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Instrumento Transcon

Por Cesar Tavolieri

Instrumento Transcon
A curiosidade dos cidadãos para entender o conceito e o modo de utilização do instrumento Transcon é notória. A priori, conceituaremos o instrumento citado,para que possamos explicar seu objetivo e por fim iremos sugerir uma solução que entendemos ser benéfica para todas as partes envolvidas.
 
A Lei 7.400 de 2008, veiculada com a alcunha de Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano do Município de Salvador (PDDU), conceitua instrumento Transcon no seu art. 25 da seguinte forma: "... instrumento pelo qual o Poder Público Municipal poderá permitir ao proprietário de imóvel urbano, privado ou público, exercer em outro local, ou alienar, mediante escritura pública o direito de construir..." É possível verificar no conceito disponível, no PDDU, que o instrumento Transcon trata-se de uma autorização emitida pelo Poder Público, para que os construtores possam executar um projeto que o coeficiente de aproveitamento seja maior que o permitido para o terreno utilizado, observando um limite pré-estabelecido.
 
O uso do instrumento Transcon iniciou-se em razão das crises financeiras que assolam os municípios brasileiros, já que era necessário desapropriar áreas particulares para criação de vias, praças, ou seja, infraestrutura pública e não havia dinheiro para indenizar os proprietários.
 
Deste modo, o Poder Público criou o instrumento ora discutido, viabilizando assim a desapropriação sem nenhum ônus financeiro para as Prefeituras, e incentivando, também, o crescimento do setor imobiliário do município. Observando na prática seria o seguinte exemplo: a Prefeitura do município X necessita de uma área particular específica para a construção de uma praça, com metragem de 1.000 m² (mil metros quadrados) de área física.
 
Pelo processo administrativo regular, o Ente Público avaliaria o terreno ao processo de mercado e depositaria o valor em uma conta a disponibilidade do proprietário do imóvel que pode ou não concordar com o montante, contudo, o imóvel já não mais o pertenceria, cabendo ao particular discutir em esfera judicial tão somente o valor da indenização.
 
Entretanto, no caso específico da Prefeitura de Salvador, como esta não dispõe de recursos financeiros para as desapropriações, estabeleceu-se então que ao invés de você receber dinheiro pela expropriação, o proprietário receberia o valor correspondente representado por um título (Transcon), que lhe permitiria construir em qualquer local da cidade um montante em metros quadrados extras, ultrapassando Coeficiente de Aproveitamento Básico que o seu terreno desapropriado permitiria você edificar.
 
Todo o terreno tem o chamado Coeficiente de Aproveitamento Básico - C.A.B, iniciando em 1/2 (meio) e assim por diante. Se o terreno desapropriado tem 1.000m² e o seu coeficiente de construção fosse 2,0 (dois) isto quer dizer que seria possível edificar no terreno original 2.000 m² de área construída.
 
Dessa forma, o título recebido daria ao proprietário o direito de construir 2.000 m² (dois mil metros quadrados) além do C.A.B em terrenos na mesma região da propriedade desapropriada.
 
Ocorre que, cada terreno no Município de Salvador, seja ele no bairro da Pituba, da Barra, da Paralela, etc. tem um valor de avaliação estabelecido pela Prefeitura, denominado pela sigla VUP - Valor Unitário Padrão.
 
Caso for pretendido usar o direito de construir em outra área da cidade, deve-se observar a compensação a ser calculado com base no VUP do novo terreno que será utilizado o instrumento Transcon, por exemplo, o espaço desapropriado tem um VUP - Valor Unitário Padrão - avaliado no montante de R$ 200,00 (duzentos reais), e será utilizado para construir em um terreno (bairro distinto) que o VUP tem o valor estabelecido em R$ 500,00 (quinhentos reais).
 
Assim, o VUP do instrumento Transcon deverá sofrer uma compensação que será calculada da seguinte forma: divide-se o valor do VUP do terreno desapropriado pelo montante do VUP do terreno que será utilizado o Transcon (neste caso, 200 dividido por 500) que chegará ao coeficiente que será aplicado ao montante de Transcon disponível pelo proprietário do terreno expropriado (no caso em tela, o coeficiente de 0,4).
 
Portanto, para poder utilizar o Transcon original na área hipotética do exemplo acima, deverá multiplicar o montante de 2.000 m² (dois mil metros quadrados) do Transcon pelo coeficiente encontrado, no caso, 0,4 (zero virgulado quatro), que resultaria no valor de 800m² (oitocentos metros quadrados). Este será o novo valor total do instrumento Transcon que poderá ser utilizado no novo bairro.
 
