As conexões do Direito Militar no Brasil: Perspectivas Normativas, Esparsas e Contemporâneas
O Direito Militar, tradicionalmente compreendido como o ramo jurídico que disciplina a organização, hierarquia, disciplina e a atuação das Forças Armadas e das Forças Auxiliares, revela-se hoje um verdadeiro microssistema jurídico. Ele não se limita ao Direito Penal Militar ou ao Processo Penal Militar, mas alcança uma série de áreas interdisciplinares que dialogam com o Direito Constitucional, Administrativo, Internacional, Sanitário e até mesmo com os mais recentes campos do Direito Aeroespacial e Cibernético. A evolução tecnológica, a ampliação das atribuições constitucionais e a crescente complexidade da defesa nacional impõem um alargamento do conceito clássico de Direito Militar, exigindo que sua análise inclua leis esparsas, regulamentos disciplinares e instrumentos normativos setoriais.
O núcleo do Direito Militar repousa na Constituição Federal, especialmente nos artigos 42, 142, 143 e 144, no Código Penal Militar, de 1969, e no Código de Processo Penal Militar, editado no mesmo ano. A isso se somam o Estatuto dos Militares, de 1980, a Lei do Serviço Militar, de 1964, a Lei Complementar nº 97/1999, além das legislações específicas de cada Força e dos Regulamentos Disciplinares Militares. Também compõem o arcabouço jurídico as normas internacionais, como as Convenções de Genebra e tratados de cooperação militar.
No campo tradicional, o Direito Militar se divide em cinco grandes ramos. O Direito Penal Militar tipifica crimes em tempos de paz e de guerra. O Direito Processual Penal Militar é responsável pela tramitação dos processos na Justiça Militar da União e dos Estados. Já o Direito Administrativo Militar regula carreira, hierarquia, disciplina, previdência, remuneração, reserva e reforma. O Direito Constitucional Militar, por sua vez, interpreta os dispositivos da Constituição relacionados à defesa nacional e às garantias fundamentais, enquanto o Direito Internacional Militar trata do direito de guerra, das missões de paz, de tratados internacionais e do direito humanitário.
As novas demandas estratégicas trouxeram áreas especializadas, que ampliaram ainda mais o escopo do Direito Militar. Entre elas estão o Direito Militar Aeroespacial, ligado à soberania do espaço aéreo e às operações no espaço exterior; o Direito Militar Náutico ou Marítimo, que regula a defesa marítima e a proteção da Amazônia Azul; o Direito Militar Cibernético, voltado à guerra virtual e à proteção de dados estratégicos; o Direito Militar Operacional, aplicável a missões internas e externas; e o Direito Militar Ambiental, que trata da preservação de áreas sob administração militar e da responsabilização por crimes ambientais.
Um aspecto relevante e pouco explorado do Direito Militar é a dimensão sanitária e hospitalar.As Forças Armadas e auxiliares mantêm hospitais militares voltados tanto pata o atendimento da tropa quanto de seus dependentes , com regimes próprios de custeio e funcionamento, como o FUSMA, na Marinha, o FUSEX, no Exército, e o FUNSA, na Aeronáutica. Esses sistemas levantam questões jurídicas relevantes: seriam eles serviços públicos especializados ou complementares ao SUS? Qual o limite da obrigação estatal em relação à saúde dos militares e de seus dependentes? Como lidar com a judicialização de pedidos de internação, medicamentos e tratamentos? Além disso, há impactos disciplinares e funcionais, como afastamentos por motivo de saúde, juntas médicas e reformas por incapacidade. Dessa forma, a saúde militar pode ser vista como um subcampo do Direito Administrativo Militar, em diálogo direto com o Direito Sanitário e Constitucional.
O Direito Militar também interage intensamente com o restante do ordenamento jurídico. Aproxima-se do Direito Civil em temas como contratos, responsabilidade do Estado e pensões; do Direito do Trabalho, ainda que os militares não sejam regidos pela CLT, em aspectos como jornada e adicionais; do Direito Previdenciário, nas regras próprias de aposentadoria e pensão; e do Direito Eleitoral e Constitucional, que impõe restrições à atuação política dos militares da ativa.
O Direito Militar do Brasil não é estático: ele reflete os movimentos da sociedade, da política internacional e da evolução tecnológica. Hoje, além de disciplinar crimes, processos e carreiras, ele se expande para o aeroespacial, náutico, cibernético, ambiental e hospitalar, consolidando-se como um ramo plural, dinâmico e estratégico do ordenamento jurídico.
*Josemar Pereira é presidente do Instituto Brasileiro de Direito Militar (IBDM)
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