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Salvador: marco inicial do direito de marcas

Por Rodrigo Moraes

Salvador: marco inicial do direito de marcas
Dizem que baiano tem síndrome de pioneirismo. Daí o ex-governador Otávio Mangabeira ter dito essa antológica frase: “Pense num absurdo, na Bahia tem precedente”. O Brasil começou na Bahia, e a história brasileira do direito de marcas teve sua estreia na Cidade do Salvador. Sim, o primeiro caso do país sobre violação de marca ocorreu aqui na Soterópolis. O célebre litígio envolveu duas produtoras de tabaco em pó para inalação (rapé).

Em 1874, o jovem advogado Ruy Barbosa, na época com 24 anos, patrocinou a Meuron & Cia., que produzia o famoso Rapé Areia Preta, bastante procurado pelo público consumidor. A Meuron & Cia foi fundada pelo suíço Auguste Frédéric de Meuron. Sua fábrica Areia Preta (em homenagem ao antigo nome do bairro de Ondina) foi instalada onde hoje fica o Solar do Unhão (Avenida Contorno), que abriga o Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM-BA), um dos lugares mais bonitos da capital baiana.

A queixa-crime se deu porque uma concorrente, Moreira & Cia., de maneira inescrupulosa, passou a produzir o Rapé Areia Fina, com qualidade bem inferior, imitando envoltório, estampa, selo e avisos do Rapé Areia Preta, com indiscutível intuito de aproveitamento parasitário.

Ruy Barbosa venceu em primeira instância. Houve busca e apreensão com êxito, na Cidade Baixa e na Ladeira da Graça. Mais de 2.300 botes de rapé falsificados foram apreendidos. Todavia, o acórdão do Tribunal de Relação da Bahia, modificando o entendimento do juízo de primeiro grau, alegou a inexistência, no país, do delito de violação de marca. Não foi acatada a tese de Ruy Barbosa de enquadrar a conduta da Moreira & Cia no art. 167 do Código Penal da época, que previa o crime de falsificação de papéis. Para Ruy, os envoltórios deveriam ser considerados papéis falsificados.

De fato, o Código Criminal do Império, de 1830, não tipificava a violação de marca como crime. A Constituição do Império, de 1824, previa apenas a proteção das patentes, omitindo-se em relação às marcas. O Código Comercial de 1850 também não cogitava de qualquer proteção marcária.

Portanto, o argumento do Tribunal de Relação da Bahia foi ausência de base legal para a condenação da Moreira & Cia. No Direito Penal, o princípio da legalidade é baseado nessa expressão: nullum crimen, nulla poena sine lege. A lacuna da lei absolveu a Moreira & Cia. O acórdão possuiu apenas dezoito linhas, mas os seus efeitos tiveram alcance nacional.

A derrota judicial do cliente de Ruy Barbosa fomentou o surgimento da primeira lei brasileira sobre marcas: a Lei nº 2.682, de 23 de outubro de 1875. Vale dizer que a batalha de Ruy não se deu apenas nos autos do processo. O jovem jurista publicou no Diário da Bahia diversos artigos sobre o caso e mobilizou o poder legislativo a criar uma lei protetiva para os titulares de marcas.

Mais de um século depois, vê-se que a esperteza dos parasitários não diminuiu. Hoje, a Lei nº 9.279/96 protege titulares de marcas. Já existe amparo legal. Mas a situação piorou: a lei existe, mas não funciona bem. O que vemos nas ruas de Salvador é um grande desrespeito à propriedade intelectual. A pirataria corre solta. A polícia finge que não vê. A classe média faz vista grossa e, não raro, consome conscientemente produtos falsificados. Há uma generalizada falta de consciência em relação à importância do direito de marcas, direito fundamental previsto no art. 5º, XXIX, da Constituição Federal.

Salvador é o marco inicial do direito de marcas. Que os jovens que gostam de participar da tradicional Jam no MAM, jazz aos sábados, a partir das 18h, com a belíssima vista para a Baía de Todos os Santos, lembrem-se também de que, no Solar do Unhão, trabalhou, no século XIX, um importante empreendedor suíço: Auguste Frédéric de Meuron. Ele foi o primeiro, no país, a acionar o poder judiciário para ver assegurado seu direito sobre a marca Rapé Areia Preta. Que o seu exemplo seja seguido. O Solar do Unhão não proporciona somente boa música à beira-mar. É um lugar que marcou a história do direito de marcas em nosso país.
 

* Rodrigo Moraes é procurador do município do Salvador e
professor de Propriedade Intelectual da Faculdade de Direito da UFBA.
[email protected]


* Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias.