Sanções Econômicas
Colocando o Problema
As sanções econômicas emergiram como um dos instrumentos mais controversos e amplamente utilizados nas relações internacionais contemporâneas. Desde bloqueios navais no início do século XX até sofisticadas restrições financeiras atualmente, essas medidas visam alterar comportamentos estatais considerados ameaças à paz ou à segurança global.
Este texto procura examinar a evolução histórica das sanções, sua legitimidade sob o direito internacional e os impactos observados em casos contemporâneos, com ênfase especial nos exemplos da Rússia após a guerra na Ucrânia e do Irã.
As referências que utilizei na elaboração deste texto deixo como recomendação a quem desejar se aprofundar no tema: "The Economic Weapon: The Rise of Sanctions as a Tool of Modern War", de Nicholas Mulder, e "Economic Sanctions under International Law: Unilateralism, Multilateralism, Legitimacy, and Consequences", editado por Ali Z. Marossi e Marisa R. Bassett.
Origem e Consolidação das Sanções Econômicas
As sanções econômicas, inicialmente inspiradas pelos bloqueios navais da Primeira Guerra Mundial, tornaram-se uma ferramenta formal de política internacional após a criação da Liga das Nações em seguida à Primeira Guerra Mundial, em 1919. A Liga previa no artigo 16 do seu pacto a imposição de sanções a Estados que violassem os princípios da paz internacional. O bloqueio econômico foi visto à época como uma alterativa menos destrutiva do que a intervenção militar. A arma econômica, como era então chamada, foi entendida como um meio de evitar conflitos armados. O presidente norte-americano Woodrow Wilson descreveu-a como “algo mais tremendo do que a guerra”, capaz de sufocar um Estado sem recorrer a armas.
O uso das sanções foi ampliado no período entre guerras, com a Liga das Nações utilizando-as para tentar conter a agressão de Estados como a Itália fascista durante a invasão da Etiópia em 1935. Apesar de falharem em deter Mussolini, essas sanções consolidaram a ideia de que medidas econômicas poderiam substituir intervenções militares diretas.
A Era da ONU e a Institucionalização das Sanções
Com a criação das Nações Unidas em 1945, após a Segunda Guerra Mundial, as sanções econômicas foram incorporadas como um mecanismo formal no sistema de segurança coletiva. Sob o Capítulo VII da Carta da ONU, o Conselho de Segurança recebeu a autoridade para impor medidas coercitivas contra Estados que ameaçassem a paz ou violassem os direitos humanos. Exemplos incluem as sanções contra a África do Sul durante o apartheid e contra o Irã e a Coreia do Norte devido aos seus programas nucleares
No entanto, o impacto das sanções econômicas nesse período não se restringiu a questões militares e diplomáticas. Elas também desempenharam um papel central na definição das relações comerciais globais, marcando uma transição significativa na maneira como o poder econômico era utilizado como extensão da soberania nacional. Além disso, ao longo do século XX, o conceito de sanções econômicas evoluiu para incorporar mecanismos mais sofisticados, como congelamento de ativos, embargos comerciais e restrições financeiras. O impacto dessas medidas continuou a se expandir em contextos como a Guerra Fria, onde sanções desempenharam um papel essencial na contenção de regimes ideologicamente contrários aos interesses ocidentais. A Guerra Fria, inclusive, viu o surgimento de embargos que afetaram profundamente as relações econômicas entre os blocos, como o embargo comercial imposto pelos Estados Unidos a Cuba, cujos efeitos persistem até os dias atuais.
Sanções e o Direito Internacional: Dilemas de Legitimidade
O direito internacional apresenta desafios à legalidade e à legitimidade das sanções, especialmente as unilaterais. De acordo com o Capítulo VII da Carta da ONU, apenas o Conselho de Segurança possui autoridade para impor sanções obrigatórias. No entanto, Estados e blocos como os EUA e a União Europeia frequentemente adotam sanções unilaterais, levantando questões sobre a soberania dos Estados e a igualdade soberana garantida pela ONU.
Essas medidas unilaterais frequentemente se justificam como respostas a violações de direitos humanos ou ameaças à segurança internacional, mas também podem refletir interesses geopolíticos. Isso gera tensões, como visto nas sanções contra o Irã e a Síria, que foram criticadas por impactarem desproporcionalmente as populações civis. Além disso, há o risco de que sanções sejam utilizadas como ferramentas de hegemonia econômica, violando os princípios básicos do multilateralismo e da cooperação internacional.
Por outro lado, as sanções multilaterais, coordenadas pelo Conselho de Segurança da ONU – (UNSC), têm demonstrado maior legitimidade e aceitação internacional. Exemplos incluem as sanções impostas à Coreia do Norte em resposta às suas atividades nucleares, que envolvem a cooperação de vários Estados para maximizar a eficácia das medidas. Contudo, mesmo essas sanções enfrentam críticas quanto à sua implementação e aos impactos colaterais nas populações civis. Em casos como o do Afeganistão, as sanções multilaterais não apenas falharam em atingir seus objetivos políticos, como também exacerbaram crises humanitárias já em curso.
Eficácia, Impactos econômicos e humanitários
A eficácia das sanções econômicas é uma questão amplamente debatida. Defensores argumentam que elas representam uma alternativa à guerra, reduzindo os custos humanos e materiais de conflitos armados. Por outro lado, críticos destacam que sanções frequentemente não atingem seus objetivos políticos e podem infligir sofrimento desproporcional às populações civis dos países alvo
Embora sejam consideradas uma alternativa “pacífica” à guerra, as sanções têm consequências severas para os países-alvo. Durante o bloqueio da Primeira Guerra Mundial, centenas de milhares de civis morreram de fome e doenças causadas pela interrupção de suprimentos. Essa realidade persiste, com sanções modernas muitas vezes agravando crises humanitárias, como no caso do Iraque na década de 1990, onde sanções contribuíram para a morte de milhares de crianças devido à escassez de medicamentos e alimentos.
Sanções também têm efeitos indiretos, como o fortalecimento de regimes autoritários, que utilizam o isolamento econômico para justificar medidas repressivas internas. Por outro lado, defensores argumentam que sanções podem pressionar governos a negociar, como no caso do programa nuclear iraniano. Além disso, as sanções afetam as economias globais, ao interferirem em cadeias de suprimentos e criarem incertezas nos mercados financeiros internacionais.
Em termos humanitários, o impacto das sanções vai além das estatísticas. O sofrimento humano causado pela falta de acesso a bens essenciais, como alimentos e medicamentos, levanta questões sobre a proporcionalidade e a ética de tais medidas. Além disso, há a questão da discriminação: populações civis, muitas vezes as menos culpadas pelos conflitos, acabam sendo as mais atingidas. Essas questões se tornam mais complexas quando levamos em conta situações de vulnerabilidade agravada, como em países em crise estrutural, onde as sanções podem intensificar a pobreza e a insegurança alimentar.
Unilateralismo versus Multilateralismo
O debate entre sanções unilaterais e multilaterais é central para a discussão sobre sua eficácia e legitimidade. Enquanto sanções multilaterais, como aquelas impostas pelo Conselho de Segurança da ONU, possuem maior legitimidade internacional, sanções unilaterais são frequentemente vistas como instrumentos de poder hegemônico. Essa dualidade revela a tensão entre a centralização da ordem jurídica internacional e os interesses nacionais.
A cooperação multilateral oferece várias vantagens. Primeiro, ela reduz a possibilidade de abuso por parte de potências hegemônicas, garantindo que as sanções sejam aplicadas de forma justa e proporcional. Segundo, aumenta a eficácia das sanções, ao envolver um maior número de Estados na implementação de medidas coercitivas. Por fim, o multilateralismo promove a legitimidade das sanções, reforçando a adesão ao direito internacional.
No entanto, o unilateralismo também tem seus defensores, que argumentam que ele permite respostas mais rápidas e flexíveis a crises internacionais. Em casos em que o consenso multilateral é difícil de atingir, como no caso da Rússia após a anexação da Crimeia, as sanções unilaterais oferecem uma solução pragmática para isolar regimes considerados ameaçadores. Contudo, essa abordagem pode gerar divisões diplomáticas, comprometendo alianças e minando a confiança entre Estados. Para além disso, as sanções unilaterais frequentemente enfrentam resistência não apenas dos Estados afetados, mas também de outros atores internacionais preocupados com o impacto na estabilidade global.
Estudos de Casos Contemporâneos: A Resiliência da Rússia Após a Guerra na Ucrânia e o Caso do Irã
Desde a invasão da Ucrânia em 2022, a Rússia enfrenta uma das mais extensas campanhas de sanções da história moderna. Países ocidentais impuseram restrições abrangentes, incluindo o congelamento de reservas do banco central russo, sanções financeiras a grandes bancos e embargos à exportação de tecnologia.
Apesar das medidas, a economia russa mostrou notável resiliência. A redireção de exportações de energia para China e Índia permitiu que o governo compensasse parte das perdas. Em 2023, 90% do petróleo russo foram exportados para mercados asiáticos, gerando receitas substanciais. Além disso, a criação de uma frota própria de petroleiros ajudou a evitar o teto de preços imposto pelo Ocidente.
Por outro lado, setores da economia foram severamente afetados. A produção industrial sofreu quedas significativas, especialmente na indústria automotiva. Ademais, a população enfrenta aumento da pobreza e da inflação, ilustrando os efeitos colaterais das sanções.
O Caso do Irã
As sanções contra o Irã são um exemplo clássico de medidas prolongadas que produziram impactos profundos, mas resultados mistos. Desde 1979, os Estados Unidos lideraram uma campanha para isolar economicamente o Irã, inicialmente em resposta à revolução islâmica e, posteriormente, devido ao programa nuclear do país. As exportações de petróleo iraniano caíram drasticamente, e a moeda nacional desvalorizou-se de forma acentuada.
