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Marca Bahia Notícias

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Ator lança manifesto por mais oportunidades de trabalho para transmasculinos

Ator lança manifesto por mais oportunidades de trabalho para transmasculinos
Leo Moreira | Foto: Divulgação

Os atores Leo Moreira Sá e Daniel Veiga se mobilizarem durante a pandemia para criarem o Coletivo de Artistas Transmasculinos (CATS), que já conta com 60 representantes de diferentes áreas da arte. O grupo lançou na última sexta-feira (4) um manifesto pedindo mais visibilidade à causa e alertar sobre a falta de oportunidades de trabalho. 

 

"O Coletivo é a prova de que existimos e estávamos na invisibilidade. Não somos invisíveis. Sempre existe uma dúvida em relação ao nosso talento e à nossa capacidade. As pessoas não nos olham como profissionais capacitados. A ideia é fazer do manifesto uma potente ferramenta de luta", afirma o ator e escritor Leo Moreira Sá. 

 

O manifesto foi baseado em um estudo realizado pelo Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT, do departamento de Antropologia e Arqueologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A conclusão foi que 85,7% dos homens trans já pensaram em suicídio ou tentaram cometê-lo. Recentemente, um jove ator negro e transexual cometeu suicídio. Demétrio Campos era de uma comunidade do Rio e buscava uma oportunidade em São Paulo. “A invisibilidade pode matar e a arte pode salvar, como aconteceu comigo. A arte me abraçou e me salvou", diz o ator. 

 

Formado em Ciências Sociais, Leo Moreira Sá já atuou em séries de TV, espetáculos teatrais e em vários longas-metragens. O ator começou sua transição há 11 anos e fez a mastectomia com o dinheiro ganho com o Prêmio Shell de Teatro pelo seu trabalho como iluminador. Foi a partir daí que sua vida mudou, abandonando as drogas e se encontrando como artista. "As mulheres trans estão um passo à frente dos artistas transmasculinos. Faltam ainda muitas conquistas para todo mundo, mas hoje elas têm mais espaço na indústria. Existe uma demanda maior para personagens femininos. O importante não é só a representatividade. A gente precisa de mais oportunidades e escrever nossas próprias narrativas", afirma. 

 

Leia a carta-manifesto: 

Carta Manifesto do Coletivo de artistas transmasculinos (CATS) 

Visibilidade na Vida e na Arte

As transmasculinidades não serão mais apagadas pelo CIStema artístico porque para nós a ARTE é maisque ofício ou paixão–é levante, é tomada de espaço, érevolução. É notório que a comunidade transmasculina sofre mais com o contexto de apagamento que subtraidireitos civis, oprime e violenta a comunidade trans como um todo. Essa invisibilidade é explícita nocampo das artes, onde se constata a pouca demandade projetos para artistas transmasculinos. Mesmoquando há alguma narrativa envolvendo personagens transmasculinos, ainda são convidadas pessoascisgêneros para escrevê-las, dirigi-las e vivê-las. O trabalho, gerador do sustento e de condições para inclusão social e política, ainda está sob controle da cisgeneridade. 

 

Com um movimento embrionário e frágil, o teatro e o audiovisual têm se arriscado a trabalhar com corpostrans em poucas obras e, ainda assim, dentro dessa ínfima porcentagem, quase que somentesobre opalco ou à frente das câmeras. Ou seja, dentro do parco espaço de verdadeira representatividade,atuantes e performers trans são, por fim, narrados, iluminados, sonorizados, pintados, vestidos, dirigidos, etc., por artistas cisgêneros. 

 

Mas, enquanto algumas atrizes trans, inspiradoras por suas vozes potentes, vêm abrindo espaço à garra,os artistas transmasculinos continuam sendo sumariamente ignorados. A história das transmasculinidades na arte é sinônimo de apagamento. No Brasil e no mundo, desde ostempos de Guimarães Rosa e seu Diadorim, chegando a sinopses de obras cinematográficas, matérias emjornais e programas de TV, releases e críticas de peças de teatro insistem em tratar pessoastransmasculinas como “mulheres em roupas de homem”. Filmescomo Vera (Brasil, 1986), Meninos não choram (EUA, 1999) e Tomboy (França, 2011) tem algo em comum: narram histórias de transmasculinose, de maneira ilógica, tratam seus protagonistas como “garotas” que “se vestem de homem”, além deterem seus protagonistas representados por atrizes cis. Esse soterramento contra nossa identidadeprecisa acabar. 

 

É imprescindível que artistas transmasculinos trabalhem, participando dessa diegese desde os bastidores,desde o papel, contribuindo com seu conhecimento do ofício, com sua experiência e representatividade. As transmasculinidades precisam ter esse espaço tão valioso de empregabilidade em prol de uma vidadigna e do reconhecimento de nossas potências, para que sejamos afastados do aterrador número de suicídios entre a nossa população. Precisamos de visibilidade para que nossos corpos sejam naturalizados. 

 

Hoje ainda somos vistos como cota, não no sentido político de reparo histórico, mas no sentidopejorativo. Isso é inaceitável. É inadmissível que, em 2020, só sejamos convocados para pequenas pontas,apenas quando o casting menciona a palavra “trans”, muitas vezes para divulgar e se promover com odiscurso de que está fazendo alguma coisa pela comunidade trans. Enquanto isso, nos bastidores, somostratados como pessoas a quem se faz um favor. Ainda, na classe artística, nosso gênero vem antes danossa trajetória profissional. Raros são os casos em que somos olhados pelo nosso currículo na hora de conseguir trabalho. 

 

Reiteramos que nós, pessoas transmasculinas, temos diversos saberes e plurais vivências nas artes.Abriremos espaço com nossa luta e união. Reiteramos o olhar revolucionário que temos sobre noss oofício. Os tempos de sermos apagados, anulados, censurados ou, quando muito, vistos com simplismo ereducionismo, deixarão de existir. 

 

Lutamos por um mundo onde as muitas transmasculinidades serão vistas em suas potências, e não porseus impedimentos. Um mundo onde não haja exclusões e que a igualdade seja a de direitos, não a deidentidades. Quanto maior a pluralidade de histórias, quanto maior a diversidade de corpos, melhor omundo será. Acreditamos que esse é o caminho da arte. 

 

Trata-se menos do que os aliados cisgêneros farão ao nosso lado na caminhada igualitária, e mais sobreo que a transgeneridade pode fazer pela arte. Reforçamos que esse manifesto nasce de um contexto em que nossas narrativas, trajetórias e corpos sãosistematicamente sequestrados, sem que os sequestradores se perguntem por que falar de nós. Como falar de nós sem nos ouvir? Como criar uma obra sobre a transgeneridade quando 90, 70, 60% da equipe é composta por pessoas cisgêneras? 

 

Artistas transmasculinos não irão esperar para ter seus talentos reconhecidos. Sabemos de nossa vivência ímpar e de nossa ousadia, que vêm derrubando barreiras e abrindo caminhos concretos para a verdadeiradiversidade e pluralidade, contra o fascismo e o racismo estrutural. Afinal, ainda mais apagadas quepessoas transmasculinas, são as pessoas transmasculinas pretas. 

 

Sobre a questão do ingresso em trabalhos artísticos, o que nos diferencia é, primeiramente, o acesso.Escolas de Arte e Instituições Artísticas precisam olhar para isso! Quais medidas práticas vêm sendoadotadas para garantir espaços de ensino e de troca diversos em termos de gênero e raça? Há instituiçõesque começaram a se movimentar? Sim, mas é pouco. A realidade artística e o mercado de trabalhoprovam que quase nada mudou em décadas. É preciso mais empenho, pois nenhuma mudança será eficaze duradoura se não começar pelas bases! 

 

Vencido esse muro, o que nos diferencia são aspectos muito práticos como formação e experiência.Quando um artista trans é convidado a um projeto, ele não está recebendo migalhas. Confiscar nossa história não trará benefício a ninguém, nem a nós nem a vocês e nem à arte. 

 

Apesar de reconhecermos ser bem-vinda a colaboração de aliados cisgêneros que entendam o nossoprotagonismo, esse manifesto, contudo, não é um pedido de licença. Para além de expressar oesgotamento de um grupo preterido, apagado, silenciado, ele sinaliza aunião deste mesmo grupo,homens trans e pessoas transmasculinas, em um pacto para a ocupação dos espaços. Temos os mesmosdireitos que qualquer outra pessoa, incluindo trabalhar e expressar nossas ideias. 

 

Ao lado das mulheres trans, das travestis, das pessoas pretas, das pessoas indígenas, das pessoas comdeficiência e outras tantas, erroneamente chamadas “minorias”, somos a verdadeira diversidade que rompe fronteiras. Convocamos uma arte transmasculina, uma arte não-binária, uma arte diversa, onde a pluralidade degênero seja vista como criatividade e como busca por liberdade. 

Avante! 

Leo Moreira Sá e Daniel Veiga