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Bahia Quântica

Por Marcio Luis Ferreira Nascimento

Bahia Quântica
Foto: Acervo pessoal

A Organização das Nações Unidas (ONU) definiu 2025 como o Ano Internacional da Ciência e Tecnologia Quânticas. Sua agencia especializada, a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) está ao encargo da promoção das celebrações ao redor do mundo, que no Brasil conta com o apoio de instituições como a Academia Brasileira de Ciências (www.abc.org.br) e a Sociedade Brasileira de Física (www.sbfisica.org.br).

 

A data foi escolhida para comemorar o centenário de artigos que redefiniram as ideias sobre a compreensão do mundo das partículas, átomos e moléculas por meio da mecânica quântica matricial, a primeira formulação teórica bem sucedida que explicava os conceitos da antiga teoria quântica, esta fundada em 1900. A tecnologia dos chips de computadores e celulares, e mesmo os LASERS foi concebida com base na física quântica.

 

A mecânica quântica matricial obedece à singela expressão HA = EA, desenvolvida por físicos como os alemães Werner Karl Heisenberg (1901 - 1976), Max Born (1882 - 1970) e Ernst Pascual Jordan (1902 - 1980). Em linhas gerais, tal fórmula expressa a ação de um operador H na forma de matriz atuando em um vetor A denominado função de onda, este a representar um estado quântico, vinculado à energia E.

 

Tais cientistas tomaram como base os estudos do primeiro esboço da teoria quântica concebido pelos físicos alemães Max Karl Ernst Ludwig Planck (1858 - 1947), Albert Einstein (1879 - 1955) e o historiador e físico francês Louis-Victor-Pierre-Raymond, 7º duque de Broglie (1892 - 1987), entre outros. Particularmente, Einstein propôs que a luz tinha uma natureza dual, composta tanto de partículas denominadas fótons, quanto de ondas, tomando como base a proposta original de Planck cinco anos antes. Einstein também concebeu o princípio da emissão estimulada amplificada da luz que passou a ser conhecida pelo acrônimo LASER (“Light Amplification by Stimulated Emission of Radiation”) em 1916.

 

O Brasil teve importantes pesquisas e descobertas em quântica. Entre seus teóricos, é possível destacar, entre muitos pioneiros, o engenheiro civil brasileiro Theodoro Augusto Ramos (1895 - 1935), que também foi prefeito de São Paulo, o físico ucraniano Gleb Vassielievich Wataghin (1899 - 1986), que fundou e lecionou na Universidade de São Paulo, e o matemático e engenheiro eletricista brasileiro Mario Schönberg (1914 - 1990), talvez o maior expoente da física nacional.

 

Na parte experimental, a primeira importante descoberta em solo brasileiro foi o fenômeno de natureza quântica denominado termodielétrico, enorme feito do engenheiro civil, mecânico e eletricista brasileiro Joaquim da Costa Ribeiro (1906 - 1960). Grosso modo, Costa Ribeiro observou cargas elétricas ao fundir e resfriar a cera de carnaúba, ou seja, durante a mera mudança do estado líquido para o sólido, isto em 1944. Tal descoberta inovadora recebeu contribuições do físico alemão naturalizado brasileiro Bernhard Gross (1905 - 2002), este também pioneiro na área de materiais vítreos no país.

 

Outros relevantes destaques foram os experimentos de radioatividade do engenheiro civil Luiz Cintra do Prado (1904 - 1984) junto com Wataghin por volta de 1937, a interpretação alternativa da mecânica quântica feita pelo físico brasilo-americano David Joseph Bohm (1917 - 1992) durante sua estadia no Brasil entre 1951 e 1955, onde lecionava aulas em português, e a descoberta do méson pi, ou píon, pelo físico brasileiro Cesare Mansueto Giulio Lattes (1924 - 2005) em 1947, vinculada à proposta do físico japonês Hideki Yukawa (1907 - 1981) feita doze anos antes.

 

Não seria possível deixar de citar o físico americano Richard Phillips Feynman (1918 - 1988), fundador da eletrodinâmica quântica, que visitou diversas vezes o Brasil entre 1949 e 1966, e chegou a morar no Rio de Janeiro, lecionando aulas em português. Feynman era um verdadeiro folião, pois adorava brincar no carnaval.

 

A primeira tese sobre o tema quântico no país, de enorme controvérsia ao propor uma nova interpretação sobre seus fundamentos, foi elaborada pelo físico austríaco naturalizado brasileiro Klaus Stefan Tausk (1927 - 2012), orientado pelos físicos brasileiros Jorge André Swieca (1936 - 1980, nascido na Polônia) e Shigueo Watanabe (1924 - 2023) na Universidade de São Paulo em 1967. Inicialmente, Tausk havia sido orientado por Schönberg.

 

A descoberta de Lattes estava vinculada a uma teoria proposta por Yukawa em 1935, que tratou de elaborar um modelo quântico para o núcleo dos átomos que visava responder a uma singela questão: “por que o núcleo atômico é coeso e os prótons não se repelem”? Tal pergunta fundamental levava em consideração que no núcleo dos átomos, com exceção do hidrogênio (que possui um único próton e nada mais), existem apenas prótons, com cargas positivas, e nêutrons (estes sem cargas), descobertos em 1932 pelo físico inglês James Chadwick (1891 - 1974). Os prótons deveriam se repelir por terem cargas iguais de acordo com a física clássica. Yukawa propôs um potencial, ou ainda poço, quântico, que permitiria a estabilidade de qualquer núcleo atômico com prótons, e que dependia de uma partícula denominada a princípio de méson, com uma massa intermediária entre o elétron e o próton, que funcionaria como uma espécie de “cola”, mantendo a estabilidade nuclear. Tal partícula elementar teria uma importante função de caráter quântico. Lattes descobriu esta partícula durante seus estudos de doutorado não finalizado na Inglaterra, que resultaram na premiação do Nobel de física ao seu orientador inglês somente.

 

As descobertas de Lattes inspiraram os cantores e compositores brasileiros Angenor de Oliveira (1908 - 1980), mais conhecido como Cartola, e Carlos Moreira de Castro (1902 - 1999), também conhecido como Carlos Cachaça, a comporem o samba-enredo “Ciência e Arte” para a Estação Primeira de Mangueira em 1947 que, segundo o jornalista e crítico musical brasileiro Tárik de Souza Farhat (n. 1946), havia sido recusada pela escola de samba em 1949 e foi regravada pelo próprio Cartola em celebração aos seus 70 anos, no seu derradeiro álbum.

 

Entre diversos nomes a apontar o pioneirismo baiano em física quântica, destacam-se os físicos brasileiros Benedito Leopoldo Pêpe (c. 1939), Álvaro da Silva Ramos (c. 1924, também engenheiro agrônomo), Bela Szaniecki Perret Serpa (c. 1937 - 2022) e Luiz Felippe Perret Serpa (1935 - 2003), que deram continuidade aos estudos do fenômeno termodielétrico de Costa Ribeiro a partir de 1960 no então inaugurado Instituto de Matemática e Física da Universidade da Bahia. O pequeno laboratório do grupo estava localizado nas dependências da Escola Politécnica, a partir da cessão do espaço pelos engenheiros civis Carlos Espinheira de Sá (1915 - ?, tambem engenheiro industrial químico) e Hamilton Cardoso Nolasco (1921 - ?). A pós-graduação em física na Universidade Federal da Bahia (UFBA) iniciou em 1974, com a primeira defesa de mestrado ocorrendo no ano seguinte.

 

Na Bahia existem diversos esforços para desenvolver e aplicar a teoria quântica, em instituições como UFBA, UNEB, IFBA e Academia de Ciências da Bahia. Um dos mais recentes é a iniciativa do Laboratório de Computação Quântica do SENAI-CIMATEC.

 

Um bom exemplo de fenômeno quântico está relacionado ao esclarecimento do efeito fotoelétrico de Einstein em 1905, que resultou no seu prêmio Nobel de 1921. Ele explicou como a luz, considerada uma onda, poderia arrancar um elétron de um metal ao incidi-lo, sendo este uma partícula. Contraintuitivamente, ele sugeriu a ideia da luz enquanto fóton, ou seja, uma partícula, colidindo com um elétron, e assim interagindo com ele. As condições para que se observe esta dualidade entre onda e partícula pertencem a universo dos menores fragmentos, praticamente infinitesimais, da matéria, tambem conhecida como quantas, plural de quantum. Quanta vem de quantidade, não apenas numérica, mas também em substância – e o estudo dos menores pedaços da matéria pertencem ao reino quântico, como os pacotinhos de energia einstenianos na forma de luz denominados fótons.

 

Meio século após a descoberta de Lattes, o grande cantor e compositor brasileiro Gilberto Passos Gil Moreira (n. 1942) regravou a canção de Cartola e Carlos Cachaça em homenagem ao cientista brasileiro num álbum com diversas referências à ciência e premiado com o Grammy na categoria World Music dois anos depois pela versão ao vivo. Convidado pelo próprio Gil, Lattes chegou a opinar sobre algumas partes das canções do álbum, com acesso antecipado às canções “Átimo de Pó”, “A Ciência em Si”, “Dança de Shiva” e “Quanta”, tendo sua carta publicada no encarte da obra.

 

Denominado “Quanta”, a canção-título homônima bem traduz a natureza da física do muito pequeno em termos poéticos em belíssimo dueto cântico-quântico com o cantor e compositor brasileiro Milton Silva Campos do Nascimento (n. 1942): “Quando quase não há / Quantidade que se medir / Qualidade que se expressar / Fragmento infinitésimo / Quase que apenas mental / Quantum granulado no mel / Quantum ondulado no sal”.

 

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Ciência e Arte

Cartola e Carlos Cachaça

 

Tu és meu Brasil em toda parte

Quer na ciência ou na arte

Portentoso e altaneiro

Os homens que escreveram tua história

Conquistaram tuas glórias

Epopéias triunfais

E quero neste pobre enredo revivê-los

Glorificando os nomes seus

Levá-los ao panteão dos grandes imortais

Pois merecem muito mais

 

Não querendo levá-lo ao cume da altura

Cientista tu tens e tens cultura

E neste rude poema destes pobres vates

Há sábios como Pedro Américo e César Lates

 

In: CARTOLA 70 ANOS. Ciência e Arte. [S.I.]. RCA / BMG, 1979. 1 disco LP, Faixa 4 (3 min 4 s).

 

Quanta

Gilberto Gil

 

Quanta do latim

Plural de quantum

Quando quase não há

Quantidade que se medir

Qualidade que se expressar

 

Fragmento infinitésimo

Quase que apenas mental

Quantum granulado no mel

Quantum ondulado no sal

Mel de urânio, sal de rádio

Qualquer coisa quase ideal

 

Cântico dos cânticos

Quântico dos quânticos

 

Canto de louvor

De amor ao vento

Vento, arte do ar

Balançando o corpo da flor

Levando o veleiro pro mar

Vento de calor

De pensamento em chamas

Inspiração

Arte de criar o saber

Arte, descoberta, invenção

Theoría em grego quer dizer

O ser em contemplação

 

Cântico dos cânticos

Quântico dos quânticos

 

Sei que a arte é irmã da ciência

Ambas filhas de um deus fugaz

Que faz num momento e no mesmo momento desfaz

Esse vago deus por trás do mundo

Por detrás do detrás

 

Cântico dos cânticos

Quântico dos quânticos

 

In: QUANTA. Quanta. [S.I.]. WEA, 1997. 1 disco LP, Faixa 1 (4 min 44 s).

 

*Marcio Luis Ferreira Nascimento é professor da Escola Politécnica, Departamento de Engenharia Química da UFBA e pesquisador do SENAI-CIMATEC

 

*Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias