Proteção de Comunidades Tradicionais e Reforma Agrária: Ineficiência e Ineficácia do Regime Vigente no Brasil
O regime atual de reforma agrária e proteção a comunidades tradicionais – abrangendo indígenas, quilombolas, assentados sem-terra, marisqueiras e pescadores – é marcado por ineficiência e ineficácia. Com base em dados oficiais do IBGE, evidências históricas e antropológicas, e comparações internacionais, prova-se que o modelo vigente, fundado em demarcações amplas com critérios questionáveis, falha em promover produtividade, bem-estar e justiça, impondo custos desproporcionais à sociedade, especialmente aos mais vulneráveis. O sistema vigente, ao negligenciar o devido processo legal, a proporcionalidade e a razoabilidade, perpetua a pobreza, o abandono de terras e a vulnerabilidade, demandando reformas urgentes inspiradas em alternativas testadas no Brasil e no exterior, alinhadas aos princípios constitucionais de eficiência administrativa (art. 37, CF/88) e função social da propriedade (art. 5º, XXIII, CF/88), já que não servem às comunidades tradicionais, como revela análise combinada de dados oficiais do IBGE, pesquisas antropológicas e comparações internacionais demonstra que o modelo vigente falha em promover bem-estar, autonomia econômica, segurança territorial e função social da terra, ao mesmo tempo em que impõe ônus desproporcionais à sociedade.
Embora a Constituição imponha eficiência (art. 37, caput), devido processo legal (art. 5º, LIV), ampla defesa e proporcionalidade, o sistema atual de demarcações — frequentemente baseado em critérios frágeis, autodeclarações, laudos uniprofissionais e procedimentos administrativos deficitários — fracassa em romper ciclos de pobreza, abandono e subutilização das terras. Dados do IBGE confirmam a subutilização, o abandono e a fuga dos territórios. Os dados incorporados nas imagens reforçam exatamente o argumento central do artigo: as comunidades não permanecem nos territórios que o Estado lhes assegura, o que expõe um modelo falho e incapaz de produzir oportunidades reais.
O estudo do IBGE demonstrou que 53,52% dos indígenas da Amazônia Legal vivem fora das terras indígenas já demarcadas (Fonte: IBGE, Censo 2022 – citado no editorial do Estadão). Contudo, a taxa de analfabetismo nas áreas indígenas chega a 23%, muito acima da média nacional de 5,3%. Ademais, 75,19% dos indígenas enfrentam precariedade no abastecimento de água, saneamento, coleta de lixo e esgoto — infraestrutura mínima que deveria justificar a existência dos próprios territórios. Já a mortalidade é extremamente alta. A Taxa de mortalidade materna entre indígenas chega a 115 mortes por 100 mil nascidos vivos (bem acima da taxa brasileira). S Taxa de mortalidade infantil chega a 34,7 por mil crianças, enquanto a média nacional é de 14,2 (Dados citados pelo Estadão com base em estudos da UFSC, Unicamp e DataSUS.) Esses indicadores comprovam que as terras indígenas, embora representem mais de 13% do território nacional, não estão garantindo bem-estar, dignidade ou segurança.
Outra não é a realidade dos quilombolas. Verificou-se que 81,01% dos quilombolas não vivem nos territórios quilombolas reconhecidos ou reivindicados. O Censo 2022 identificou 8.441 localidades e 7.666 comunidades quilombolas, com 1.327.802 pessoas, das quais apenas 4,3% residem em territórios formalmente demarcados Na Amazônia Legal, os territórios quilombolas apresentam baixa densidade populacional, baixa diversificação econômica e produtividade agrícola muito limitada.
Os próprios dados do IBGE refutam, portanto, a tese de que mais demarcações seriam a solução para essas populações. E revelam um quadro preocupante de subutilização e abandono em terras demarcadas, o que contraria o princípio constitucional da função social, econômica e ambiental da propriedade (art. 186, CF/88). No Censo Demográfico 2022, identificaram-se 8.441 localidades quilombolas associadas a 7.666 comunidades, com 1.327.802 quilombolas (0,65% da população nacional), mas apenas 4,3% vivendo em territórios demarcados. Na Amazônia Legal, os territórios quilombolas abrigavam 91.784 residentes, dos quais 88,51% se declaravam quilombolas, porém com baixa densidade populacional e produtividade agrícola limitada.
E o cenário de descaracterização e desesperança, pela falha do regime jurídico e políticas públicas ainda mais alarmante.Os Estudos do IBGE indicam que comunidades quilombolas, dependentes de práticas tradicionais como a agricultura itinerante, enfrentam perda de complexidade paisagística e diversificação de renda, levando ao abandono ou migração para centros urbanos. Similarmente, em assentamentos de reforma agrária geridos pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), relatórios do IBGE e análises de restauração florestal mostram produtividade econômica baixa: reversões de restauração ocorrem em 1,13% das áreas de assentamentos agrários, refletindo ineficiência no uso sustentável. Para terras indígenas, o IBGE registra 1.693.535 indígenas em 2022 (0,83% da população), ocupando vastas extensões, mas com não-produção em muitas reservas, agravada por invasões e exploração ilegal, como no caso dos Yanomami. Esses dados comprovam que, apesar das demarcações, muitas comunidades abandonam ou subutilizam as terras, perpetuando ciclos de pobreza, em violação ao devido processo e à proporcionalidade exigidos pela Constituição.
A Desproporcionalidade Territorial e os Custos Sociais é evidente. Mais de 15% do território brasileiro está demarcado ou assentado para minorias específicas, gerando custos elevados para a sociedade e contrariando o princípio da razoabilidade (art. 5º, LIV, CF/88). Terras indígenas cobrem cerca de 13,8% do país (117 milhões de hectares, segundo o IWGIA em 2024), enquanto territórios quilombolas, embora menores (apenas 12,6% dos 1,3 milhão de quilombolas vivem em áreas reconhecidas), somam-se a assentamentos sem-terra via INCRA, que abrangem 88 milhões de hectares para mais de um milhão de famílias. Incluindo reservas extrativistas para marisqueiras e pescadores, o total excede 20% em algumas estimativas, beneficiando uma fração da população enquanto o restante, incluindo os mais vulneráveis, arca com os ônus fiscais e ambientais.
Os gastos oficiais ilustram essa ineficácia. A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) tem orçamento anual de cerca de R$ 600 milhões (US$ 111 milhões), enquanto o INCRA e a Fundação Cultural Palmares consomem bilhões em processos de demarcação e manutenção, com cortes sucessivos – o INCRA teve queda de 94% em sete anos, dispondo de apenas R$ 4 milhões em 2017 para mais de 1.600 processos. Apesar disso, comunidades como os Yanomami permanecem em extrema pobreza, exploradas por garimpeiros ilegais, com contaminação por mercúrio e violência sexual, gerando custos humanitários e ambientais para o país. Relatórios da Human Rights Watch e do WFP destacam que essa vulnerabilidade é agravada pela negligência estatal, custando bilhões em saúde e segurança pública, sem observância ao contraditório e à ampla defesa nos processos administrativos.
Outro ponto é uma Narrativa Descontextualizada. Historicamente, escravos fugidos formavam quilombos na borda atlântica, não no interior, para se proteger de capatazes. Exemplos como Palmares, no interior de Pernambuco, confirmam essa estratégia de isolamento em áreas elevadas e remotas, conforme estudos antropológicos. No entanto, o regime atual ignora essa dinâmica ao permitir demarcações em regiões produtivas ou costeiras baseadas em autodeclarações, contrariando a realidade histórica e violando o princípio da razoabilidade.
Os resultados são claros. Nem comunidades e nem a população são beneficiadas. Falhas no Regime Jurídico e nas Políticas Públicas. Há a Necessidade de Rigor Científico. Por exemplo, Não é científico depender de mera autodeclaração ou laudo de um único profissional para reconhecer comunidades quilombolas ou indígenas. O Decreto 4.887/2003 permite titulação coletiva com base em autoidentificação, mas isso carece de profundidade: processos administrativos via INCRA e FUNAI demandam estudos multidisciplinares, com contraditório e ampla defesa, para evitar abusos. A ADI-3239 no STF questiona exatamente essa fragilidade, enfatizando a necessidade de evidências históricas, antropológicas e ambientais robustas, alinhadas ao devido processo legal (art. 5º, LIV, CF/88).
Diante dessa ineficácia, alternativas já implementadas oferecem caminhos viáveis. No Brasil, há mprojetos de agricultura familiar sustentável, Modelos de titulação coletiva com incentivos produtivos, como em reservas extrativistas no Acre, equilibram proteção cultural com geração de renda. Em outros países, o México adota os “ejidos” – terras comunitárias com governança local e integração ao mercado, reduzindo pobreza rural. No Canadá, tratados modernos com Primeiras Nações concedem autonomia em terras menores (cerca de 0,2% do território), mas com direitos a royalties de recursos, fomentando desenvolvimento. A Austrália, com terras aborígenes em até 30% em regiões remotas, implementa parcerias com empresas para co-gerenciamento, mitigando exploração. Essas abordagens priorizam eficiência econômica e cultural, contrastando com o modelo brasileiro, e poderiam ser adaptadas para respeitar a proporcionalidade e a função social da propriedade.
Na Comparação com Países do G20, a falha do Brasil, no regime jurídico e nas políticas públicas para comunidades tradicionais e reforma agrária fica mais evidente. O Isolamento Brasileiro e os números são gritantes e ressoam a necessidade de mudanças. Comparativamente, o Brasil destaca-se por sua desproporcionalidade. Terras indígenas ocupam 13,8% do território, quilombolas e assentados adicionam mais, totalizando >15% para minorias.
Veja-se os dados comparados no G20:
• EUA: Reservas indígenas ~2% (56 milhões de acres), focadas em autonomia econômica.
• Canadá: 0,2% em reservas, mas tratados cobrem vastas áreas com co-gerenciamento.
• Índia: Áreas tribais ~8%, integradas a programas de desenvolvimento.
• Rússia: Terras indígenas <1%, com foco em subsídios.
• Outros, como Alemanha ou Japão, têm percentuais mínimos (<1%), priorizando integração urbana. Quilombolas e marisqueiras/pescadores são únicos ao Brasil, mas equivalentes (comunidades tradicionais) em países como Indonésia (~10%) enfatizam sustentabilidade econômica.
Portanto, o Brasil, com alto percentual, sofre ineficiência sem os benefícios observados em pares, violando a razoabilidade constitucional. É preciso ir Rumo a uma Reforma Eficaz, que tire as comunidades tradicionais da dependência do estado, de políticos e de interesses nada republicanos, travestidos de defensores, tutores e curadores de seus interesses. O regime jurídico vigente no Brasil é ineficiente, perpetuando pobreza e custos sociais desnecessários, ao negligenciar o devido processo, a proporcionalidade e a razoabilidade. Baseado em dados do IBGE, história e comparações, urge uma revisão: rigor científico nas demarcações, incentivos à produtividade e adoção de modelos alternativos como agroecologia e parcerias internacionais. Somente assim transformaremos promessas em progresso real, beneficiando todas as camadas da sociedade, em consonância com os princípios constitucionais de eficiência e justiça.
*Georges Humbert é advogado, professor, pós-doutor em Direito pela Universidade de Coimbra, doutor e mestre em Direito pela PUC-SP, presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Sustentabilidade (IbradeS), autor de mais de 40 livros e 500 artigos científicos
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