Este mecanismo permitiu que, sem desembolso financeiro e em acordo amigável com o proprietário do imóvel a ser desapropriado, a Prefeitura de Salvador efetuasse varias expropriações.
 
E através da mesma Lei (Lei do PDDU) a Prefeitura estabeleceu limites para utilização do Transcon em cada área da cidade, chamado de CAM - Coeficiente de Aproveitamento Máximo - evitando assim, concentrações de construções em áreas já ocupadas.
 
Ocorre que, a medida utilizada pela Prefeitura de Salvador era interessante para os proprietários dos terrenos desapropriados, pois quando os primeiros títulos de Transcon foram emitidos não existiam limites para a utilização dos mesmos em nenhuma área da cidade, conforme consta na Lei Orgânica Vigente.
 
Dessa forma, todos os títulos de Transcons emitidos antes do PDDU de 2008 (Lei 7.400/2008), não possuíam limites geográficos na sua utilização. Entretanto, a Lei citada estabeleceu que os novos títulos (Transcon) concedidos a partir da data de início da vigência do novo Plano Diretor não poderiam ser usados em qualquer área da cidade, além do que, estes novos títulos concedidos somente teriam validade se associados a 50% (cinquenta por cento) de Outorga Onerosa, a ser adquirida diretamente da Prefeitura. A título de exemplo, restou impossibilitada a utilização do instrumento Transcon em construções localizadas ao longo de toda a Orla Marítima de Salvador, sendo somente permitida a utilização do instrumento da Outorga Onerosa do Direito de Construir.
 
Buscando visualizar, na prática, a nova regra voltaremos ao exemplo usado acima: O terreno de 1.000m² (mil metros quadrados), depois da vigência da Lei 7400/2008 continuaria a ter o direito de construir 2.000m² (dois mil metros quadrados) em outro local, mas para a utilização desde direito, deverá o proprietário do instrumento Transcon adquirir, também, um outro instrumento denominado Outorga Onerosa do Direito de Construir, que se assemelha ao instrumento Transcon, contudo, exige-se uma contrapartida financeira à Prefeitura.
 
Dessa forma, nos moldes utilizados antes da Lei 7400/2008, para utilizar título Transcon adquirido na desapropriação do imóvel, em qualquer área da cidade, em terreno com área igual ao bem expropriado (1.000 m²), e que o CAB da nova área seja 2,0 (dois), igual ao imóvel original, e o CAM deste novo terreno for 3,0 (três), significa que o proprietário do instrumento Transcon poderá transferir, somente, 1.000 m² (mil metros quadrados (CAM - CAB) do título original).
 
Contudo, após a Lei do PDDU somente é possível transferir metade do resultado do cálculo demonstrado acima (500m²), visto que, a metade restante deve ser adquirida da  Prefeitura através da Outorga Onerosa.
 
Ocorre que, a nova lei gerou a insatisfação dos proprietários de títulos outorgados antes da vigência da lei atual, que acabam por não concordar com os limites impostos posteriormente a emissão da certidão de Potencial Construtivo.
O argumento utilizado pelos proprietários de Transcons, emitidos antes da vigência da Lei 7400/2008, baseia-se no direito adquirido, e que uma Lei não deveria retroagir em prejuízo ao cidadão.
O que se discute até os dias atuais é que os títulos anteriores a 2008 não estariam sujeitos às limitações geográficas impostas pela Lei, bem como a sua utilização não deveria estar vinculadas a obrigatoriedade da utilização da Outorga Onerosa do Direito de Construir.
 
DESVALORIZAÇÃO E ENFRAQUECIMENTO DO INSTRUMENTO TRANSCON
 
Não acredito que após tanta polêmica, qualquer proprietário de terreno venha a aceitar, amigavelmente, receber títulos (Transcon) por seus terrenos a serem desapropriados. Vão preferir receber dinheiro. Além do mais, quem detém títulos emitidos após 2008 está com um "mico" nas mãos, porque ainda há uma quantidade enorme de títulos anteriores a 2008. Isto faz com que ninguém se interesse por adquirir Transcon emitidos após 2008, pois como explicitado anteriormente, teriam que adquirir 50% (cinquenta por cento) da prefeitura com Outorga Onerosa.
 
Os antigos proprietários tem o poder de regular o preço dos seus títulos, colocando-os no mercado por valores sempre inferior ao que custa a Outorga Onerosa que a Prefeitura poderia vender. Portanto, emitir Transcon após 2008 foi um belíssimo negócio para a Municipalidade. Só que este papel deixa de ser "mico" no dia em que os títulos antigos forem todos utilizados. Estimo que não antes de 2050. O lado ruim, para a Municipalidade, é que a existência de títulos novos, sem utilização, prejudica a execução das chamadas “operações consociadas”, pois não há na Lei de 2008 nada que impeça a utilização destes nessas operações.
 
SOLUÇÃO
 
O meio vislumbrado para remediar o conflito existente seria a prefeitura readquirir, através de indenização pecuniária, os títulos de Transcon emitidos antes da entrada em vigência da Lei 7400/2008, pelo valor corrigido pelo índice de construção, da data da emissão a data do pagamento da primeira parcela, pagando o valor em diversas parcelas a ser negociado entre as partes.
 
Acontece que, é de conhecimento notório que os títulos de Transcon valem menos do que o valor dos terrenos por metro quadrado. Senão vejamos o exemplo com valores reais praticados: um terreno na Pituba de 1.000m² (mil metros quadrados) com CAB de 2,0 (dois) tem um valor aproximado de R$ 2.500,00/m², ou seja, um valor total de R$ 2,5 milhões. Teoricamente seria possível construir 2.000m² (d ois mil metros quadrados), como o custo de construção por metro quadrado atualmente gira em torno de R$ 3.000,00 /m² (três mil reais por metro quadrado) com o valor do terreno embutido, logo 2.000m² (dois mil metros quadrados) de construção custariam R$ 6 (seis) milhões. Dessa forma, o terreno representa 40% (quarenta por cento) do custo total da construção.
 
Agora vamos supor que o terreno tenha um CAM = 1,0 (um). Logo, você poderá construir mais 1.000m² (mil metros quadrados) com um custo de R$ 3 (três) milhões.
 
Entretanto, para construir essa parcela "extra" seria necessária a utilização do instrumento Transcon, ou da Outorga Onerosa do Direito de Construir. Assim, caso a opção for o Transcon do mesmo local, esse custo seria em torno de R$ 500,00/m² (quinhentos reais por metro quadrado), portanto, o terreno virtual custaria R$ 500 mil reais.
 
Nesta hipótese, o terreno através do Transcon representa somente 16,6% (dezesseis vírgula seis por cento) do custo total da construção, ou seja, 41,5% (quarenta e um vírgula cinco por cento) do valor gasto com o terreno real. Isto quer dizer que o preço do Transcon no mercado esta mais barato.
 
Acontece que, a Outorga Onerosa em recente Lei aprovada na câmara chegou ao valor de R$ 1.619,60/m² (um mil e seiscentos e dezenove reais e sessenta centavos por metro quadrado). Ora, se a Prefeitura readquire todos os Transcon pelo valor original, ela poderia manter elevado o preço Outorga Onerosa, realizando lucro e gerando caixa para o pagamento das parcelas dos Transcons. Fácil, não é?
 
O meio utilizado, que seria desvalorizar o instrumento Transcon é temerário, visto que, os proprietários de terrenos que serão desapropriados não aceitaram o acordo para pagamento com o instrumento Transcon e como é de conhecimento notório, as dificuldades dos entes públicos municipais.Como ficarão as futuras desapropriações, se as Prefeituras não têm dinheiro para pagá-las?
 
Outra solução vislumbrada seria ao eliminar os Transcons, conceder créditos tributários para compensação de impostos em prazos negociados. Assim, os proprietários teriam um título negociável no mercado que serviria para compensar todos os tipos de impostos municipais, estabelecendo-se um máximo anual, para que a prefeitura não tivesse perda substancial de receitas.
 
Ademais, com a extinção do instrumento Transcon, a Prefeitura poderia motivar o desenvolvimento de operações consorciadas como, por exemplo, o Porto Maravilha no Rio de Janeiro.
 
Os proprietários de Transcon sabem que têm um problema a ser equalizado. Negar aos titulares de Transcon que entregaram seu patrimônio ao município, o pleno exercício do direito que lhes foi conferido, contraria princípios constitucionais basilares como os atinentes aos atos jurídicos perfeitos e direitos adquiridos.
 
* Cesar Tavolieri é advogado e coordenador do Centro de Estudos Jurídicos de Salvador (Cejus)