestra tem realizado uma série de concertos com grupos afro da Bahia e de fora. “A gente fez lá com o maracatu pernambucano Nação Estrela Brilhante, em Recife; fizemos aqui com Malê Debalê, com o Ilê; iremos fazer ainda em Minas Gerais com o congado Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, e participação de Sérgio Pererê”, conta o artista.

 

Outros projetos, entretanto, aguardam o sinal verde para uma retomada mais robusta dos espetáculos presenciais. “O que a gente conseguir fazer no audiovisual, por exemplo, esses concertos afro, acredito que a gente deva dar continuidade no virtual. Mas tem outros que, infelizmente, são concertos mesmo, discos, outras coisas que a gente tem. Tem um concerto que a gente está pra estrear, se chama ‘Colina das Sombras’, que é do nosso terceiro álbum, a partir de um poema contra o racismo. Esse é um projeto que a gente está com ele pronto, mas precisa ensaiar. Não dá pra ensaiar virtualmente”, revela Ubiratan. “Temos muitas coisas, mas a gente precisa, realmente, que as coisas voltem ao normal”, conclui.