Enfim, uma mulher na ABI
Em seus 95 anos de história a ABI resistiu e sobreviveu a duas ditaduras, é claro, com algumas concessões ao arbítrio de plantão estabelecido, que lhe garantiram a sua continuidade. A Ditadura Vargas e a Ditadura Militar, ambas foram deletérias para a classe que representavam. Deixaram um legado de repressão, suspensão das raras conquistas cidadãs da cambaleante República, constante vigilância, censura, prisões, tortura, agressões e assassinatos. Tudo em nome de uma nova e suposta ordem institucional.
A entidade enfrentou uma outra ditadura, no âmbito interno, o machismo estrutural que alijou a mulher de sua legítima representatividade nas diretorias constituídas e renovadas a cada dois anos. Mais de três décadas transcorreram antes de dar assento a uma representante do sexo feminino. Criou-se uma diretoria para acomodar Dona Zuleide, a mais antiga colaboradora da casa: diretora da sede, o correspondente a diretora do faz-tudo.
Na estreia da ABI uma outra mulher teve papel relevante, uma madrinha bela, elegante e socialmente poderosa, Stela Baltazar da Silveira, a filha do influente Coronel Baltazar da Silveira, presença nas fotos oficiais na sua função de vitrine da instituição, espécie de relações públicas informal. A entidade a exibia como um buquê de flores. Não tinha cargo algum na ABI e foi logo descartada, após o escândalo do contrabando de joias, que envolvia o Coronel, tudo indica uma armação para tirar Stela de cena.
Não vou dizer, pensei apenas, que a máxima “antes tarde do que nunca” foi quem inspirou a ABI a formar uma chapa liderada por uma mulher, Suely Temporal, para presidir a entidade, a partir da próxima quarta-feira, concluída a solenidade de posse. Não ia dizer, apenas pensei, mas disse. Sorry. Uma escolha tardia, mas óbvia, coerente com o mercado de trabalho nas redações e assessorias, hoje predominantemente feminino.
A ABI nasceu na boca do lobo, já exibindo os dentes, nas semanas que antecederam o golpe de 1930; alguns dos novos diretores da entidade eleitos, eram conspiradores e conspiradores continuaram. Conspiradores hibernam, à espreita de uma brecha para nova investida. A entidade resistiu às pressões e prisões de alguns de seus diretores eleitos e, aos poucos, se acomodou no espaço que os dentes do lobo lhe permitiram, para sobreviver. Um desses arroubos autoritários colocou a ABI na berlinda. O novo regime oficiou a diretoria com maliciosa e capciosa pergunta. A intimou a opinar se achava que a nova ordem institucional do novo regime era o melhor para a Bahia.
E assim se passaram 95 anos. Todos os presidentes, de alguma forma, enfrentaram pressões autoritárias e ameaçadoras em algum grau. E, a despeito disso, aqui chegamos. Honra a Altamirando Requião, Ranulfo Oliveira, Jorge Calmon, Afonso Maciel, Samuel Celestino, Walter Pinheiro e Ernesto Marques. Saravá.
*Nelson Cadena é escritor e jornalista
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