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A urgência da adoção de Governança Fiscal pelos Municípios

Por David Luduvice

A urgência da adoção de Governança Fiscal pelos Municípios
Foto: Divulgação

E agora, Prefeitos, como agir diante da Resolução CNJ n.º 547/2024 e as extinções em massa das execuções fiscais abaixo de R$ 10.000,00 que já começaram pelo país? A resposta é proatividade imediata, através do que denomino de Governança Fiscal.

 

O CNJ – Conselho Nacional de Justiça, no início desse ano e a partir do julgamento de recurso repetitivo feito pelo STF no Tema 1184, editou a orientação aos juízes de direito no sentido de que deverão ser extintas todas as execuções fiscais com valor de face abaixo de R$ 10.000,00, paralisadas há mais de um ano desde a citação, ou nas quais, mesmo citado o devedor, não tenham sido localizados bens penhoráveis.

 

Fato é que o CNJ (diga-se, STF) acastelado em sua torre no alto de Brasília, olhou apenas para o lado e tomou por referência a situação da União Federal (que utiliza como critério para não ajuizar execuções fiscais um piso de valor de R$ 20.000,00) e, sem aprofundamento algum sobre a situação dos mais de 5.500 municípios brasileiros, sem descer à realidade do difícil exercício da competência constitucional tributária das cidades do país, entendeu que um valor de corte de R$ 10.000,00 estaria adequado para o dia a dia da cobrança da Dívida Ativa das comunas espalhadas pelo Brasil.

 

Pelos próprios “Considerandos” declinados no texto da Resolução 547/2024 percebe-se que, em verdade, o CNJ preocupou-se apenas com o seu interesse de reduzir o volume de trabalho para a estrutura do Judiciário, ao fundamentar que as execuções fiscais representam 88% do congestionamento da atuação judicial e que o custo mínimo de uma execução fiscal é de R$ 9.277,00. Ou seja, visou apenas a melhora do desempenho do Judiciário, como se o problema também não tivesse origem na falta de estrutura e recursos humanos dos cartórios e varas judiciais de primeira instância.

 

Assim, o CNJ resolveu o antigo cabo de guerra que existia entre Judiciário e Entes Públicos Tributantes acerca do grande volume de ajuizamentos anuais de execuções fiscais, esquecendo-se, no entanto, de 4 fatores importantes: 

 

R$ 10.000,00 de piso de ajuizamento é um patamar alto demais até para as capitais (o valor médio do IPTU de Salvador, por exemplo, gira em torno de R$ 1.500,00); 

Os créditos fiscais até R$ 10.000,00 representam cerca de 90% do estoque de Dívida Ativa da grande maioria dos municípios brasileiros (inclusive capitais), uma vez que a tributação municipal, diferentemente do que ocorre com a estadual, é muito pulverizada); 

O protesto extrajudicial, mesmo sendo realmente muito mais eficaz que a execução fiscal, ainda não interrompe a prescrição tributária (essa atribuição é objeto do PLP 459/2017 - que visa alterar o art. 174 CTN - contido no contexto da Reforma Tributária);

Os Municípios não se prepararam e não possuem ainda estrutura própria ou contratada para se adaptarem rapidamente à mudança imposta abruptamente na régua de cobrança da Dívida Ativa.

 

Assim, o certo seria que dita mudança na cultura da cobrança da Dívida Ativa fosse feita de forma gradativa e, principalmente, após a reforma tributária, com o estabelecimento do protesto extrajudicial da CDA como formal causa interruptiva da prescrição tributária, o que não ocorreu, visto a forma açodada como a nova ordem foi imposta, especialmente às Municipalidades, que assim foram pegas de surpresa, despreparadas em sua imensa maioria, e que já recebem, nesse momento, as intimações dos juízes fazendários extinguindo centenas de execuções fiscais em um único dia.

 

Desse modo, as Prefeituras que já se viam em difícil situação diante de uma reforma tributária que centraliza o poder arrecadatório na figura da União e enfraquece mais ainda a competência tributária municipal, agora se deparam com uma corrida contra o tempo, diante da determinação do CNJ.

 

E digo corrida contra o tempo porque a responsabilidade fiscal do Prefeito, Secretário da Fazenda e Procurador Geral se mantem a mesma, diga-se, exigir o estoque de Dívida Ativa de forma eficiente, sob pena de incorrer em renúncia de receita, não obstante, agora, a Fazenda Municipal não possa mais acessar o Judiciário para cobrar 90% do volume do seu estoque de créditos fiscais e, lembremos, o CNJ em sua resolução se esqueceu do detalhe de que o protesto extrajudicial não interrompe a prescrição tributária.

 

Ou seja, a Prefeitura, além de ter que viabilizar a cobrança extrajudicial dos créditos já executados, que nesse momento estão sendo extintos em massa pelos juízes fazendários (e que, diga-se a verdade, não se encontravam paralisados apenas por irregularidades cadastrais de contribuintes, mas também por falta de aparado do próprio Judiciário para realizar as citações e penhoras), agora terá que rapidamente reinventar o seu Departamento Tributário e Procuradoria Fiscal para essa nova realidade.

 

Aliás, o CNJ nem mesmo considerou a realidade dos próprios tabelionatos de protesto extrajudicial (subordinados aos Tribunais de Justiça do país) que não estão preparados para absorver de forma abrupta a demanda de apontamentos de CDA dos municípios, haja vista que, apesar de se iniciar eletronicamente, no fim da linha, a notificação do protesto é feita no mundo real por um motoboy e isso tem o mesmo custo de uma entrega de pizza.

 

O que importa agora é que as Prefeituras e seus gestores fiscais precisam, diante do cenário atual e urgente, implementar a mudança de cultura da execução de sua Dívida Ativa, invertendo a régua de cobrança dos créditos fiscais para promover o mais rapidamente possível o protesto extrajudicial e adotar o que chamo de “Governança Fiscal”: 

a) controle do estoque da Dívida Ativa (especialmente fidedignidade dos cadastros e marcos prescricionais); 

b) monitoramento dos resultados (satisfação de créditos a vista, parcelamentos, saldos de parcelamentos, devedores contumazes, perfil de contribuinte e tributos com melhor desempenho no protesto, faixa de valor de melhor desempenho, atividades e áreas da cidade com melhor desempenho) e 

c) prestação de contas à sociedade (relatórios ao Tribunal de Contas).

 

Além de toda a preparação jurídica para implementação dessa mudança de cultura, desde a regularidade dos cadastros municipais de contribuintes (particularmente cadastros de atividades e imobiliários), passando pelo processo administrativo fiscal e pelo controle de legalidade, até a inscrição em Dívida Ativa e emissão de CDAs aptas a protesto extrajudicial eficaz, as Prefeituras espalhadas pelo país precisam estar prontas para o contencioso de defesa dos créditos fiscais, que advirá em volume maior que o atual, quando os contribuintes se insurgirem contra os protestos por meio de ações judiciais com pedidos liminares de sustação ou cancelamento dos apontamentos, demandas essas que, por conta da faixa de valor dos títulos (R$ 10.000,00), serão tramitadas sob o rito dos juizados especiais da fazenda pública.

 

E esse é um detalhe importante que o CNJ também não pensou ou, se pensou, não se preocupou com a situação dos municípios: no âmbito dos juizados, as prerrogativas da Fazenda Pública acabam sendo muito mitigadas na prática e, mais grave ainda, não cabe desenvolvimento de perícia.

 

Logo, a robustez do crédito fiscal protestado deverá vir bem preparada desde o cadastro do contribuinte e a constituição do crédito, passando pelo desenvolvimento regular do processo administrativo fiscal, pela realização de controle de legalidade e por fim, a emissão da CDA e ato de protesto, a fim de que seja facilmente demonstrável de forma objetiva para juiz desde a sua origem, ainda mais quando se leva em conta que o juiz de direito que serve a maioria dos municípios é um generalista e não dedicado exclusivamente a matéria tributária.

 

E não é exagero dizer que muito provavelmente, para facilitar o trâmite das ações propostas pelos contribuintes (já que, agora, serão eles que provocarão o Judiciário para discutir os créditos fiscais e não mais os ente tributantes que demandarão inicialmente a Justiça para executar a dívida), os magistrados tenderão a se afastar da presunção de certeza e liquidez fixada na Lei de Execuções Fiscais (que, aliás, foi na prática esvaziada pela resolução do CNJ) e abraçar uma linha de reconhecimento de hipossuficiência técnica do contribuinte diante do ente público, invertendo o ônus da prova acerca de algum aspecto mais técnico da equação da exação tributária que o devedor venha a questionar em juízo. 

 

Significa dizer que não bastará apenas protestar todo o estoque da Dívida Ativa, será preciso conferir previamente validade e segurança jurídica aos créditos e, após os protestos, defendê-los com propriedade contra as medidas judiciais por parte dos contribuintes.

 

Essa é a nova realidade da Cobrança da Dívida Ativa que já começou e exige urgente proatividade dos gestores fiscais na implementação da governança fiscal, assim como as empresas privadas no passado tiveram que reinventar seus departamentos financeiros e contábeis para adotar práticas do que lá, na iniciativa privada, é chamado de governança tributária.

 

Fato é que, ainda que o Judiciário tenha sido abrupto ao impor essa mudança de cultura inoportunamente, força as Municipalidades a evoluírem na gestão fiscal, posto que não será admitida pelos Tribunais de Contas a simples inércia do gestor sob a justificativa de que não podia ajuizar a grande maioria de seus créditos fiscais. Responderá sim por renúncia de receita aquele que não se adequar à nova régua de cobrança da Dívida Ativa, ainda que essa tenha sido imposta não por lei, mas por uma resolução.

 

Pois bem, preparem-se Prefeituras!

 

*David Luduvice é Tributarista do Luduvice, Cal & Alpire Advogados e Procurador Fiscal de Salvador

 

*Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias