O Alcaguete
“Você é cagoete. E cagoete só morre apontando!”.
Este era o termo pejorativo que costumávamos usar, na nossa infância dos anos 70, quando nos referíamos àquele colega de turma que dedurava os demais, que tinha a língua comprida e saia delatando a tudo e a todos, em troca de doces, de dinheiro ou porque se sentia ameaçado e não resistia ao menor “tranco” dos mais velhos, geralmente vizinhos, tios ou mesmo pais.
Naquela época, o “cagoete” era aquele colega medroso, que denunciava os demais por ter atirado pedra na vidraça do vizinho, ou por ter roubado mangas e jacas, e que se sentiu desprestigiado porque o produto das traquinagens, não era dividido com ele. E ele ameaçava: se não me derem, a minha parte vou contar pra fulano. E assim era tolerado no grupo por causa do seu poder de dedurar os demais à menor contrariedade.
Era a delação premiada dos tempos idos, e que atualmente ganhou dimensões astronômicas, política e financeiramente, fez com que o ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa, e o doleiro Alberto Youssef saíssem atirando para todos os lados, não em troca de doces, mas do perdão das dívidas jurídicas (cadeia mesmo) com as quais está sendo ameaçado. Hoje a delação premiada parece ser o caminho que muitos dos envolvidos nas denúncias na Petrobras têm buscado para se livrar da possível prisão.
Na verdade, o termo “cagoete”, é o aportuguesado de alcaguete, palavra que vem do espanhol “alcahuete”, e que significa o mesmo que delator, ou aquele que denuncia atividades ou procedimentos ilícitos de alguém ou grupo, normalmente com profundo conhecimento de causa, ou por informações ou, no caso de grupos, por ter participado desse mesmo esquema e agora, por pressão, medo, denuncia os companheiros em troca de favores.
O alcaguete ou “cagoete”, pode ser o cabueta, cagueta, dedo duro, dedo de cimento armado, dedo de seta, delator, x-nove. Mas qualquer que seja a denominação é sempre uma pessoa perigosa, disposta a jogar lama no ventilador, pois sabe que a delação é a sua única saída incolume da enrascada em que se meteu e que tenta se livrar a todo custo. Se cair todos cairão, mas se for ele a denunciar, fazendo com que todo o esquema desmorone, pode obter um perdão diferente dos demais.
Por meio da Lei 8.072/90, que trata dos crimes hediondos, foi adotado no ordenamento jurídico brasileiro o instituto da delação premiada, cujo objetivo é possibilitar a desarticulação de quadrilhas, bandos e organizações criminosas, facilitando a investigação criminal e evitando a prática de novos crimes por tais grupos.
O alcaguete é tão poderoso no seu medo, que mesmo quando morto, ainda tem poder de dedurar, como bem define Bezerra da Silva, na música Defunto Caguete, quando diz em um dos versos: “Caguete é mesmo um tremendo canalha. Nem morto não dá sossego. Chegou no inferno entregou o Diabo. E lá no céu caguetou São Pedro”.
Até que ponto a alcaguetagem de Paulo Roberto Costa e outros envolvidos no escândalo da Petrobras vai render não se sabe. Ela começou há alguns meses mas parece que ainda há muito a alcaguetar. Mas se o “cagoete” for bom, o seu dedo acusador vai estar em todos os lugares. E ai será um Deus nos acuda e um salve-se quem puder.
"Quando o caguete é um bom caguete Ele cagueta em qualquer lugar!"–(Bezerra da Silva).
*Adilson Fônseca é jornalista.
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