'A Vida Invisível': Diretor Karim Aïnouz define filme como 'grito contra o machismo'
Por Lara Teixeira
O filme 'A Vida Invisível', do cearense Karim Aïnouz, que está na disputa para concorrer ao Oscar de Melhor Filme Internacional, estreia nesta quinta-feira (31) nos cinemas brasileiros. Porém, Salvador recebe uma pré-estreia do filme nesta quarta-feira (30), às 20h, durante a abertura do XV Panorama Internacional Coisa de Cinema. O evento ainda irá contar com um debate após a exibição do longa entre o diretor do filme, a atriz Carol Duarte e o público.
Rio de Janeiro, década de 1950. Eurídice (Carol Duarte) é uma jovem talentosa, mas também introvertida. Guida (Julia Stockler) é sua irmã mais velha, e o oposto de seu temperamento em relação ao convívio social. Ambas vivem em um rígido regime patriarcal, o que faz com que trilhem caminhos distintos: Guida decide fugir de casa com o namorado, enquanto Eurídice se esforça para se tornar uma musicista, ao mesmo tempo em que precisa lidar com as responsabilidades da vida adulta e um casamento sem amor com Antenor (Gregório Duvivier).
Apesar da trama do filme se passar na década de 50, ela aborda questões atuais vividas pelas mulheres e também faz um destaque a "masculinidade tóxica", termo utilizado por Karim Aïnouz durante entrevista ao Bahia Notícias, que ocorre daquela época até os dias de hoje. "Quando eu digo que o filme representa um grito contra o patriarcado, quero dizer que apesar de haver mudanças e apesar da gente estar em um momento crítico em relação à condição da mulher, eu queria muito falar dos homens também, porque eles não mudam, entende?".
"As mulheres são muito diferentes hoje, mas os homens continuam muito parecidos. Eu queria muito falar não só da condição feminina, mas como a masculinidade pode ser tóxica ao ponto de ter destruído a vida da Eurídice, como que ela continua tão forte. Quando você vê o governo federal que a gente tem, eu acho que isso vem de uma masculinidade que é altamente tóxica, e que é nociva, e que precisa estar no poder a qualquer custo. Então é nesse sentido que eu falo que ele é um grito contra o machismo. Ele não é exatamente um filme feminista, porque eu não sou mulher, mas ele é anti patriarcal, anti machismo, anti tudo que a masculinidade tóxica pode provocar não só nas mulheres, como no mundo. E como que essa violência é naturalizada. O filme fala muito disso, um cara como o Antenor que parece uma criança ali, ele era um chefe de família, ele tem uma posição de poder que era algo muito grande, então no filme é para olhar aquilo também de uma maneira meio irônica", apontou o cearense.
O longa, que é uma adaptação do livro "A Vida Invisível de Eurídice Gusmão", de Martha Batalha, não prioriza um amor entre amantes, mas sim um amor entre irmãs, que por atitudes patriarcais encontram dificuldades para se reencontrar. Karim acredita que cada uma das irmãs tinha uma missão para cumprir dentro da história, que seriam: "Guida tinha a vocação de ser livre, e eu acho que ela viveu essa vocação até o fim, mesmo com tudo que ela precisou passar. Já a de Eurídice, era falar através da música, ser uma grande pianista, mas essa vocação não foi vivida até o fim", argumenta.
Foto: Divulgação / Bruno Machado
O filme conta também com a participação especial de Fernanda Montenegro. Karim revelou ao BN que a primeira pessoa que surgiu em sua cabeça para interpretar uma das personagens principais da trama, após uma passagem de 50 anos da história, foi a atriz carioca. "Quando eu olho para ela eu penso em força, em integridade, em muitas coisas que eu queria que a personagem fosse. E eu não conseguia pensar mais ninguém", conta o diretor.
Karim ainda disse que não esperava que Fernanda fosse aceitar, já que seria uma participação de aproximadamente 10 minutos. "Escrevemos uma carta e mandamos junto com o roteiro para ela. Depois nos encontramos e ela não falou nada sobre participar do filme, eu logo pensei: 'ela está aqui apenas sendo elegante'. Em um determinado momento ela falou: 'o nosso filme', e eu fiquei muito encantado. Tem sido não só uma colaboração profissional incrível, mas temos um carinho muito grande, eu por ela e ela pelo filme".
O diretor de "A Vida Invisível" confessou estar muito curioso em como os espectadores homens sairão da sessão do filme. Segundo Karim, as perguntas que ele escuta dos homens após terem assistido o filme são "Como foi a fotografia do filme?" ou "Como está sendo a campanha do Oscar". Mas na verdade, ele disse querer saber como esse público se sente ao olhar para os personagens.
"Eu acho que o filme tem tocado muito as mulheres, porque ele fala de coisas que a gente não tem falado, de história que não têm sido contadas. Mas eu tô muito curioso com os espectadores homens, porque poxa vida, é uma vida que foi sequestrada da Eurídice, por um desejo de se manter uma família, como ela diz para o pai: ‘o que que você fez que você queria proteger minha família?'. Então estou muito curioso para escutar os homens", declara Aïnouz.
“A gente fala tanto do Brasil que é um país super machista. E eu tenho muito respeito pelas mulheres, porque, se não me engano, 40% dos lares brasileiros são sustentados e liderados por elas. Então acho que é muito importante que a gente pense nisso. É um debate muito importante, ainda mais porque para mim essa masculinidade que é tão nociva ao machismo, ele é a base do fascismo. Para mim realmente é ali que está a base de tudo, o desespero para estar no poder. Não trago no filme um debate teórico, porque não acho que o cinema não é discurso, mas espero que as pessoas sejam tocadas e pensem nisso”, finalizou o diretor.