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Caso Havaianas: discussão rasteira como um par de sandálias

Por Tadeu Paz

Caso Havaianas: discussão rasteira como um par de sandálias
Foto: Ricardo Filho/ Divulgação

A campanha publicitária das sandálias Havaianas, que ganhou as redes sociais nesta semana, talvez não dissesse muito além do óbvio, que é virar o ano com leveza, humor e otimismo. Protagonizada pela atriz Fernanda Torres, a peça traz a frase “... não quero que você comece 2026 com o pé direito, desejo que comece o ano novo com os dois pés...”. Um trocadilho simples, alinhado à identidade descontraída da marca. Ainda assim, foi o suficiente para desencadear uma onda de reações indignadas de influenciadores, eleitores e políticos ligados à direita, que enxergaram na mensagem uma suposta provocação ideológica.

 

Vídeos de sandálias sendo rasgadas, queimadas ou jogadas no lixo passaram a circular como gesto de protesto. Para esse grupo, a propaganda simbolizaria uma crítica à direita ou uma defesa velada da esquerda. O episódio, aparentemente banal, revela muito sobre o estado atual do debate público no Brasil, altamente polarizado, emocional e, muitas vezes, raso.

 

Desde a campanha eleitoral de 2018, que levou Jair Bolsonaro à Presidência da República, o país passou a viver um ambiente político marcado pela radicalização. As chamadas pautas dos costumes ganharam centralidade e passaram a ocupar um espaço desproporcional no debate nacional. Questões simbólicas, frases fora de contexto, campanhas publicitárias e até produtos de consumo se transformaram em campos de batalha ideológica.

 

Nesse cenário, qualquer gesto é interpretado como sinal político. Uma cor, uma palavra ou um slogan passam a ser lidos como ataque ou defesa de um lado. O resultado é a substituição do debate sobre políticas públicas, desigualdade, economia ou meio ambiente por embates performáticos, que rende engajamento nas redes, mas pouco contribui para a construção coletiva.

 

Esse caso da Havaianas expõe esse esgotamento. Ao reagir com fúria a uma propaganda de sandálias, parte do debate público parece ter perdido o senso de proporção. A indignação se volta para um chinelo, enquanto problemas estruturais seguem sem a mesma atenção. A política, reduzida a símbolos, se afasta das soluções concretas.

 

A polarização não se manifesta apenas nas eleições, mas infiltra-se no cotidiano, no consumo e na cultura. Marcas são cobradas a se posicionar, ou a se calar, e cidadãos passam a definir sua identidade política até pelo que calçam nos pés. É um sintoma de um país que ainda não conseguiu reconstruir pontes de diálogo.

 

No fim, a discussão gerada por um par de sandálias de dedo revela mais sobre o Brasil do que sobre a propaganda em si. Mostra um ambiente onde o debate público anda tão rasteiro como um par de sandálias. Saudades do tempo em que as Havaianas somente não deformavam, não soltavam as tiras e não tinham cheiro.

 

*Tadeu Paz Costa de Oliveira é jornalista

 

*Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias