Meninos e Meninas
Nascem mais meninos ou meninas? Ou nascem em igual proporção?
Tal questão é antiga. Papais e mamães concebem seus filhos, imaginando-os antes do nascedouro, frutos estes do amor. A palavra ‘conceito’ tem raiz no latim conceptus com este sentido, significando aquilo que a mente entende. Outro sinônimo é a palavra grega ?δ?α, cujo manejo e mesmo pronúncia em português não escondem que preservamos a originalidade do nome ao tratar de ideias.
Em todo nascimento há então alguma ideia de como será qualquer criança. Até pouco tempo não havia como determinar com precisão, e hoje a tecnologia permite antecipar com rapidez se um rebento nascerá menino ou menina antes do parto.
Em termos matemáticos, há uma probabilidade de nascimento de meninos e meninas de fácil compreensão. Para se ter um menino, sendo possível ter menino ou menina, a probabilidade é de uma em duas situações, ou seja, ½, que equivale a 0,5 ou 50%.
Suponha que um casal queria ter dois filhos não gêmeos. O primeiro pode ser menino ou menina. O segundo também. A probabilidade deste casal ter dois meninos pode ser descrita como menino-menino, que é apenas uma possibilidade dentre quatro: menino-menino, menino-menina, menina-menino e menina-menina. Isto equivale a uma em quatro situações, ou seja, ¼, que equivale a 0,25 ou 25%.
Não é difícil estender o raciocínio para três filhos meninos, ou seja: menino-menino-menino. Esta é uma possibilidade dentre oito: menino-menino-menino, menino-menino-menina, menino-menina-menino, menina-menino-menino, menino-menina-menina, menina-menino-menina, menina-menina-menino e menina-menina-menina.
Uma ampliação deste raciocínio implica que para apenas um nascimento, existe a probabilidade de que metade seja menino (½). Para dois nascimentos de meninos, a probabilidade passa a ser de um quarto (½´½=¼). Já para três nascimentos de meninos, a probabilidade passa a ser de um oitavo (½´½´½=1/8 ou 0,125), e assim por diante.
Ao se trocar menino e menina por cara e coroa num lançamento de moedas, as probabilidades encontradas considerando os exemplos acima são as mesmas, e isto é apenas um pequeno exemplo da amplitude da matemática, que trata de situações diversas com regras similares e algo de abstração, ou seja, novamente fruto de conceitos e ideias.
Um dos primeiros a se debruçar seriamente e responder se nascem mais meninos ou meninas foi o polímata escocês John Arbuthnot (1667 - 1735). Arbuthnot foi pioneiro ao propor um dos primeiros testes estatísticos modernos. Entre 1629 e 1710 ele coletou pacientemente e publicou num dos pioneiros e mais prestigiosos jornais científicos dados de séries temporais para realizar o primeiro teste de significância, hoje conhecido como valor-P, uma definição fulcral da matemática e de simples significado.
Em linhas gerais, Arbuthnot percebeu que durante cada um dos 82 anos de análises de nascimentos e batizados de crianças inglesas, houve mais meninos do que meninas nascendo. Seu teste serviu para verificar se os dados eram fruto do acaso, como ocorrem em moedas, ou se significava que a proporção de natalidade não era realmente igual (considerada hipótese nula, outro termo importante, desenvolvido muito tempo depois).
Com os dados a disposição, Arbuthnot raciocinou o seguinte: para cada ano, deveriam haver números iguais de nascimentos envolvendo meninos e meninas, cada um com probabilidade de ½. A probabilidade combinada dos dois primeiros anos seria de um quarto, dos três primeiros anos de um oitavo, e assim por diante. Deste modo, em 82 anos, ele calculou um valor próximo de 0,0000000000000000000000002, ou seja, um número muito pequeno, com vinte e cinco zeros! Grosso modo, este número é obtido multiplicando metades e metades por 82 vezes.
Sendo tal valor extraordinariamente pequeno, e tendo os dados de 82 anos de nascimentos de meninos e meninas, Arbuthnot concluiu que não seria uma hipótese razoável supor que meninos e meninas tenham nascido em iguais proporções. Ele precisou rejeitar a hipótese de proporções iguais de nascimentos entre meninos e meninas. Esta é, em essência, a natureza do problema analisado. Grosso modo, o valor-P, vinculado neste caso ao número extremamente pequeno citado anteriormente do produto envolvendo meações, serve para distinguir duas hipóteses dentro de uma margem de erro, ou ainda dentro de um nível de significância sendo, portanto, um conceito decisivo em estatística. Margens de erro foram estabelecidas tempos depois, sendo consideradas razoáveis aquelas envolvendo 5% (ou 1/20) ou mesmo 1% (isto é, 1/100). O valor obtido por Arbuthnot é extremamente menor que ambos.
Dito de outro modo, não há equivalência na expectativa de nascer igualmente meninos e meninas ou lançar uma moeda e obter quantidades iguais de cara e coroa. No sorteio de nascimentos, a vida mostra que há maior probabilidade de nascerem meninos observando uma população.
De fato, em linhas gerais, nascem aproximadamente 106 meninos para cada 100 meninas, ou seja, são aproximadamente 6% a mais de rebentos meninos comparados a meninas. No Brasil, por exemplo, foram registrados 2.874.164 nascimentos em 2017, sendo 1.473.166 meninos e 1.400.998 meninas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Curiosamente, apenas no Reino Unido, desde 1838, quando o país começou a realizar cuidadosamente os registros de nascimentos, não houve um ano sequer em que nasceram mais meninas do que meninos. Ainda comparando nascimentos com moedas, seria uma com uma pequena pendência para uma das faces – algo que não ocorre com uma lançamentos de uma moeda honesta.
Por sinal, esta é uma proporção curiosa, e bastante próxima da raiz quadrada da raiz quadrada da raiz cúbica de dois, ou seja, a raiz duodécima de dois (21/12) ou ainda aproximadamente 1,06 ao se usar de alguma calculadora. Tal número é muito especial na matemática, pois está curiosamente relacionado à razão entre as frequências de notas musicais consecutivas (da maior para a menor), outra alegoria que aparentemente não faz sentido, como ao se comparar lançamentos de moedas com nascimentos, mas mostra novamente o poder e a abrangência da matemática em diversas situações.
No álbum Partimpim Dois, lançado em 2009, a cantora e compositora brasileira Adriana da Cunha Calcanhotto (n. 1965) homenageou todas as crianças numa célebre canção a lembrar que são frutos do amor, ao dizer: “Menina, Menino / Não deixe de amar / O amor é o que há / Começa quentinho / E pode queimar / O amor modifica / O amor pode ficar”.
*Marcio Luis Ferreira Nascimento é professor da Escola Politécnica, Departamento de Engenharia Química da UFBA e pesquisador do SENAI-CIMATEC
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