Apesar disso, o Irã adaptou-se ao desenvolver um sistema financeiro paralelo e fortalecer relações comerciais com países como China e Rússia e agora o BRICS. Essa resiliência mostra que as sanções, embora prejudiciais, nem sempre alcançam seus objetivos de forçar mudanças políticas significativas.
A Legalidade sob o Direito Internacional e Implicações Éticas
As sanções econômicas devem obedecer aos princípios da Carta da ONU e do direito internacional. Medidas unilaterais, como as impostas pelos Estados Unidos, são frequentemente criticadas por violarem os princípios de soberania estatal e não interferência. Por outro lado, sanções multilaterais, aprovadas pelo Conselho de Segurança, possuem maior legitimidade, mas também enfrentam desafios relacionados ao impacto humanitário.
Do ponto de vista ético, as sanções levantam questões sobre sua proporcionalidade e impacto em civis inocentes. A busca por um equilíbrio entre punir governos e evitar sofrimento humano é um dilema persistente na formulação dessas políticas
Reflexões Sobre o Futuro das Sanções
Para que as sanções sejam eficazes e eticamente defensáveis, é necessário aprimorar sua regulamentação no âmbito do direito internacional. Isso inclui a criação de mecanismos de revisão judicial para garantir que não violem os direitos humanos, como também o monitoramento de seus efeitos humanitários. A comunidade internacional deve buscar um equilíbrio entre a pressão sobre regimes infratores e a proteção das populações vulneráveis.
Adicionalmente, há uma necessidade crescente de transparência na implementação das sanções. Isso inclui a divulgação clara de seus objetivos, a avaliação periódica de seus impactos e a revisão de medidas que causem danos desproporcionais. A colaboração entre Estados, organizações internacionais e a sociedade civil é essencial para garantir que as sanções sejam utilizadas de maneira justa e eficaz.
A evolução tecnológica também apresenta novos desafios e oportunidades para as sanções econômicas. Com o aumento do uso de moedas digitais e tecnologias de blockchain, os Estados alvos de sanções podem encontrar formas de contornar restrições financeiras. Por outro lado, essas mesmas tecnologias podem ser utilizadas para monitorar e implementar sanções de forma mais eficiente, garantindo maior controle sobre fluxos financeiros e comerciais.
Finalizando
As sanções econômicas permanecem um dos instrumentos mais complexos e debatidos na diplomacia internacional. Sua utilização como alternativa à intervenção militar direta reflete um avanço no ideal de resolver disputas por meios pacíficos, mas os casos analisados demonstram que essa abordagem está longe de ser isenta de problemas. No cerne dessa discussão está o dilema entre a busca por eficácia e a necessidade de mitigar impactos humanitários.
O caso da Rússia revela que sanções, mesmo aplicadas em escala maciça e com ampla coordenação internacional, não garantem automaticamente o alcance dos objetivos políticos desejados. A capacidade de adaptação de economias resilientes e a existência de parceiros comerciais alternativos enfraquecem o impacto de tais medidas. Ainda por cima, o aumento da pobreza e as dificuldades enfrentadas pela população indicam que as sanções frequentemente penalizam aqueles que têm pouco ou nenhum controle sobre as decisões do governo alvo.
No caso do Irã, observa-se que sanções prolongadas podem, paradoxalmente, fortalecer as narrativas internas contra os sancionadores e incentivar o desenvolvimento de estruturas paralelas de comércio e finanças, reduzindo a dependência de mercados ocidentais. Isso levanta questões sobre até que ponto sanções podem efetivamente mudar comportamentos estatais sem o apoio de uma coalizão global unificada.
Refletindo sobre esses exemplos, torna-se evidente que as sanções econômicas não devem ser aplicadas como um fim em si mesmas, mas como parte de uma estratégia diplomática mais ampla. Seu sucesso depende de fatores como a clareza dos objetivos, a coerência na implementação e o monitoramento rigoroso de seus efeitos colaterais.
Além disso, é crucial que a comunidade internacional avance no desenvolvimento de mecanismos mais robustos para avaliar a proporcionalidade e a legitimidade das sanções. Isso inclui não apenas a revisão judicial de medidas unilaterais, mas também a inclusão de princípios éticos claros que priorizem os direitos humanos e o bem-estar das populações civis. Em um mundo cada vez mais interconectado, a imposição de sanções que causem sofrimento indiscriminado pode comprometer a legitimidade moral e política dos Estados que as aplicam.
Portanto, para que as sanções econômicas cumpram seu potencial transformador, é indispensável um equilíbrio cuidadoso entre punir comportamentos ilegais e construir pontes para soluções negociadas. O futuro desse instrumento reside em sua capacidade de evoluir para um modelo que combine eficácia com responsabilidade, promovendo um sistema internacional mais justo e voltado à paz duradoura.
*Zilan Costa e Silva é advogado e professor
* Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias